O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), pediu ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), “prioridade” para a tramitação de um projeto de lei bolsonarista que busca instituir a lei orgânica unificada para as polícias militares e corpo de bombeiros, o PL 3045/2022.
O projeto tem sido criticado por especialistas — como relatado pela Agência Pública — por dar poder de fiscalização ambiental aos policiais militares, conforme proposto por Jair Bolsonaro (PL) quando ainda era deputado federal, e limitar em no máximo 20% a entrada de mulheres em vagas na corporação. Além disso, a proposta abre brecha para acabar com as Secretarias de Segurança nos estados nos moldes do que ocorreu no Rio de Janeiro durante o governo de Wilson Witzel (PMB), então aliado de Bolsonaro.
Reportagem da Pública mostrou que o atual governo não estaria disposto a se movimentar para barrar a tramitação da proposta, como um aceno aos militares, que em sua maioria integram a base de apoio de Bolsonaro. Por esse motivo, a ordem era que o PL tramitasse no Senado “sem alarde”. Apesar das críticas, o projeto também traz pontos considerados por representantes da sociedade civil como positivos, como a garantia de equipamentos de proteção individual (EPIs) para todos os policiais e a necessidade de que o comandante-geral siga critérios objetivos para distribuir o efetivo policial.
No início de setembro, no entanto, organizações da sociedade civil de direitos humanos e segurança pública enviaram uma carta cobrando um posicionamento mais enérgico do governo federal. O documento foi entregue a representantes do MJSP e encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Além de dar o carimbo de um governo popular a uma legislação autoritária, o projeto atual supera os retrocessos anteriores”, diz o documento, que conta com mais de 500 assinaturas. “O PL 3045 aprofunda os poderes das polícias militares, incorpora a legislação militarista de 1967/69 e amplia a incidência das Forças Armadas”, acrescentam as entidades na carta.
O ofício de Dino, endereçado a Pacheco, mostra que o ministério o considera prioritário. No documento acessado pela Pública, o ministro da Justiça pede “apoio para a tramitação” das propostas ali elencadas, já que seriam “relevantes para o cumprimento da Missão Institucional” do Ministério. O documento passou a circular depois da última segunda-feira (2), quando o MJSP lançou o Plano de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc). Dessa forma, o Ministério insere o PL como parte da execução do plano.
Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz, considera que o governo tem entendido o projeto como “uma oportunidade de acenar e de se aproximar do campo policial”. Ela ressalta que é importante que seja criada uma lei orgânica para as polícias, já que se trataria de uma “oportunidade do Brasil discutir o que se espera de uma polícia”, mas aponta que tem faltado participação popular na tramitação do projeto. “De fato, do jeito que a lei está, ela está sendo aprovada com pouco debate com a sociedade civil”, finaliza.
Além do PL bolsonarista, Dino também pediu “prioridade” para outras seis proposições, entre elas a que estabelece pensão especial vitalícia a Maria Fabiana dos Santos, viúva de Genivaldo de Jesus Santos, morto pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no estado de Sergipe. Proposições sobre segurança digital de crianças e adolescentes e tipificação de delitos digitais também foram citadas.
Decisões pendentes
Atualmente, o PL 3045/2022 aguarda avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, onde está sob relatoria do senador petista Fabiano Contarato (PT-ES). O projeto, cujo texto inicial data de 2001, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado e já passou pela Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado. Na sessão de desta quarta-feira (4) da CCJ, Contarato afirmou que fará uma audiência pública para discutir o assunto.
Além do projeto sobre as polícias militares e os bombeiros, existe ainda outro similar, que busca instituir a lei orgânica nacional das polícias civis. Também relatado por Contarato, que deu um parecer favorável, o PL 4.503/2023 foi aprovado pela CCJ em regime de urgência nesta quarta e está pronto para ser votado no plenário do Senado Federal. Carolina Ricardo critica, assim como no projeto sobre a PM, a falta de debate em torno do texto. “Não inova muito, não faz uma discussão profunda do modelo de polícia que a gente quer”, aponta.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.