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Advogado de dois deles, Wlandre Leal, disse à Pública que Polícia usou critério subjetivo "prendendo inocentes" para "mostrar serviço"; investigados seguem presos

Entrevista
27 de novembro de 2019
20:26
Este artigo tem mais de 4 ano

Com base em áudios obtidos por meio de interceptação telefônica e vídeos, a Polícia Civil de Santarém (PA) prendeu preventivamente, na manhã de ontem (26), quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, ligada ao Instituto Aquífero Alter do Chão.

Segundo a investigação, há indícios de que ONGs da região teriam provocado os incêndios que atingiram mais de 100 hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) entre 14 e 17 de setembro com o objetivo de obter vantagens financeiras.

Foram presos os brigadistas Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerver. A operação “Fogo de Sairé”, conduzida pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Santarém (DECA) e o Núcleo de Apoio à Investigação (NAI) com o apoio da Diretoria de Polícia do Interior (DPI), também cumpriu sete mandados de busca e apreensão, um deles na ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA).

Em entrevista à Agência Pará, veículo oficial do governo, o delegado José Humberto de Melo Jr, diretor de Polícia do Interior, afirmou que os brigadistas possuíam informações privilegiadas dos focos de incêndio. “Eles filmavam, publicavam e depois eram acionados pelo poder público a auxiliar no controle de um incêndio que eles mesmos causavam. Toda vez alegavam surpresa ao chegar no local, mas não havia outra possibilidade lógica”, diz.

A Polícia Civil aponta o recebimento de 300 mil reais pela Brigada de Alter e a venda para uso exclusivo de 40 imagens para a ONG WWF como evidência de que o grupo de brigadistas obtinham vantagens financeiras com os incêndios que eles supostamente provocam. Ao longo de toda terça e quarta-feira, a reportagem tentou contato com a corporação mas não obteve respostas até a publicação. A audiência de custódia, realizada na manhã de quarta-feira (27), terminou com a manutenção das prisões preventivas. O juiz Alexandre Rizzi, o mesmo que decretou as prisões inicialmente, justificou a decisão pela “garantia da ordem pública” e “ante o risco de reiteração criminosa”. A preventiva será reanalisada em 10 dias, quando expira o prazo da Polícia Civil para conclusão do inquérito, diz o despacho do magistrado.

O advogado Wlandre Leal, que defendeu dois dos presos [Marcelo Aron e João Victor] na audiência de custódia, afirmou em entrevista à Agência Pública que os vídeos apontados pela Polícia Civil, assim como “as supostas provas”, são de combate à incêndio, publicados nas próprias redes sociais dos brigadistas. Para ele, é “plenamente justificável” que o grupo chegasse aos focos de fogo antes do Corpo de Bombeiros, já que “eles são a linha de frente de brigadistas de combate à incêndio lá na área de Alter do Chão”.

Wlandre fala a seguir sobre os principais pontos que considera incongruentes do inquérito que levou os brigadistas a prisão preventiva. “Infelizmente, a gente não tem ainda como deduzir sobre os critérios subjetivos e interpretativos do delegado. O que a gente percebe é que a polícia está querendo dar uma resposta para a sociedade prendendo pessoas, que no nosso entender, são inocentes, pra mostrar para o Brasil e pro mundo que solucionaram mais um crime. E baseados em conjecturas e meros indícios”, afirma.

Em uma entrevista coletiva concedida ontem em Brasília, o coordenador do Projeto Saúde e Alegria (PSA), Caetano Scannavino e os deputados ligados às frentes ambientalistas e ao Fórum Permanente em Defesa da Amazônia reagiram às prisões com um misto de indignação e suspeitas de armação política. Scannavino não acredita que os rapazes tenham praticado crime. “A acusação soa como piada, salvo se os meninos forem atores de Hollywood. Não me passa pela cabeça que possam ter ateado fogo. A polícia vai ter de provar que foram eles e não os grileiros que provocaram os incêndios”, disse Scannavino, que conhece há vários anos os quatro brigadistas. “Eles acabaram com os incêndios e foram presos. É como prender alguém que está limpando as praias sujas de óleo”, afirma. As informações repassadas pela polícia, segundo ele, são insinuações de má fé.

Desde ontem, movimentos e organizações da sociedade civil tem declarado apoio público aos brigadistas. É o caso da Associação Iwipuragã do povo Borari de Alter do Chão, do Coletivos de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós, da Anistia Internacional, WWF entre outros. O Instituto Ethos pediu às empresas que atuam pela sustentabilidade da região amazônica em parceria com ONGs a se fazerem ouvir e a se posicionarem sobre “este grave ataque as organizações da sociedade civil”. Uma campanha online de apoio também está em andamento.

O Ministério Público Federal (MPF) em Santarém (PA) enviou ofício à Polícia Civil do Pará requisitando acesso integral ao inquérito. Desde setembro, já estava em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema.  Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

A “Brigada de Alter do Chão” (Foto de divulgação)

Que incongruências vocês encontraram no inquérito?

