Atalaia do Norte (AM) — Indígenas Kanamari fizeram uma homenagem na manhã desta terça-feira (21) na sede da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), em Atalaia do Norte (AM), ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista Dom Phillips, assassinados no domingo dia 5 de junho. Mulheres e homens entoaram o cântico kanamari que, cantado por Bruno durante uma pausa em uma expedição no Javari anos atrás, viralizou nas redes sociais na última semana.
“Nesse momento, meus parentes, não podemos mostrar aos nossos adversários, digamos assim, nossos inimigos, a nossa fraqueza. O que aconteceu com Bruno e Dom Phillips faz com que a gente fortaleça a nossa luta, a nossa reivindicação, para as futuras gerações. Hoje, nós estamos pelas futuras gerações, mas amanhã serão eles que lutarão por nós”, disse ao microfone o coordenador da Univaja, Paulo Marubo.
O líder indígena disse que uma nova fiscalização já está sendo programada para coibir a pesca clandestina na Terra Indígena Vale do Javari. “Já estamos organizando outra ação a ser feita. O que aconteceu com nosso amigo Bruno e Dom não vai nos intimidar. Nós não vamos ficar com medo. Porque nós nascemos para isso, para defender o nosso território.”
Paulo Marubo disse que se sentia “culpado” porque a Univaja convidou Bruno Pereira a auxiliar o trabalho de organização e atividade das equipes de vigilância indígenas. O convite partiu de lideranças marubos depois que Bruno deixou, sob pressão, a coordenação dos índios isolados e de recente contato da Funai, em Brasília. O indigenista tirou uma licença não remunerada em 2019 e passou a ajudar o projeto de fiscalização da Univaja.
“Eu me sinto, assim, tão pequeno diante dos problemas que nós estamos enfrentando. Até porque essas duas pessoas que fizeram sua parte, nos ajudando na luta para defender nosso território, vieram de longe, deixaram seus familiares, sua família, suas casas para vir para o Vale do Javari que não é perto de onde eles moram. Então as pessoas mostraram seu empenho, seu interesse, e também morreram no nosso lugar. Esses caras foram grandes defensores da nossa terra, do nosso território.”
“O espírito de Bruno está no coração de cada um de nós, isso também fortalece a nossa luta. Não vai intimidar a nossa luta, porque nós somos guerreiros. Eles [Bruno e Dom] nos ensinaram a lutar pelo nosso território em prol de nossos povos”, disse Paulo Marubo.
A liderança indígena Feliciana Kanamari disse que “o que aconteceu com nossos amigos no Vale do Javari só nos fez fortalecer para ficar unido, para dar continuidade na nossa luta”. “Nós queremos mais segurança no Vale do Javari, fortalecer mais as bases.”
Jader Marubo, ex-coordenador da Univaja, disse que conheceu Bruno dez anos atrás, quando o indigenista chegou a Atalaia do Norte para trabalhar na Funai. Marubo disse que o movimento indígena naquela época “estava em decadência, não tínhamos recursos”, mas Bruno assumiu a coordenação da Funai e “segurou a mão e disse, ‘vamos trabalhar juntos, porque temos que fortalecer primeiro o movimento indígena’”.
Marubo disse que “aprendemos muito com ele, ele tinha conhecimento da causa e para nós foi um choque” saber do desaparecimento na tarde do domingo, dia 5.
“Tem dois tipos de pessoas brancas. Tem o branco que não gosta de índio e tem o branco que tem espírito de índio, e o Bruno era um desses, tinha espírito de índio. Ele lutava pelos que não eram parentes de sangue ou de raça, mas ele lutava. […] Nós indígenas também vivemos esse provérbio, tem índio que tem espírito de branco, que está ajudando os outros invasores a fazer esses crimes ambientais dentro da nossa terra.”
“Não foi um índio que caiu, foi um branco. Mas esse cara era nosso companheiro de luta, era amigo dos povos indígenas”, disse Marubo. “O Bruno não foi o único ameaçado, temos várias pessoas ameaçadas aqui. Temos outros funcionários da Funai que estão em Atalaia, que estão na região, e que são ameaçados”, disse a liderança.
Elaida Kanamari, da aldeia São Luiz, chorou ao final do evento na sede da Univaja. “Eu conheci o Bruno na ‘boca’ do Curuçá. Eu tinha dois filhos para fazer o auxílio-maternidade e eu não tinha meus documentos completos. Aí ele me esperou aqui em Atalaia. Ele me ajudou a fazer o auxílio-maternidade, os dois. Meu filho não estava estudando, aí ele começou a estudar. […] Ele gostava muito de nós. Ele passava na aldeia um mês, 15 dias, muitas vezes.”