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Entrevista

“A indústria teme os millennials”, diz diretor de organização que chamou Greve pelo Clima

Diretor de campanhas da 350.org explica o que os organizadores esperam dos protestos que começam hoje e denuncia cerceamento da sociedade civil nos leilões do Pré-Sal

Entrevista
20 de setembro de 2019
13:32
Este artigo tem mais de 5 ano

“A indústria teme hoje esse novo cidadão do século 21, essa sociedade millennial preocupada com o desenvolvimento sustentável de verdade”. É assim que o diretor de campanhas da organização 350.org no Brasil, Juliano Bueno de Araújo, resume a eficácia de movimentos como a Greve Mundial pelo Clima que começa hoje e dura uma semana, um chamado de organizações da sociedade civil pelo mundo inteiro.

“É um chamado para políticos, para pessoas públicas, mas também para a sociedade do setor privado de que nós ultrapassamos os limites das mudanças climáticas e da crise climática do planeta”, explica Juliano Bueno, que é engenheiro ambiental por formação.

A organização 350.org é uma das articuladoras da Greve Mundial e levanta a bandeira da transição energética – a substituição dos combustíveis fósseis por formas de geração de energia limpa e renovável. No Brasil, atua denunciando impactos ambientais da indústria petroleira e participa de leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para apresentar seus questionamentos.

Recentemente, no entanto, seus representantes e outros membros da sociedade civil têm sido barrados de entrar nesses eventos, conforme denuncia Juliano em entrevista à Agência Pública.

Ainda em 2017, oito ativistas da ONG foram impedidos de entrar na 2ª e 3ª rodadas de leilões do Pré-Sal no Rio de Janeiro. O caso não foi isolado e se repetiu em março de 2018, durante a 15ª rodada de leilões. Nas duas ocasiões, os representantes da sociedade civil levavam consigo ordem judicial que garantia a entrada no evento, que foi desrespeitada pela ANP.

“Há algum tempo a ANP tem essa prerrogativa de criar todos os problemas possíveis para o acesso da sociedade nos nossos leilões. A agência quer mandar o seguinte recado pros investidores e para as empresas exploradoras de petróleo e gás: aqui não existe contestação”, diz Araújo. As próximas rodadas ocorrem entre o mês de outubro e novembro de 2019.

Juliano Bueno de Araújo é diretor de campanha da 350.org e advoga pela transição energética

Leia a entrevista.

Hoje começa a greve mundial pelo clima, com a articulação da 350.org. O que vocês pretendem atingir com esse movimento?

Mais do que conscientizar, é um chamado para políticos, para pessoas públicas, mas também para a sociedade do setor privado de que nós ultrapassamos os limites das mudanças climáticas e da crise climática do planeta. É um chamado para pensar e agir, por que se não agirmos agora será tarde.

Essa geração nova está mandando o recado de que as gerações anteriores não fizeram o dever de casa: “Queridos pais, diretores e políticos, nós estamos olhando e estamos vendo o que vocês estão nos deixando. Daqui alguns anos a conta vai ser tão alta que nós não vamos conseguir pagar”.

Então é uma reação a uma crise climática global com dezenas de países com muita chuva, ou falta de água, mudanças de temperaturas, onde você não consegue mais produzir alimento. Onde o custo de produção de alimento é mais caro. Onde a geração de doenças tropicais fica evidente. Basta ver a realidade da dengue, chicungunha, febre amarela, que agora estão presentes em outras regiões. O custo das mudanças climáticas é multibilionário. E a conta só começou a chegar. No Brasil, os problemas das mudanças climáticas já chegou.

E quanto ao negacionismo climático que vem crescendo, com o incentivo do próprio governo brasileiro? Qual o impacto disso?

É um absurdo que parte desse governo tenha tido a coragem de dizer que a ciência está errada. Enquanto cientista, é muito difícil ver autoridades públicas dizendo que a terra é plana ou propondo soluções como fazer cocô dia sim dia não para a questão climática.

Infelizmente quando se nega a ciência, se nega o conhecimento científico do mundo inteiro, eu acho que estamos indo para um caminho perigoso. Há setores que querem destruir a economia sustentável. Existe uma indústria que, entre outras coisas, paga e financia a desconstrução das mudanças climáticas, criando um paralelo de notícias falsas, de “fake news”, dizendo que combustíveis fósseis não aceleram as mudanças climáticas no planeta.