Ele continua em andamento. O delegado tem o prazo legal de mais 10 dias para concluir o inquérito policial. O que a gente observa na análise do inquérito e da representação da prisão preventiva, é que não existem provas cabais contra os investigados. São meras conjecturas, questões interpretativas e subjetivismo. Tem conversa entre eles falando de trabalho, falando de fogo, falando de combate à incêndio, falando que vão ocorrer mais queimadas naquela região, que isso é normal para a época do ano. A polícia se baseou em vídeos postados em redes sociais — instagram, facebook e diálogos para fundamentar o pedido para o juiz, que concedeu a busca e apreensão e a prisão preventiva. É baseado nessa análise e interpretação individual da própria polícia civil e do próprio delegado.

Em relação aos vídeos, vocês tiveram acesso ao material que o delegado menciona?

Então, são vídeos de combate à incêndio. Eles tiveram acesso a áudios em que eles conversam sobre esse combate à incêndio. A polícia alega que tem queimadas que só eles que estão presentes, mas isso é plenamente justificável, porque eles são a linha de frente de brigadistas de combate à incêndio em Alter do Chão. Eles chegam, inclusive, primeiro que o Corpo de Bombeiros. Então a polícia diz que isso tudo era armação, que eles ateavam fogo na floresta para arrecadar recursos, sendo que existe todo um material de contabilidade, de recebimento e distribuição desses valores. Então, esses é que são os argumentos da polícia.

Esses vídeos que a polícia apresenta no inquérito são das redes sociais?

São vídeos publicados, vídeos de aplicativos, de redes sociais, da página deles na internet. Até porque notebook, celulares e documentos foram apreendidos ontem, e ainda não foi realizada a perícia em nenhum. São vídeos públicos que eles estão analisando.

Você sabe dizer a data em que os áudios foram captados?

Não, esse detalhe só dando uma analisada minuciosa no pedido e na data que foi deferida, mas eles foram por volta de dois meses. A maioria das conversas são de setembro e outubro. Foram interceptados depois do pedido do delegado e do deferimento do juiz. Logo depois do incêndio.

Em relação aos áudios?

Tem uma transcrição de João [Victor Pereira Romano, um dos presos] com a Solange, que é bem assim: “João: alô”, “Solange: oi João, tudo bem?”, “João: tudo bem e você?”, “Solange: tudo jóia. Então, não vou tomar muito seu tempo não. É o seguinte, é você que vai fazer o vídeo na segunda-feira? O vídeo de agradecimento?”, “João: sim. O Dani me encaminhou”, “Solange: Tá, como você consegue fazer? (…)” A polícia colocou isso no processo.

Aí eles vão conversando, falam sobre burocracia. Aí a Solange fala que recebeu do pessoal do jurídico o documento para poder repassar. “João: perfeito. Nosso advogado vai dar uma olhada”. Aí vai, vai, vai, falam de documento. Solange fala: “você acha que domingo consegue pegar a assinatura do pessoal?”, “João: Sim, consigo”, “Solange: tá bom, vou mandar agora, obrigado, valeu tchau”. Acredita que tem uma transcrição dessa? De conversas de trabalho, falando de equipamento, de material, de documentos, de advogado. É incrível.

Tem outra da Cecília com o Gustavo [áudio que foi ao ar na TV Tapajós]. Esses diálogos meio bobos, falando: “e o incêndio? tá preocupada?”; “Tô, essa época do ano não chove muito aqui, ainda vai ocorrer muito mais incêndios. Tô preocupada”. Essa é a fundamentação.

Você considera que há possibilidade da polícia ter manipulado os áudios?

A polícia usa um critério muito interpretativo e subjetivo para apresentar essas supostas provas. Na opinião da defesa não são provas, são apenas indícios. Mas se eles estão na condição de investigados, investiga e prende lá na frente, quando tiver subsídios robustos e provas irrefutáveis. O cara conversa que fizeram uma vaquinha e conseguiram 100 mil pra comprar equipamento para combater o fogo. Isso é crime? A polícia chegou a conclusões de ordem subjetiva. O juiz também entendeu que existiam indícios de autoria e materialidade e decretou a preventiva deles.

Em relação à prestação de contas, elas estão disponíveis? Um dos argumentos que a polícia utiliza é de que eles teriam recebido um valor e utilizado só uma parte disso, mas também não aponta qual foi o uso desse dinheiro que sobrou.

Pois é. Eles já estavam colaborando com as investigações da polícia. Eles haviam sido notificados, inclusive por WhatsApp, de forma informal, para comparecer na delegacia para prestar esclarecimentos. Eles já tinham ido mês passado na delegacia, dado explicações, fornecidos documentos de ordem contábil. E o relatório financeiro e contábil do instituto [Instituto Aquífero Alter do Chão], sempre esteve à disposição das autoridades policiais e do juiz, sempre! Isso é feito por um contador para realizar toda a questão financeira e contábil. É tudo feito de forma legal.

Como foi a audiência de custódia, o que o juiz falou?

Na audiência de custódia ele manteve as preventivas, já decretadas por ele mesmo. É o mesmo juiz, da primeira vara criminal, doutor Alexandre Rizzi. Ele justificou que os mesmos fundamentos que já tinham chegado pra ele, sobre a gravidade dos crimes, sobre as interceptações, sobre a repercussão, sobre os vídeos, sobre os diálogos, e que ele iria manter a prisão preventiva deles nesse momento.

