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Ex-diretor da Odebrecht é responsável por contrato milionário para preenchimento das minas de sal-gema

Reportagem
8 de dezembro de 2023
15:00

Ex-diretor da Odebrecht na Colômbia indiciado por corrupção em agosto deste ano, é o responsável pela gestão do contrato milionário, firmado entre a Braskem e a MTSul Construções, para o fornecimento de areia para preencher as minas de sal-gema, que têm provocado o afundamento do solo em Maceió. 

O engenheiro civil Eleuberto Martorelli trabalhou durante 22 anos, de 1997 a 2019, na Odebrecht – atual Novonor, que é a controladora da Braskem – e agora presta os serviços indiretamente para a ex-empregadora por meio da terceirizada. 

A Agência Pública teve acesso exclusivo ao contrato, no valor estimado de R$62,9 milhões, firmado entre a mineradora e a MTSul Construções em junho de 2022, com vigência até dezembro de 2024. 

De acordo com o documento, a empresa foi contratada para fornecer em 18 meses, um volume de areia de até 550 mil metros cúbicos. A mina 18 que está em risco de colapso, possui 116 mil metros cúbicos, segundo a prefeitura da capital alagoana. “O material será fornecido por demanda, não havendo obrigatoriedade do consumo no valor global do contrato”, diz o acordo.

Contrato firmado entre a Braskem e a MTSul Construções em junho de 2022 tem vigência até dezembro de 2024

Martorelli é o procurador da MTSul e gestor do contrato com a Braskem, conforme o documento. Ele foi diretor da Odebrecht na Colômbia de 2013 a 2017 e em agosto deste ano foi indiciado por corrupção pelo Ministério Público no país, numa investigação iniciada a partir dos desdobramentos da Operação Lava Jato no Brasil.

O engenheiro chegou a admitir em sua delação à Justiça colombiana em 2017, que pagou propina a políticos e servidores públicos, e que as campanhas do então presidente Juan Manuel Santos, e de seu opositor, o ex-candidato derrotado Óscar Iván Zuluaga, receberam dinheiro da Odebrecht por meio de caixa dois. 

“Paguei (a Santos), em março de 2014, US$ 500 mil e, depois, com a conclusão dos serviços (da pesquisa de opinião) em abril, paguei outros US$ 500 mil”, afirmou Martorelli, referindo-se aos pagamentos ilegais realizados por meio do departamento da Odebrecht destinado à gestão e distribuição da propina. 

O atual representante da MTSul Construções publicou em seu Linkedin que trabalha na empresa mato-grossense desde 2021. Ele registrou na rede que é o responsável pela abertura do mercado da empreiteira no Nordeste e por ter conquistado os contratos junto à Braskem.

Questionada pela Pública sobre os critérios na escolha de suas terceirizadas, a Braskem informou que “possui um sistema de conformidade onde avalia a integridade dos parceiros com os quais se relaciona”. “Os processos de contratação obedecem diretrizes empresariais rigorosas e são conduzidos exclusivamente pela companhia, sem qualquer participação do município de Maceió no processo”, destacou a mineradora em nota. A reportagem tentou contato com a MTSul, com o presidente da empresa Márcio Bozetti e com Eleuberto Martinelli, mas não obteve retorno. 

Conforme apurou a Pública junto a fontes em Maceió próximas ao caso, Martorelli teria levado para trabalhar na MTSul em Alagoas outro nome que ficou famoso no escândalo da Lava Jato, o também ex-servidor da Odebrecht Carlos Berardo Zaeyen. 

Em depoimento à Polícia Federal, Zaeyen apontou suspeitas de fraude na Construção da Cidade Administrativa, durante o governo do hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB). O caso acabou arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após as provas da Odebrecht terem sido consideradas inválidas. 

Conforme informações do site do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (CREA/AL), a MTSul solicitou em outubro de 2022, a inclusão de Zaeyen como responsável técnico em uma obra da empresa no município de Arapiraca, a 220 quilômetros de Maceió. 

Obras de mobilidade urbana 

Além do fornecimento de areia para preencher as minas e evitar a movimentação de terra, a MTSul foi contratada pela Braskem para executar outras duas obras de mobilidade previstas no acordo socioambiental firmado entre a mineradora, os Ministérios Públicos Federal, Estadual e a prefeitura de Maceió: a terraplanagem da encosta do bairro Mutange – o mais atingido pela extração de sal-gema – e a ampliação da Avenida Durval de Góes Monteiro, uma das principais vias da cidade. 

