Ele não deixa dúvidas de que seu foco é a bola. Ademir da Guia, descrito no site oficial do Palmeiras como “o maior nome que envergou as cores alviverdes”, acha que o que importa na Copa do Mundo é o jogo jogado: “Acho que tem que trazer mais um título. Isso é o mais importante, porque para você falar de estrutura, de melhorar educação, isso não vai existir. Nós temos que pensar no futebol e é importante realmente fazer uma Copa em que a gente chegue na final”, diz. E mantém o tom durante toda a conversa: incitado a colocar na balança os resultados dentro e fora de campo, o craque escolheu o espaço demarcado pelas quatro linhas. Ao falar dos preparativos para a Copa no Brasil, o discurso beira o oficial: “Tudo está de acordo. Todo país atrasou, o Brasil também vai atrasar, mas quando chegar o momento vai estar tudo pronto. Acho até normal”, diz.
Ademir lamenta o “futebol feio” jogado no Brasil e pela seleção atualmente. Também pudera. Meia de extrema classe e habilidade, oriundo de um verdadeiro clã do futebol brasileiro que inclui Domingos da Guia, lendário zagueiro da primeira metade do século XX, e Ladislau da Guia, maior artilheiro da história do Bangu(RJ), o “Divino”, como ficou conhecido, era um camisa 10 cerebral, inteligente, que pensava o jogo. Também defendeu o Bangu, como Domingos e Ladislau, mas foi no Palmeiras que se consagrou em 16 anos seguidos com a camisa do time, que lhe valeram vários títulos importantes e o título de terceiro maior artilheiro da história do clube. Seu futebol foi cantado em verso, por João Cabral de Melo Neto, que batizou com seu nome o poema inspirado no ex-atleta. Em um trecho, o poeta pernambucano fala do estilo de Ademir que imprimia ao jogo um “ritmo morno, de andar na areia, de água doente de alagados, entorpecendo e então atando o mais irrequieto adversário.”
Na entrevista, o futuro candidato a vereador em São Paulo pelo PR (Partido da República), tentou “entorpecer e atar” o entrevistador quando questionado sobre sua atuação pelo esporte no Legislativo paulistano, respondendo vagamente ou mudando de assunto. Chegou até a ameaçar a encerrar a entrevista.
Em quatro anos de vida pública, (Ademir da Guia foi eleito vereador da cidade de São Paulo em 2004 pelo PCdoB, ficou nove meses sob a legenda deste partido e depois filiou-se ao PR, de orientação quase oposta ao primeiro), entre 2004 e 2008, o ex-atleta apresentou, como autor ou coautor, 77 projetos de lei. Destes, apenas seis projetos estão relacionados ao esporte: um pretendia instituir um centro de apoio a atletas veteranos, mas foi rejeitado; outro, aprovado, definiu o dia 3 de abril como o Dia do Atleta Master; um terceiro, assinado em conjunto com os então vereadores Aurélio Miguel e Paulo Firilo, pretendia instituir um incentivo municipal ao estudante esportista, mas foi rejeitado; o quarto, também rejeitado, pretendia a criação de um centro de apoio e integração entre torcedores paulistanos; o penúltimo pretendia denominar o Centro Olímpico de São Paulo de Centro Olímpico “Eli Coimbra”; por fim, o último projeto desta lista pretendia a “isenção de cobrança pela CET dos custos operacionais de serviços prestados para eventos esportivos”, mas também foi vetado.
O que você está achando do Brasil receber a Copa do Mundo?
Ah, eu acho bom. Acho que é bom inclusive para o nosso país, e para as cidades que agora vão deixar os estádios mais modernos.
Mas você acha que o Brasil está se preparando da maneira adequada para receber a Copa do Mundo? Há alguma coisa, algum tipo de investimento que vem sendo deixado de lado nessa preparação?
Olha, eu acho que todo país atrasa. Acredito que quando chegar na época, ou faltando um pouquinho, nós já vamos estar com tudo modernizado, com tudo pronto. Acho que todos os países tiveram dificuldades e o Brasil vai ter essa dificuldade e vai fazer uma Copa, na minha opinião, muito bonita. Tudo está de acordo. Todo país atrasou, o Brasil também vai atrasar, mas quando chegar o momento vai estar tudo pronto. Acho até normal. Nenhum país está em condição de fazer tudo como alguns países da Europa. Acho que se a África fez, o Brasil vai fazer também.
Qual o legado que você espera da Copa do Mundo? O que você espera que o evento traga para o Brasil?
Acho que tem que trazer mais um título. Isso aí é o mais importante, porque para você falar de estrutura, de melhorar educação, isso aí não vai existir. Nós temos que realmente pensar no futebol e é importante fazer uma Copa em que a gente chegue na final. É importante ganhar, porque segundo lugar aqui não é o que a gente deseja. É importante a gente ter uma equipe forte. A gente até está vendo agora, por exemplo, nas Olimpíadas, que a equipe está indo bem, está ganhando (até o fechamento desta entrevista, a Seleção Olímpica do Brasil estava na disputa das semifinais da competição, diante da Coreia do Sul). Acho que nós temos que pensar no futebol.
Você acredita na possibilidade de um legado mais estrutural para o futebol brasileiro, que vá além dos estádios, como melhorias na formação de atletas e nas condições de trabalho da maioria dos atletas, por exemplo?
Ah, eu acho difícil. Acho que aqui, por exemplo, o espaço onde antigamente existia o futebol de várzea hoje não existe mais, existe muito pouco. Então eu não vejo realmente uma preocupação com esse tipo de coisa. Acho que é tudo ainda muito precário, mas eu não posso falar do futuro, né? O futuro a gente nunca sabe.