Há relatórios da própria Shell que vazaram, no qual ela sabia dos danos ambientais e do risco climático e escondeu esse relatório por muito tempo. Depois isso tudo vazou.

Qualquer tipo de discurso extremado, onde não exista centro científico, é temerário e nós não podemos ficar reféns disso.

O começo do governo [Bolsonaro] usou do negacionismo. Mas não era unânime. O próprio setor agrícola, com a ministra da agricultura, admitiu que a questão de mudanças climáticas afeta a produção agrícola e nós não podemos ser loucos e suicidas e falar que isso não existe. E ela está certa. A existência desse negacionismo coloca o país em risco.

Mas esse assunto de mudanças climáticas pode mudar. No início do governo, íamos sair do pacto climático e depois não saímos. Isso porque a sociedade não quer que saia. Não só a sociedade civil, como o setor produtivo, a indústria, o setor agrícola.

Quem vai para as ruas é essa sociedade diversa de brasileiros. É o jovem que vem de uma família de direita, de centro ou de esquerda, e também de gente que não está nem aí. Está preocupada com o meio ambiente e entende que a questão ambiental e climática não tem cor nem bandeira. O que está sendo colocado em risco é a vida e não uma tendência política polarizada. Até porque a esquerda brasileira incentivou a indústria fóssil e vinha com o discurso de que temos que preservar a questão de clima, mas ela continuava injetando recursos financeiros e facilidades para o maior gerador de efeito estufa.

Não existe na questão de clima direita ou esquerda. É a vida que está sendo colocada em risco desde os governos anteriores. Nenhum governo fez seu dever de casa como deveria.

Conta um pouco sobre a participação de vocês nos leilões do Pré-Sal.

A 350.org atua nos leilões da ANP há 7 anos. Quando a agência vai realizar um leilão, há a necessidade legal da sociedade poder participar de um leilão público como ouvinte, para entender e acompanhar aquilo que está sendo leiloado do patrimônio público. E para exercer seu papel de resignação, do sim, do não, do questionamento, em um ambiente onde você tem investidores e empresas realizando ações de compra e aquisição de blocos de extração de petróleo, seja de offshore ou de onshore. E essa sociedade civil vem sendo proibida de entrar.

Não há a presença de pessoas físicas da sociedade, com exceção dos próprios interessados na aquisição do regime de petróleo. Isso significa a não legitimidade desses leilões, porque a sociedade é impedida de participar. Ela não consegue adentrar dentro dessas áreas de leilão.

Isso não acontecia antes, mas há algum tempo a ANP tem essa prerrogativa de criar todos os problemas possíveis para o acesso da sociedade nos nossos leilões. A agência quer mandar o seguinte recado pros investidores e para as empresas exploradoras de petróleo e gás: aqui não existe contestação. Vocês perfuram aonde quiserem, realizam as atividades que quiserem porque a sociedade é unânime em dizer que isso é lindo e maravilhoso. O que não é verdade.

Cercear o direito do contraditório é contrário àquilo que a nossa Constituição define como a livre expressão e a livre participação da sociedade em ambientes públicos.

Então existe uma legislação muito clara sobre o que é leilão público, quais são as regras do leilão. E lá está dito que a sociedade pode e deve participar.
Estamos sendo impedidos de realizar isso ao longo desses anos. Ao longo desses leilões aconteceram vários fatos, até agressões físicas por parte de seguranças da ANP, agentes privados de seguranças.

Entramos com uma série de ações civis públicas e inclusive uma ação criminal contra a ANP.

Organização 350.org articula sociedade civil na luta pelo meio ambiente e pela transição energética

Qual é a contestação que vocês gostariam de levar a esses leilões?

Nós muitas vezes levamos aos leilões representantes de comunidades de pescadores, indígenas, agricultores, basicamente a comunidade que é afetada pela área que será leiloada. É do nosso interesse fazer com que essa comunidade afetada fique informada sobre o leilão e o que isso pode significar de problemas.

Cabe a nós da 350 e de outras organizações, informar sobre esses riscos, informar sobre esses possíveis danos. Porque essa comunidade não é informada pelo Estado, que simplesmente diz que vai leiloar as reservas fósseis do país.

