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O impacto do retorno dos militares ao governo federal foi tema da quarta mesa de debate da programação de 10 anos da Agência Pública

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22 de fevereiro de 2021
17:38
Este artigo tem mais de 3 ano

O quarto debate da programação do evento Pública+10, realizado às 18h30 do último sábado (13/3), “Militares e a política”, contou com a participação de Maria Elizabeth Rocha, a primeira mulher nomeada Ministra do Superior Tribunal Militar do Brasil, professora e autora de diversos livros, e do historiador José Murilo de Carvalho, doutor em Ciência Política pela Universidade de Stanford, Estados Unidos, professor emérito da UFRJ e Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras. A mediação do debate foi feita pela editora, diretora e co-fundadora da Agência Pública, Natalia Viana. 

Os participantes debateram qual o papel dos militares na democracia e um possível paralelo entre o comportamento dos militares hoje e os anos que antecederam o regime militar de 1964, o aumento da presença de militares em diversas pastas no governo Bolsonaro e as possíveis interpretações do artigo 142 da Constituição que trata do papel das Forças-Armadas.

“Militares e a política” foi o tema da conversa mediada por Natalia Viana com participação da Ministra Elizabeth Rocha e do historiador José Murilo de Carvalho

O retorno dos militares

De acordo com levantamento realizado em 2020 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), há atualmente 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo do presidente Jair Bolsonaro. O número é mais que o dobro do que havia em 2018, no governo Michel Temer (2.765) – que deu abertura à essa  presença ao recriar o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) com status de ministério, elegendo diversos militares, segundo os debatedores. 

Hoje, além dos cargos de natureza militar no Ministério da Defesa e no Gabinete de Segurança Institucional, há militares com cargos em outras pastas como Ministério da Saúde, Casa Civil, Secretaria de Governo, além do vice-presidente Hamilton Mourão. 

Para a ministra Maria Elizabeth Rocha, a escolha de Bolsonaro ao nomear militares partiu da sua desarticulação política, por ser um “parlamentar do baixo clero”. “Na hora de montar os quadros, ele escolheu aqueles que ele poderia confiar, os militares, acostumados a acatar ordens sem contestá-las. Basta rememorar a declaração lamentável do ministro da saúde, Eduardo Pazuello, que disse ‘ele manda e eu obedeço’”, afirmou. 

Quanto ao que se espera dessa presença dos militares na política, a ministra relembrou a intervenção federal das Forças-Armadas no Rio de Janeiro, em 2018, como um exemplo. “Foi a primeira ação desde o fim do Regime Militar, que se conferiu responsabilidade total da missão a esses generais que estavam designados em postos chaves. Isso revelou a falência do estado em lidar com os fracassos das ações governamentais, estaduais e municipais”. 

Já o professor José Murilo de Carvalho disse que até 2018, estava convencido, assim como boa parte dos brasileiros,de que a República a partir de 1985 estaria conseguindo governar sem tutela militar, “consolidando a nossa democracia” e “dispensando qualquer tipo de interferência militar na política”. Porém, a ascensão dos militares nos últimos anos e consequentemente a de Bolsonaro, abalou essa convicção. Para ele, há inúmeros casos de intervenção direta e aberta dos militares na política, como o famoso tweet do General Villas Bôas no dia do julgamento do STF sobre o habeas corpus ao ex-presidente Lula, em 2018. 

Para Carvalho, a maior intervenção das Forças Armadas tem sido realizada pelo Exército que, em suas palavras, “vê a República como uma obra deles e acham que é perfeitamente legítimo a sua interferência”, uma vez que foram fundadores da República, com um golpe de Estado em 1889. “A presença expressiva dos militares é uma ameaça à nossa democracia, se nós não conseguirmos mais um governo que evite crises, polarizações e que dêem margem à interferências”, concluiu. Por isso, ele acredita que vivemos em uma república tutelada.

O papel das Forças-Armadas

Artigo 142 da Constituição Federal de 1988: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Em relação ao papel das Forças Armadas, os participantes debateram as possíveis interpretações do artigo142 da Constituição, bastante debatido atualmente e usado como bandeira em manifestações e protestos pró-golpe militar. 

