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Nestor Forster escreveu que “turba” de invasores criou “cenas chocantes de cerco e vandalismo”; Bolsonaro não condenou

Reportagem
9 de março de 2023
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

O Brasil foi o penúltimo país do mundo a reconhecer a vitória de Joe Biden como presidente nos Estados Unidos em 2020. Além de ter dado declarações de apoio a Donald Trump, o então presidente Jair Bolsonaro não condenou a invasão violenta ao congresso americano em 6 de janeiro, reforçando a narrativa do aliado sobre fraude eleitoral nos EUA. 

Novos documentos obtidos pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação revelam que o ex-presidente contrariou as informações que o governo vinha recebendo do embaixador brasileiro nos EUA, Nestor Forster.   

Além de enviar despachos quase diariamente demonstrando como a estratégia de reverter o resultado eleitoral não vingava e tinha pouco fundamento, Nestor Forster descreveu a invasão do Capitólio em termos fortes.  

Foster relatou em um despacho diplomático enviado em 7 de janeiro de 2021 que, “em ato sem precedentes na história moderna norte-americana, um grupo de manifestantes invadiu o Capitólio e forçou a suspensão temporária da sessão conjunta, mas falhou em sua intenção de impedir o exercício das funções constitucionais pelos parlamentares”. O embaixador relatou que o Congresso certificou a vitória do presidente Joe Biden e da vice Kamala Harris já na madrugada do dia seguinte à invasão. “mesmo após cenas chocantes de cerco e vandalismo do Capitólio”. 

Segundo o despacho diplomático, “a turba de manifestantes teve pouca dificuldade em penetrar surpreendentemente frágil esquema de segurança articulado no entorno do Capitólio”. Relatou ainda que o vice-presidente, congressistas e jornalistas tiveram que ser evacuados às pressas. 

“Pouco depois, arruaceiros já se encontravam na parte interna do edifício e invadiram os plenários das suas casas legislativas e escritórios dos parlamentares”, escreveu Nestor Forster. Naquela mesma tarde, o presidente americano, Donald Trump, dizia aos manifestantes: “nós amamos vocês”.  

Nestor Forster, principal representante diplomático brasileiro nos EUA é um homem branco de olhos claros, grisalho, usa óculos e na imagem fala ao microfone.
Nestor Forster, principal representante diplomático brasileiro nos EUA, criticou a invasão do Capitólio

Forster, por sua vez, relatou no despacho que parte dos manifestantes, que já estavam na capital desde o dia anterior, tinham demonstrado “intenção de gerar tumulto e desarranjo à ordem institucional” ao entrar em confronto com a polícia. Forster ainda foi preciso ao relatar, no documento diplomático, que havia milhares de manifestantes reunidos em frente à Casa Branca quando o presidente Donald Trump “voltou a alegar que sua vitória eleitoral teria sido “roubada” pela esquerda radical” e apelou para o vice-presidente Mike Pence não reconhecer os certificados que atestam o resultado eleitoral nos Estados. 

Trump “conclamou o grupo a dirigir-se então ao Capitólio, e a situação saiu do controle das autoridades policiais”, relatou Nestor Forster. A narrativa é condizente com a conclusão da CPI do Capitólio, que concluiu no ano passado que “as evidências levaram a uma conclusão absoluta e direta: a causa central de 6 de janeiro foi um homem, o ex-presidente Donald Trump, a quem muitos outros seguiram”.

Forster terminou seu despacho de maneira assertiva: “Toda a Guarda Nacional da cidade — bem como de outros estados – encontra-se mobilizada para evitar novos atos de violência ou iniciativa de subversão da ordem democrática. O presidente-eleito Joe Biden será empossado no dia 21/2, ao meio-dia”.