Por meio do acordo Socioambiental, a Braskem se comprometeu a “adotar as medidas necessárias à estabilização e ao monitoramento da subsidência decorrente da extração de sal-gema”; “reparar, mitigar ou compensar potenciais impactos e danos ambientais decorrentes da extração de sal-gema” e “reparar, mitigar ou compensar potenciais impactos e danos socio urbanísticos decorrentes da extração de sal- gema, entendidos como os impactos nas áreas desocupadas, na mobilidade urbana e os impactos sociais”. De acordo com termo firmado, as ações de mobilidade urbana custarão à mineradora R$360 milhões. 

Desde 2019, a operação da mineradora na cidade está suspensa, diante dos riscos dos tremores que começaram a ser registrados no ano anterior, após décadas de exploração. Ao menos quatro bairros foram afetados, de onde mais de 60 mil pessoas foram removidas. 

Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores. 

Do Mato Grosso para Alagoas 

A MTSul Construções, responsável pelo fornecimento da areia para o preenchimento das minas, dentre as outras obras de reparação citadas acima, está sendo investigada pelo Ministério Público Federal, por crimes contra o meio ambiente, o ordenamento urbano e o patrimônio cultural. Procurada, a assessoria de comunicação do MPF informou à reportagem que não pode dar mais detalhes sobre a apuração “para não prejudicar as investigações”. 

A MTSul Construções foi fundada por Antoninho Bozetti, em 2005. A empresa tem sede em Cuiabá, onde divide o mercado com a empreiteira Agrimat Engenharia, que pertenceu ao sogro do prefeito de Maceió, Mário Roberto Candia Figueiredo até este ano. Em 2021, por exemplo, as duas empreiteiras venceram, com outras duas empresas, a licitação da prefeitura de Várzea Grande, região metropolitana da capital, para recuperação de vias.

Em vídeo da empresa publicado no Youtube, Sr Antoninho conta que trabalhou na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e na Usina de Santo Antônio e Jirau

Questionada se houve influência do prefeito João Henrique Caldas na indicação da MTSul junto à mineradora, a prefeitura respondeu que “cabe exclusivamente à Braskem a escolha de prestadores de serviços e fornecedores”, o que foi reforçado pela mineradora. A prefeitura também informou que as obras “são de responsabilidade da Braskem, executadas com recursos privados e estão sob supervisão dos órgãos de controle pactuantes do acordo socioambiental”. 

Atualmente, a MTSul é administrada pelos filhos de Antoninho, Marcos Antonio, Márcio, Marcelo e Mileni Bozetti. A empresa faz parte de uma holding, a MB Participações S/A, que também tem braços nos setores de mineração e agropecuária. 

Em vídeo corporativo da empresa publicado no Youtube sobre a história do Sr Antoninho e família, eles contam que trabalharam na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e na Usina de Santo Antônio e Jirau, numa época em que a empresa alugava maquinário para grandes construtores. Dentre as responsáveis do consórcio responsável por estas obras no Pará e Rondônia, respectivamente, estava a Odebrecht.  

Braskem será alvo de CPI no Senado

Está prevista para semana que vem a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que irá investigar a atuação da Braskem em Maceió. Segundo o senador Renan Calheiros (MDB/AL), autor do pedido, sete dos 11 participantes já foram indicados. “A perspectiva agora é de que tenhamos a instalação na terça ou quarta-feira”, destacou, acrescentando que as primeiras reuniões públicas serão realizadas em fevereiro, no retorno do recesso parlamentar. Para o senador, a CPI deve começar ouvindo as vítimas. A Braskem também é alvo de um inquérito da Polícia Federal, desde 2019. 

O afundamento de bairros em Maceió, causado pela exploração de sal-gema da Braskem, é considerado o maior desastre ambiental urbano do mundo. A prefeitura de Maceió decretou estado de emergência em primeiro de dezembro, depois que o afundamento do solo acelerou aumentando o risco de colapso da mina 18. Por causa disso, a Braskem foi multada em R$ 72 milhões pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas. 

O portal Uol revelou na última quarta-feira (6), que esse campo de exploração da cava, além de outras 10 minas de sal-gema, do total de 35, não tiveram o processo de fechamento concluído, conforme previa o acordo firmado entre a Braskem e a Agência Nacional de Mineração (ANM), ainda em 2019.   

Segundo a Braskem, das 35 cavidades, 9 receberam recomendação de preenchimento com areia. “Destas, 5 tiveram o preenchimento concluído em outras 2 os trabalhos estão em andamento e uma já está pressurizada, indicando não ser mais necessário o preenchimento”, informou. “As atividades preparatórias para preenchimento da cavidade 18 estavam em andamento e foram suspensas preventivamente devido à movimentação atípica no solo”, acrescentou.   

Ainda de acordo com a mineradora, a conclusão dos trabalhos está prevista para 2025. “Todo o trabalho segue prazos pactuados no âmbito do plano de fechamento, que é regularmente reavaliado com a ANM”, defendeu. 

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