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A dor das mulheres não vale nada no país de Arthur Lira

Direitos de meninas e mulheres vítimas de estupro viram moeda de troca política no Congresso

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14 de junho de 2024
12:00
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Marina Amaral

14 de junho de 2024 · Direitos de meninas e mulheres vítimas de estupro viram moeda de troca política no Congresso

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A trama foi urdida com eficência e nem sequer teve destaque no noticiário até a véspera da aprovação, na quarta-feira (12), da tramitação em regime de urgência do projeto de lei (PL) que equipara ao homicídio o aborto após 22 semanas de gestação.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, nem disse o que estava sendo votado, limitando-se a perguntar se haveria “orientação de bancada pelo acordo feito”. PCdoB, PSOL e PT registraram voto contrário, mas ninguém pediu a votação nominal, que obrigaria os parlamentares ao escrutínio público. 

Em 24 segundos, o PL que pune, como assassinas, as vítimas do crime hediondo do estupro, as grávidas em risco de morrer, ou sem chance de dar à luz um bebê capaz de sobreviver foi aprovado em votação simbólica. Uma saída covarde para contemplar acordos políticos ou apenas se livrar da pecha de “abortista” nas redes sociais, movidas pelo ódio, em ano eleitoral. 

Nem a campanha “Criança não é Mãe”, puxada pelos coletivos feministas e abraçada por mulheres dos mais variados setores da sociedade, abalou o cinismo parlamentar. Não importa que, em um ano, mais de 17 mil meninas menores de 14 anos se tornem mães no Brasil, idade em que a legislação considera relações sexuais como estupro de vulnerável.

Em um país em que o machismo é regra (até o presidente da Câmara já foi acusado de violência doméstica por sua ex-esposa) e os direitos das mulheres são satanizados por militantes religiosos e explorados politicamente pela direita, o debate foi sumariamente suprimido. 

Exatamente o que queriam os padres, pastores, deputadas e deputados de extrema direita que se autodenominam “pró-vida” e se uniram ao Conselho Federal de Medicina (CFM) em uma estratégia tão perversa quanto o projeto de lei que pretendem aprovar. 

O primeiro lance foi uma resolução travestida de ciência emitida em 24 de março pelo CFM, o mesmo que durante a pandemia liberou os médicos para engabelar os pacientes com um tratamento sem eficácia de agrado do então presidente da República. 

Com ela, vetou-se a assistolia fetal, o procedimento mais seguro segundo a Organização Mundial de Saúde, e mais usado para interromper gestações acima de 22 semanas. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, entendeu que o CFM estava extrapolando sua atuação ao alterar a legislação e barrou a iniciativa no dia 17 de maio. No mesmo dia, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) protocolou o PL 1.904/24.

Na prática, o PL extingue um direito legalmente garantido há quase cem anos para mulheres vítimas de violência ou com a vida em risco que enfrentam lentas e dolorosas batalhas para interromper legalmente a gravidez, como revelam as reportagens da Agência Pública desde 2014.

Dez anos depois, uma nova matéria sobre o tema, mostrou o agravamento da situação, com a suspensão do atendimento pela prefeitura de São Paulo no único hospital da capital paulista que atendia ao aborto legal com idade gestacional acima de 20 semanas. 

Boa parte dessas dificuldades é causada exatamente por esses grupos extremistas, que a pretexto de defenderem a vida dos não nascidos intimidam profissionais de saúde e revitimizam mulheres e meninas traumatizadas pelo estupro quando procuram as poucas unidades de saúde que oferecem o atendimento previsto por lei. 

Também impulsiona outra estratégia desses grupos revelada por nossas repórteres: pressionar a vítima, sobretudo as crianças, retardando o procedimento até que ele se torne ainda mais complicado, quando então apelam para a teoria do “feto viável”, que orienta o novo PL. 

Lembram da frase infame da juíza de Santa Catarina que manteve uma menina de 11 anos, grávida de estupro, em um abrigo para forçá-la a abdicar de seu direito legal: “Não dá para suportar mais um pouquinho?”. 

O mesmo estratagema foi usado pelo Conselho Tutelar (!!!) do Pará no caso de uma adolescente de 17 anos, grávida do estupro de seu próprio pai, como revelou outra reportagem da Pública no ano passado. 

Outros recursos igualmente antiéticos já foram desmascarados por nossas repórteres, como a criação de centros com recursos de emendas parlamentares (ou seja, dinheiro público) que supostamente atendem mulheres vulnerabilizadas que querem abortar para forçá-las a desistir mediante promessas e falsas informações sobre o aborto.  

A imprensa tem um papel relevante a desempenhar, desnudando o lobby dos grupos extremistas e divulgando as informações corretas sobre procedimentos de saúde, leis e direitos. Só assim pode impedir que os parlamentares se escondam por trás de decisões pseudocientíficas e que as unidades de saúde públicas se neguem a prestar o atendimento a que são obrigadas por lei. 

Não adianta evitar o assunto “polêmico” e na última hora transbordar de indignação. Aborto é questão de saúde e de direitos das mulheres, não de opinião. A imprensa tem de perder o medo de tomar a frente e municiar o debate público com informação de qualidade

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