Porém, enquanto o principal representante diplomático brasileiro nos EUA criticava o ocorrido, Jair Bolsonaro apoiava a versão do seu aliado. Em entrevista na manhã do dia 7 de Janeiro, ele disse que o problema naquele país foi a “falta de confiança no voto”. E ainda espalhou fake news sobre as supostas fraudes eleitorais. “Então lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por causa da tal da pandemia e houve gente que votou três, quatro vezes, mortos votaram”, disse Bolsonaro

O então presidente ainda ameaçou que o mesmo poderia ocorrer no Brasil. “Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”. De fato, em 8 de janeiro de 2023, após uma intensa campanha de desinformação sobre fraudes inexistentes nas urnas brasileiras, apoiadores de Bolsonaro invadiram a Esplanada pedindo um golpe de Estado. 

Invasão ao Capitólio, na imagem a maioria das pessoas carrega bandeira dos Estados Unidos e também utilizam bonés do ex-presidente americano Donald Trump.
Jair Bolsonaro apoiava a versão de seu aliado Donald Trump de que as eleições haviam sido fraudadas

Embaixador enviou avisos repetidos sobre campanha de Trump contra as eleições

Os telegramas obtidos pela Pública demonstram que o embaixador brasileiro acompanhou e enviou informes detalhados sobre os principais desdobramentos da campanha de reversão do resultado eleitoral capitaneado por Donald Trump a partir das eleições de 2020. Forster avisou algumas vezes, entretanto, que os advogados de Trump não conseguiram comprovar fraudes que pudessem de fato reverter o resultado da eleição.  

Em um despacho diplomático em 6/11 ele repete relatos sobre tráfico de cédulas eleitorais, restrição de acesso de observadores a locais de contagem de votos e cédulas supostamente preenchidas de modo indevido por mesários, mas conclui: “Todas, no entanto, parecem ter escopo demasiadamente reduzido, até o momento, pata alterar o curso dos resultados”. “Caberá observar denuncias adicionais que serão levadas às cortes pela campanha do presidente”. 

Em 10 de novembro, Nestor Forster noticiou que “o grande volume de denúncias a respeito de irregularidades nas eleições circulado nas redes sociais ainda não se materializaram em iniciativas jurídicas de alto impacto”. Diz ele: “Não houve, até o momento, ações judiciais com potencial para alterar o resultado em qualquer dos estados mais disputados”. 

Forster, observador arguto, explicou ainda ao governo brasileiro que a estratégia adotada pela campanha de Trump não era “promover a anulação dos votos em número e em estados suficientes” para reverter o resultado através da Justiça. 

Segundo ele, o foco das ações eram“evitar ou atrasar a certificação de resultados eleitorais pelos governos estaduais (…) a fim de prolongar o processo eleitoral e, possivelmente, buscar abrir algum espaço de legitimidade para ações adicionais de natureza política (como por exemplo, a aprovação de resultados eleitorais alternativos pelos legislativos estaduais)”, escreveu. 

No dia primeiro de dezembro, Nestor enviou um despacho reproduzindo a fala do procurador-geral William Barr, afirmando que “até o momento, nós não encontramos fraude em uma escala que pudesse ter produzido um resultado diferente na eleição”. 

Mesmo assim, o Brasil levaria mais duas semanas para reconhecer a derrota de Donald Trump, o que só foi feito em 15 de dezembro daquele ano, poucas horas depois de Vladimir Putin, presidente da Rússia, e antes de Kim Jong-il, da Coreia do Norte. Antes disso, Bolsonaro havia dito à imprensa que preferia esperar porque tinha “fontes próprias” que garantiam que “realmente havia muita fraude ali”.

Esta reportagem pertence ao especial Caixa-Preta do Bolsonaro – viabilizado graças ao apoio de milhares de leitores – que revela os potenciais crimes e abusos cometidos pelo governo Bolsonaro que ficaram escondidos por trás de sigilos, negativas e outras táticas de sonegação de informação. A cobertura completa está no site do projeto.

Geraldo Magela/Agência Senado
Tyler Merbler/Wikimedia Commons

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