Mas o juiz garantiu que no prazo de 10 dias — tempo para conclusão do inquérito — que o ele terminado ou não, as perícias estando finalizadas ou não, nos computadores, nos celulares, ele vai reavaliar imediatamente a possibilidade de revogação da prisão preventiva deles.

O delegado é obrigado a provar pro juiz que tudo aquilo é verdade. O desvio de dinheiro, que eles botaram fogo na floresta, que eles estavam botando fogo pra arrecadar. Se o delegado não conseguir provar pro juiz no prazo de 10 dias, que aquilo tudo é verdade, ele vai soltar todo mundo. Mas a defesa vai já, a partir de hoje, vislumbrar a possibilidade de impetrar habeas corpus no Tribunal de Justiça aqui de Belém, e se não tiver êxito vai ao STJ e ao STF.

Que linha argumentativa vocês vão seguir no habeas corpus?

O HC é um remédio jurídico para quem sofre cerceamento da liberdade de locomoção por uma prisão ilegal e abusiva. Os critérios seriam a ilegalidade e a abusividade da prisão.

E vocês consideram que a prisão atende a esses critérios?

Sim, principalmente por eles serem réus primários, sem antecedentes criminais, terem direito à liberdade provisória. E pelo fato de eles estarem colaborando com as investigações. Então, por que prender para investigar? O correto é investigar para depois prender. A ilegalidade está aí.

Por que você considera que o inquérito está se desdobrando dessa maneira?

Infelizmente, a gente não tem ainda como deduzir sobre os critérios subjetivos e interpretativos do delegado. O que a gente percebe é que a polícia está querendo dar uma resposta para a sociedade prendendo pessoas, que no nosso entender, são inocentes, pra mostrar para o Brasil e pro mundo que solucionaram mais um crime, que quem bota fogo na floresta está preso. E baseados em conjecturas e meros indícios, eles representaram pela prisão preventiva e o juiz decretou. Mas a gente não tem como provar se isso são retaliações, algo assim e que foge da alçada legal. Mas como eles figuram ainda na condição de investigados, não há denúncia, não tem culpa formada, eles poderiam aguardar o fim do inquérito, e o próprio processo em liberdade.

Você considera que é uma tentativa de mostrar serviço?

A gente entende que eles estão querendo mostrar serviço prendendo inocente. Pegando de bode expiatório quem combatia os incêndios. Eles deixavam as famílias, suas casas em outros estados, em São Paulo, pra vir trabalhar voluntariamente aqui combatendo incêndio. Eles tinham curso em parceria com o Corpo de Bombeiros. Eles são queridos, receberam moção de aplausos da Câmara de Vereadores. Não tem como atribuir crimes a quem combatia incêndios. Não tem lógica.

O próprio presidente e o ministro do meio ambiente utilizaram a notícia…

Eu vi. Na verdade, eles são heróis aqui da floresta. Eles eram a linha de frente de combate aos incêndios. E aí são acusados de causar os incêndios? Ninguém consegue acreditar nisso.

Qual foi a condição das prisões? Foram presos em casa?

Todos foram presos em casa, porque foi muito cedo, seis da manhã [26 de novembro]. Teve mandado de busca e apreensão na sede das instituições também, da ONG Saúde e Alegria e do Instituto Aquífero Alter do Chão. Porque vários deles são funcionários e diretores financeiros dos institutos.

Também teve busca e apreensão de itens pessoais ou só dos institutos?

A busca e apreensão era pra ser direcionada a todo material que pode ser utilizado no crime. Foram apreendidos celulares, notebooks. Um drone! Que até o juiz achou um absurdo. Ele até perguntou: “o que vão achar dentro de um drone?”. Nós já até requeremos a restituição de alguns bens, caso não sirvam para o processo, para fundamentar o inquérito. Prenderam um drone, celulares, notebooks, câmera fotográfica, câmera de vídeo, muitos documentos, tanto na casa dos brigadistas, quanto no Saúde Alegria e no Instituto.

Em relação à condição dos quatro acusados. Como eles estão?

O procedimento da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe), quando eles foram apresentados, tiveram a cabeça raspada, a barba tirada e é colocada a farda. É procedimento padrão. Eles aceitaram. Um fato muito importante: todos os investigados elogiaram o tratamento dado pela polícia ontem, tanto na prisão preventiva deles. Depois que nós chegamos eles telefonaram pra família. Não foram algemados ontem em nenhum momento. Falaram que o tratamento na triagem masculina do complexo penitenciário foi com muita educação e muito respeito. Esse aspecto da integridade física e das garantias constitucionais deles foram obedecidas. Não há indícios de maus tratos, eles confirmaram isso pro juiz na audiência de custódia quando foram perguntados.

A entrevista é parte do projeto da Agência Pública chamado Amazônia sem Lei, que investiga violência relacionada à regularização fundiária, à demarcação de terras e à reforma agrária na Amazônia Legal. O especial também faz a cobertura dos conflitos no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro.

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