O Ministério da Educação (MEC) praticamente não se manifestou nas reuniões do Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19 (CCOP), criado pelo governo federal em março de 2020. O período de trabalhos do CCOP engloba a passagem de três ministros pela pasta: o bolsonarista Abraham Weintraub, o oficial da reserva da Marinha Carlos Decotelli e o pastor Milton Ribeiro. Poucas vezes os representantes do MEC enviados por eles se manifestaram nas reuniões do CCOP — isso quando não as boicotaram, sequer participando dos encontros.
É o que mostra a memória escrita das reuniões ocorridas entre 2020 e 2021, secreta até a sua obtenção, com exclusividade, pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI). As reuniões envolveram representantes de 26 órgãos da Esplanada, incluindo os principais ministérios, agências reguladoras, bancos públicos, a Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
A omissão do MEC de Bolsonaro fica latente já no primeiro ano de pandemia, em 2020, quando regularmente entidades representativas de governos estaduais e municipais pediam, via CCOP, por ações e posicionamentos do ministério, mas nada acontecia.
No encontro de 21 de agosto de 2020, por exemplo, é relatado que a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) pedia por uma norma federal para “esclarecer conceitos de aplicação [obrigatória] de recursos em manutenção e desenvolvimento do ensino”. O pedido foi reforçado quase um mês depois, em 11 de setembro de 2020, mas em ambas as reuniões o MEC não se manifestou sobre o tema.
O Brasil vivia então uma leve queda dos contágios após a primeira onda da Covid-19. Estados e municípios tinham dúvidas sobre como retomar as atividades escolares de forma segura, um tema discutido pela Secretaria de Governo (SEGOV) na companhia da Secretaria de Educação Básica do MEC, como nas reuniões do CCOP de 05 e 21 de outubro de 2020. Mas nada era sugerido ou encaminhado pela Educação no comitê. Pelo contrário: o então ministro Milton Ribeiro eximia o MEC de responsabilidade, dizendo que “a lei é clara: quem tem jurisdição sobre escolas é Estado e município”.
Manutenção do ENEM durante a crise de Manaus, silêncio do MEC
Meses antes de sua queda por causa de denúncia de suposto favorecimento a pastores no MEC, o também pastor e advogado Milton Ribeiro não parecia interessado em atenuar os efeitos da pandemia na vida dos estudantes. A realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2020, ocorrida em meio à grave crise sanitária da Covid-19 no Amazonas no início de 2021, exemplifica a ausência do MEC no combate à pandemia.
Na reunião do CCOP de 18 de janeiro de 2021, um dia após a aplicação da primeira parte da prova, sequer havia representante do MEC no encontro. Mas o ENEM foi pauta naquele dia: a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que trabalhava “com mais de 100 ações judiciais contrárias ao ENEM”, “obtendo êxito em todas as ações pela manutenção” do exame.
O tema voltou à pauta dias depois, na reunião do CCOP em 22 de janeiro, mais uma vez com a AGU informando que estava “obtendo êxito nas ações no sentido de manter as provas para o Exame Nacional do Ensino Médio nos estados, exceto no Amazonas que foi adiado para fevereiro”. Novamente, não havia a presença de representante do MEC no encontro.
Menos da metade dos inscritos fez a prova naquele mês – por causa, segundo o ministro Milton Ribeiro, “do medo da contaminação” e de “um trabalho de mídia contrário ao ENEM, isso é fato, e de uma maneira até meio injusta”. Mesmo assim, para Ribeiro, a aplicação da prova em salas lotadas e com alto nível de abstenção foi “um sucesso”. Vale lembrar que a edição seguinte do exame teve o menor número de inscritos desde 2005, sob críticas de elitização do ENEM por parte do governo Bolsonaro.
MEC planejava “reabertura gradual” em abril de 2020
As reuniões do CCOP mostram também que, ainda no início da pandemia, o MEC avaliou mal a verdadeira extensão do problema. Na 17ª reunião do comitê, em 08 de abril de 2020, o representante do ministério informou que trabalhava junto com o Ministério da Saúde na “elaboração de um painel para as escolas de ensino, visando a reabertura gradual” das escolas.
O MEC estava sob a chefia do bolsonarista Abraham Weintraub que, dias depois da sugestão de uma “reabertura gradual” no CCOP, minimizou o risco da Covid-19. “Provavelmente vão morrer muito menos do que 40 mil brasileiros de coronavírus”, disse Weintraub, que ainda afirmou que “as pessoas que pegam coronavírus são mais idosas”.
Mesmo após ser criticado por entidades do setor e por parlamentares, o ministro bolsonarista insistiu em menosprezar os possíveis danos por conta da Covid-19 em entrevista ao programa “Conversa com o ministro”, produzido pelo MEC que ele próprio chefiava, em 22 de abril de 2020.
Fato é que, conforme a crise escalou, a ideia de “reabertura gradual” das escolas não foi mais discutida pelo ministério nos encontros do CCOP. Até o fechamento deste texto, quase 698 mil pessoas morreram em decorrência da Covid no Brasil.
Esta reportagem integra uma série especial da Agência Pública iniciada na quarta-feira (8/2) a partir da obtenção das mais de 800 páginas de atas das reuniões do CCOP. Já mostramos que o Ministério da Defesa se empenhou na produção de cloroquina, comprovadamente ineficaz para o tratamento da doença; como o governo Bolsonaro se omitiu em relação à crise sanitária em Manaus; como a gestão realmente só se dedicou à proteção a indígenas e quilombolas após cobranças do Supremo Tribunal Federal, o conflito de interesse entre fabricantes de vermífugos sem eficácia para covid; que o governo chegou até mesmo a cogitar a criação de um dia para o tratamento precoce. Os senadores que comandaram a CPI da Pandemia em 2021 pedirão a reabertura de inquéritos arquivados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) com base nos documentos revelados pela Pública.
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