Enquanto historiador, Carvalho analisou que somente duas entre as sete constituições que o Brasil já teve não atribuem papel político às Forças-Armadas (a do Império e a do governo Vargas). Segundo o professor, todas as outras constituições, inclusive a de 1988, atribuem esse papel. 

Em comparação a outros países da América Latina que enfrentaram ditaduras durante a década de 60 e 70, o professor afirmou ainda que nenhuma outra Constituição atribui esse papel, ressaltando a maneira diferente que o país assimilou o fim da ditadura.

Quanto ao art.142, Carvalho observou que uma das possíveis interpretações é a de que militares poderiam interferir nos processos democráticos, já que a redação do artigo é contraditória e diz que as Forças-Armadas estão submetidas ao presidente e que devem garantir a independência dos três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. “Os militares frequentemente quando fazem qualquer interferência, dizem que estão seguindo os preceitos da Constituição”, afirmou. 

A ministra Rocha concordou com a ambiguidade do Art.142. No entanto, afirmou que as interpretações jurídicas da lei não permitem intervenção das Forças Armadas. “A constituição não pode ser uma carta suicida, então me parece inconcebível que qualquer um de seus dispositivos autorize ingerências espúrias de quem quer que seja. Sobretudo das Forças Armadas, em razão do nosso passado recente”, concluiu. Para ela, posicionamentos recentes do STF também vão nesse sentido.  

O que pensam os militares

Em 2020, o Instituto DataFolha realizou uma pesquisa sobre as percepções da população sobre o regime democrático e o regime militar de 1964. A pesquisa apontou que 75% dos brasileiros acreditam que a democracia é o melhor regime, contra 10% dos brasileiros que preferem o regime militar. Em relação a 1964, 25% da população acredita que o regime deixou mais realizações positivas do que negativas. Entre os defensores do presidente Jair Bolsonaro, porém, o número é maior, com 43%.

Nas redes sociais e nas ruas, os defensores do presidente são maioria na hora de pedir a volta do regime militar e a interferência das Forças Armadas nas instituições democráticas. Em maio do ano passado, por exemplo, manifestantes realizaram um ato pró-Bolsonaro na Praça dos Três Poderes em Brasília, onde pediram pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. 

Na visão da ministra Rocha, boa parte dos militares está comprometida com a democracia. “Há bem pouco tempo o comandante do Exército [Edson Leal Pujol] declarou em alto e bom som que as Forças Armadas são instituições de Estado e não de governo e que a utilização do presidente Bolsonaro no possessivo para se referir às Forças-Armadas  é absolutamente equivocada, tanto do ponto de vista jurídico quanto do político”, afirmou. 

“Eu convivo quase que diariamente como os oficiais generais mais antigos das três forças e embora eles sejam conservadores, a obediência à legalidade está enraizada no inconsciente coletivo da organização. A prova disso foi o Brasil ter vivenciado no passado recente sérias crises com denúncias de corrupção, o impedimento de dois presidentes e a prisão de dois outros, e não ter havido rupturas institucionais ou quebra da constitucionalidade. Os militares de hoje são diferentes daquele do passado, nenhum chefe de 1964 está vivo ou na ativa e esses novos militares não são mais os seus herdeiros”, argumentou. 

E para corroborar, a ministra ainda reafirmou o contexto diferente que permitiu que 1964 acontecesse, como o apoio de atores importantes como parcela expressiva da sociedade civil, organizações religiosas, organizações políticas e a própria mídia. O que, na sua opinião, difere do contexto estabelecido hoje, “isso me faz ter tranquilidade para dizer que eu não vislumbro eventuais golpes em um futuro próximo”, concluiu.

A íntegra do debate está disponível no canal do YouTube da Agência Pública.

Pública +10

Nomes como Ailton Krenak e Anielle Franco estão entre os convidados dos próximos debates do festival Pública +10, em comemoração aos dez anos de Agência Pública. As conversas continuam no dia 20 de março, onde os participantes irão debater sobre “Barbárie na Política” e “Negacionismo Científico”. Para conferir os horários, os participantes e fazer sua inscrição gratuita, acesse o link.

Mediadora:

O texto da cobertura foi feito pela repórter Raphaela Ribeiro

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