E dentro de campo, vivemos uma crise técnica no futebol brasileiro?
Olha, você tem que fazer uma comparação. Você quer comparar o futebol brasileiro hoje com o quê, para falar de uma crise técnica?
Com o que ele já foi em outros tempos, por exemplo…
Vamos falar do passado então. Vamos falar do Santos e das grandes equipes que jogavam com cinco atacantes, dois pontas, um volante, com jogadores técnicos, craques. Não existe uma crise, existe uma mudança. Os técnicos entenderam que tinham que tirar os pontas, deixar um atacante, jogar com três volantes, defender mais… Então isso resultou realmente num futebol mais feio, sem craques. É uma maneira de se jogar e os técnicos entenderam que seria aconselhável se defender mais, entendeu? Essa mudança realmente existiu e a gente vê que o futebol realmente ficou bem mais feio, né.
A Seleção Brasileira deixou de ser a principal seleção do mundo?
Hoje, o Brasil joga igual aos outros, né? Antigamente, as outras equipes procuravam mudar, ver o futebol brasileiro e jogar igual. A gente joga hoje como jogam os outros: defendendo, muita bola alçada… Antigamente a gente via no futebol inglês, no futebol alemão, muitos gols de cabeça. Hoje nós também estamos fazendo muito isso aí e estamos procurando a maneira de jogar do futebol europeu. Estamos mudando totalmente a nossa maneira de jogar, o nosso estilo.
E isso te agrada?
Olha, a gente tem que seguir para onde vai o barco. Não pode ficar: “Eu não quero desse jeito”. Não tem como. Futebol é assim, futebol moderno é isso. O Palmeiras, por exemplo: Quantos gols o Palmeiras faz em cobranças de falta do Marcos Assunção (volante do clube)? Um monte de gols. Ele lança lá e os zagueiros fazem os gols. A gente tem que entender que o futebol moderno é dessa maneira. Antigamente nós tínhamos pontas que iam lá no fundo e cruzavam para trás, hoje não temos mais. Então é tudo mais moderno, mas, no conjunto, o futebol ficou mais pobre realmente.
Dentro de campo, a Copa de 2014 pode ter semelhança com a de 1974 pelo fato de o Brasil estar em um período de entressafra após uma geração vitoriosa e outras seleções, como a Espanha, estarem em um melhor momento técnico? Você está otimista com a Seleção?
Em 1974, a Holanda surgiu muito forte. Agora, nós temos visto a Espanha com um futebol diferente e ganhando. Mas eu entendo que nós temos jogadores que estão surgindo que também vão ser diferenciados, se a gente conseguir mantê-los na Seleção. Nós temos jogadores que podem ser a sensação dessa Copa. Estou otimista com a Seleção, com as coisas que vão surgir, acho que você modernizar os estádios, vai ser muito bom. Você poder chegar com o seu carro e não estacionar mais na rua, deixar lá dentro do estádio. Toda essa modernização vai ser muito boa pra gente que gosta de futebol. Agora: ganhar, todos querem ganhar, né? Acho que vai depender muito de como essa Seleção vai pegar esse entrosamento, como os jogadores vão estar. Futebol é assim. Mas eu acho que nós temos tudo sim para chegar à final e para jogar bem.
Você teve uma passagem como vereador em São Paulo, em 2004, quando se elegeu pelo PCdoB. É difícil militar pela causa do esporte no Legislativo?
Depende muito de quem está comandando. Dependendo do governo, do prefeito, do presidente, eu acho que todos eles apoiam sim o esporte, gostam do esporte e vão apoiar. Agora, a gente não sabe se é um pouco mais, um pouco menos… E o esporte é uma coisa que tira crianças da rua e é importante a gente estar ajudando, né?
Durante o seu mandato, você acha que houve disposição do Executivo e Legislativo em dar voz a projetos relacionados ao esporte?
Eu fui vereador em 2004. Agora nós já estamos pensando em uma Copa do Mundo. É outra maneira de ver. É diferente. Nós não temos que pensar que não vai acontecer, que não vai ajudar…
Mas a minha pergunta foi: é fácil ou difícil lutar pelo esporte no Legislativo?
Nada é fácil na vida. Isso aí, você vai falar: “ah, é fácil você jogar bem, ser titular de um time”. Tudo é difícil. Até você falar comigo hoje foi difícil.
Mas de uma maneira geral, você acha que…
(Interrompendo) É o que eu estou falando. Eu estou dizendo a você que não tem nada fácil. Quero que você entenda isso. Se você insistir num ponto, aí eu também vou ficar difícil. É o que eu estou falando para você: você queria fazer uma entrevista, tá bom assim, tá beleza? (Antes da resposta). Não, eu estou querendo saber se está bom assim. Terminei, tá bom?
Tenho mais perguntas.
Então só não me faça repetir as coisas.
Não estou fazendo. Seguindo: a Copa de 2014 te dá mais esperanças dentro de campo ou fora de campo, com o legado a ser deixado após o evento?
Acho que a Copa vai modernizar bastantes coisas aqui para a gente, tanto no norte como no sul. Dentro de campo, a gente acredita que o nosso futebol é o melhor ainda, ou foi o melhor, ou está entre os melhores. Então, eu acredito realmente que nós vamos fazer uma Copa bonita. Se outros países fizeram, acredito que a gente vai ter a nossa Jabulani, todas essas coisas aí…
O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.