Reivindicamos também um modelo de transição energética. Os danos climáticos estão aí e também a oportunidade de se gerar renda e tecnologia e empregos naquilo que chamamos de empregos para o clima. A transição energética, a escolha do país de realmente fazer a transição dos fósseis para um modelo de transporte e energia mais limpa, significa mais geração de emprego, de renda, de impostos, do que esse modelo concentrado de geração de energia baseada em petroleiras.

Nessa próxima rodada rodada [de leilões] serão 17 empresas participando, duas brasileiras e o capital estrangeiro intenso que causa danos à suas matrizes de águas profundas ou da questão de mar. Nós estamos atraindo essa indústria “pujante”, mas suja, com uma tecnologia do século 19.

E a gente tem essa indústria fóssil que é uma das que incentiva a exploração irracional da Amazônia, porque a partir do momento que não tem a floresta, essa indústria também quer explorar aquela região.

Vocês começaram a ser barrados de ir a leilões no governo Temer, mas você vê uma piora em relação a essa política energética nesse novo governo?

Nós participamos dos leilões desde a era Lula. O modelo de energia pró-petróleo do Brasil não mudou. O dano em relação à sociedade civil e a tentativa da ANP e desses 4 governos em relação à indústria fóssil é basicamente o mesmo.

Seria loucura da minha cabeça dizer que há uma diferença muito grande desse governo para o governo da Dilma na questão do petróleo e gás.

O modelo vigente de leilões, licitações, concessões onerosas ou não pouco mudou. E o dano à sociedade houve ainda no governo Dilma. A ANP sempre quis limitar a participação da sociedade civil. Não é uma questão desse governo. Ou seja: é uma política pública de Estado impedir que a sociedade participe.

E aí nós temos que nos perguntar: Isso é democracia? E quando eu falo da sociedade civil eu não estou falando só de ONGs. Em vários dos leilões que fomos impedidos de entrar, tinha cooperativa agrícola, sindicato patronal de trabalhadores.

Por que a ANP não quer que esses agentes vão aos leilões?

Porque a ANP está cumprindo uma vontade da indústria fóssil que não quer ser exposta para a sociedade. Ela cria mecanismos de se vender como uma indústria limpa, uma indústria que desenvolve e que todos nós necessitamos. Essa indústria não quer exposição dos crimes ambientais que comete ao longo da sua história – quase todas as empresas respondem por processos no Brasil e no mundo por danos ambientais e por problemas sociais advindos das suas atividades. Isso vai contra a sua governança, causa um dano à sua imagem.

É como a situação da Vale. Você conhece algum brasileiro que confia na Vale e que diz que ela é limpinha, bonitinha e faz tudo certo? Não, você não vai encontrar isso.

A indústria teme hoje esse novo cidadão do século XXI, essa sociedade milenial preocupada com o desenvolvimento sustentável de verdade. É uma sociedade que não quer quer ver suas mãos sujas, nem suas decisões como consumidores.

Como você vê a forte presença do capital estrangeiro na exploração do pré-sal brasileiro?

As restrições ambientais, as exigências ambientais de muitos países para a exploração fóssil são significativas. Existe um marco regulatório efetivo e muitas indústrias não querem pagar esse preço. Quando você tem um vazamento de petróleo, ou danos ambientais severos em outras regiões, as multas são bilionárias e elas de fato são pagas e de fato são convertidas à recuperação do dano e aos danos colaterais para aquela sociedade, para aquele país.

Isso não acontece no nosso país. Então é mais barato, e mais fácil você explorar uma atividade de alto risco que sempre está atrelada à questão de acidentes e contaminação, onde você não tem efetivamente o rigor da fiscalização e o rigor ambiental.

A indústria estrangeira vêm pra cá com isso e aumento da participação de empresas internacionais já vem de muitos anos. O modelo de política pública desde a era Lula foi de abrir a exploração para outras empresas, tirando o monopólio da Petrobrás. O Estado brasileiro desde a era Dilma vem vendendo reserva, que é patrimônio de nós brasileiros, para gerar caixa para pagar a dívida, necessidades de caixa do governo.

Nesse atual governo o problema de caixa é uma realidade. Então o que se faz é vender o que temos, entregar todas as nossas reservas, por uma necessidade de caixa imediatista.

A questão é o seguinte: a indústria procura oportunidade a baixos preços, a baixos custos e com um carregamento de exigências menor.

Reprodução
Reprodução 350.org

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