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Entrevista

“A poluição do rio não é negociável”

À frente da ação civil pública contra a Vale, o procurador Ubiratan Cazetta (MPF-PA) diz que indenizar os índios pela exploração minerária não exime a companhia de arcar com os impactos socioambientais de seus projetos

Entrevista
7 de dezembro de 2017
12:08
Este artigo tem mais de 6 ano

A Mineração Onça Puma opera com a retirada e o beneficiamento de níquel. Os danos aos Xikrin estão mais vinculados a alguma das duas atividades?

São duas plantas diferentes. Tem a mina, a extração de níquel nas serras. Depois o minério é levado para a planta, em uma área mais urbana. A mina é mais próxima do rio e da comunidade indígena, uns três quilômetros. A planta industrial também não está muito longe. Os afluentes que levam ao rio Cateté ficam numa posição em que o desaguador natural vindo da mina é o rio, qualquer problema cai para o rio.

O MPF conseguiu comprovar que a mineradora está contaminando o rio?

A discussão é sobre o que está acontecendo com o rio Cateté. Esse rio marca o limite da área, dá nome à Terra Indígena, e o que os índios reclamam é que há uma perda muito grande de qualidade. Há alguns anos dizem que não há mais peixe, que não conseguem mais pescar, têm que ir em outro igarapé. Quando entram para nadar, sentem muita coceira, ficam o tempo todo se coçando, com os olhos vermelhos. Tem muita reclamação mesmo. Então tem um aspecto que é qual o impacto da mineração nessas mudanças.

Não é possível ainda afirmar a responsabilidade direta da Vale então?

A Vale tem uma perícia muito complexa que aponta que todos os níveis [de qualidade da água] estão piores antes da planta do que depois. Uma das dúvidas que temos é se os parâmetros que estão sendo avaliados são os que deveriam ser avaliados. A contaminação pode ser de garimpo ilegal na região: a Vale diz isso, mas nunca aponta exatamente onde esse garimpo está. Outra possibilidade que dizem é que as fazendas que estão na cabeceira do rio poderiam ser a causa da contaminação. O que também não é errado: as nascentes do rio estão em áreas degradadas, há fazendas do Incra, áreas particulares. O que temos de certeza é que o rio perdeu qualidade. E as medições de metais pesados coincidem com a localização de Onça Puma, não é tiro no escuro.

Por que o MPF pede recursos financeiros da Vale para os indígenas?

Além da discussão sobre o que está acontecendo com o rio, há outros dois pontos: a exploração minerária e a relação da Vale com os índios. Os Xikrin já são impactados por outras operações da mineradora, e a relação entre ambos é muito anterior a este caso. Eles já recebem recursos como indenização por exploração do minério de ferro, isso já é bem antigo. Nesse caso, eles se perguntam: o minério está na nossa área e a gente não recebe um centavo por isso?

Por isso, o MPF quer garantir o desenvolvimento e execução de um plano de gestão econômica e outro de gestão ambiental, que estavam previstos em um estudo feito por antropólogos para o empreendimento. São estudos bem amplos, para garantir às aldeias Xikrin a sustentação de atividades produtivas e o monitoramento do meio ambiente. Mas essa exigência nunca foi cumprida.

Por quê?

Esse estudo antropológico foi feito em 2004 e submetido à Funai, que levou eternidade para analisar e dar suas respostas. Nesse meio-tempo, o licenciamento mudou sua lógica e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, que é o órgão licenciador, ignorou essa recomendação. Pediu apenas medidas de controle ambiental, um plano básico ambiental que tem uma previsão de atividade bem restrita, um espectro bem menor. Os planos que pedimos contemplam a análise permanente da água, um monitoramento dos índices de contaminação… Então, a ação civil pública tem dois enfoques: implementar esse plano de gestão econômica e investigar a origem da poluição do Cateté. Os Xikrin têm todo um histórico de problemas com as outras operações da Vale nos seus arredores, mas para a Vale o impacto é um só.

Para Cazetta, do MPF, “A poluição do rio não é negociável, tem que descobrir a causa e recuperar” (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

O licenciamento ambiental estava correto? Nem Funai nem comunidades foram ouvidas…

Todas as plantas da Vale seguem um padrão, a empresa afirma com todas as letras que não polui o rio. Mas piorou muito de qualidade a água, isso é um dado concreto. O que queremos entender é se essa piora está vinculada à Vale ou não, se as medidas de controle ambiental são suficientes. Pode ser que não seja decorrente propriamente de um processo da Vale, mas da mineração em si, porque, quando começam a retirar o minério, alguns componentes do solo que não tinham contato com a água começam a reagir e podem provocar alterações ambientais. No rio Doce houve esse processo, ele foi perdendo qualidade antes mesmo do acidente de Mariana. Há estudos que mostraram esses impactos.

O MPF já pediu a paralisação das atividades de Onça Puma várias vezes. A intenção é fechar a mineradora?

A intenção é adequar a operação a um modelo sustentável, não haveria razão para fechar definitivamente. Temos dois problemas já identificados: o primeiro é que nunca se implantou um plano de gestão ambiental previsto no licenciamento, desde 2004. Se tivesse sido implementado, talvez não estivéssemos nessa discussão agora ou o impacto poderia ser menor. A Vale diz que tem que fazer o Plano Básico Ambiental e que os índios não deixam entrar. Mas eles não são sinônimos.

O outro ponto é a questão financeira, a indenização?

O outro é a relação da Vale com os índios: a gente tem a sarna e tem o carrapato. A indenização é como uma multa para pressionar a Vale. A poluição do rio não é negociável, tem que descobrir a causa e recuperar. Pode, inclusive, chegar à conclusão que não tem relação direta com a Onça Puma. Outro ponto é quais as obrigações decorrentes da atividade mineraria; por isso, a importância de cobrarmos o plano de gestão: hoje eles recebem uma compensação, um pagamento pela exploração de outras mineradoras, mas a ideia é que sejam autossustentáveis, não precisem depender da Vale.

Qual o valor que já foi pago aos indígenas?

Creio que há R$ 14 milhões depositados. Esse dinheiro estava para ser levantado em favor dos indígenas, não sei se efetivamente foi liberado para associações. O critério era global: RS 1 milhão por aldeia por mês. E agora, na última decisão, ficou diferente: um salário mínimo por pessoa, criando a necessidade de fazer um censo nas aldeias. Os Xikrin já assinaram um TAC estabelecendo critérios de aplicação do dinheiro – poupança, aplicação – para que esse dinheiro chegue a uma atividade coletiva e adequada.

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