
“A cidade do Rio de Janeiro passou e tem passado por momentos difíceis. A cidade do Rio contribui todos os anos com R$ 120 bilhões. O IPVA, a Petrobras, o PIS. Tudo isso vai para os cofres do governo federal. E só recebe R$ 5 [bilhões].” – Marcelo Crivella (PRB), prefeito do Rio de Janeiro, em transmissão ao vivo no Facebook em 18 de julho.

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), cobrou do governo federal o envio de tropas da Força de Segurança Nacional para ajudar a combater a criminalidade no município, em transmissão ao vivo realizada no dia 18 de julho em sua página no Facebook. Segundo Crivella, a atitude não era um “pedido de favor” e sim um “clamor por justiça”, já que, em suas palavras, a cidade contribuiria anualmente com R$ 120 bilhões para a União e receberia de volta apenas R$ 5 bilhões.
O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública – verificou a declaração do prefeito e concluiu que está descontextualizada, embora os números citados sejam corretos. A frase de Crivella ilustra o descontentamento de prefeitos e governadores quanto à diferença entre as receitas enviadas para a União e os recursos que retornam para os cofres dos municípios e estados brasileiros. Existe uma pressão, que aumenta em períodos de crise, para que o governo federal aumente o repasse de verbas.
O pagamento
No início da apuração, questionamos a assessoria de imprensa de Crivella sobre a origem das informações contidas em sua fala. Como resposta, recebemos uma tabela da Receita Federal que serviu de fonte para o dado de que o Rio contribui anualmente com R$ 120 bilhões à União.
Os dados enviados mostram que os recolhimentos em 2016 na cidade do Rio via Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) – utilizado como guia de pagamento de tributos em todo o país – atingiram R$ 120.104.147.790,00. Entretanto, isso não significa que este valor foi enviado à Receita Federal pela prefeitura, e sim que as empresas com matriz na cidade recolheram à União cerca de R$ 120 bilhões no período.
Para verificar se todos os anos a quantia se mantém em torno dos R$ 120 bilhões, como afirmou Crivella, consultamos na tabela os números referentes à cidade do Rio desde 2012. Constatamos que, se corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), os valores são todos superiores ao apontado pelo prefeito (confira abaixo).
| Repasses enviados pelas empresas da cidade do Rio | ||
| Ano | Valor indicado pela Receita | Valor corrigido |
| 2012 | R$ 97.183.946.539,54 | R$ 136.357.687.492,64 |
| 2013 | R$ 116.778.959.102,34 | R$ 154.812.394.667,09 |
| 2014 | R$ 110.540.516.150,15 | R$ 135.796.481.658,59 |
| 2015 | R$ 127.581.693.967,41 | R$ 150.077.804.077,77 |
| 2016 | R$ 120.104.147.790,00 | R$ 120.104.147.790,00 |
Isto quer dizer que, se a intenção de Crivella, ao citar os R$ 120 bilhões, era sustentar a ideia de que a riqueza gerada no Rio de Janeiro representa uma contribuição expressiva ao Estado brasileiro todos os anos, é possível afirmar que ele está correto, apesar de ter generalizado os números.
Os tributos
Logo após abordar a contribuição anual do Rio à União, o prefeito fluminense menciona dois tributos que, de acordo com ele, vão parar “nos cofres do governo federal”. O primeiro deles é o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), recolhido pelos estados e Distrito Federal. Do montante arrecadado, 50% fica nos caixas estaduais e o restante é distribuído, por determinação constitucional, de acordo com o município onde o veículo foi registrado. Diante disso, Crivella errou ao utilizar o IPVA para falar de recursos arrecadados pela União.
A situação muda quando o assunto é o Programa de Integração Social (PIS). Este sim é um tributo destinado à União, incidente sobre receitas de empresas em todo o território nacional. Citá-lo faz mais sentido, já que, em sua frase, o prefeito se refere à riqueza arrecadada na cidade do Rio de Janeiro. Apesar disso, o PIS tem a finalidade de financiar o seguro-desemprego, abonos salariais e programas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Há ainda, nesta parte da declaração, uma referência à Petrobras. Por meio dela, Crivella quis abordar a questão dos royalties cobrados sobre a exploração do petróleo, segundo sua equipe de comunicação. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) define royalties como “uma compensação financeira devida à União pelas empresas que produzem petróleo e gás natural no território brasileiro”. São pagos mensalmente pelas companhias petrolíferas à Secretaria do Tesouro Nacional, que os distribui aos estados e municípios beneficiários, conforme critérios estabelecidos por lei – uma parte também fica com a União. Isso significa que a renda gerada pelos royalties chega aos cofres das prefeituras justamente pelas mãos do governo federal, e não o contrário. Portanto, mais uma vez é incorreto mencionar essa fonte de receita no contexto descrito.
A parte do município
Marcelo Crivella finaliza sua argumentação tratando da quantidade de recursos federais que a cidade do Rio de Janeiro recebe todos os anos. Sua assessoria informou que o número mencionado por ele – R$ 5 bilhões – foi retirado do Portal de Transparência. Comunicou também ter consultado o Ministério da Fazenda, segundo o qual a União transferiu ao município R$ 5,2 bilhões em 2016.
De acordo com a página indicada, o governo federal liberou R$ 4.475.484.868,92 ao Rio no ano passado. A Controladoria-Geral da União (CGU), responsável pelo portal, comunicou que, além das transferências referentes a tributos recolhidos no nível federal, o valor envolve, por exemplo, recursos destinados a favorecidos por programas sociais e a convênios e organizações não-governamentais.
Para confirmar o total indicado pelo Portal da Transparência, consultamos o sistema online do Tesouro Nacional, órgão que trata da administração dos fundos federais e de sua distribuição aos entes federativos. Somando os resultados de todas as transferências realizadas à cidade do Rio em 2016, chegamos ao montante de R$ 2.544.527.545,94, inferior aos cerca de R$ 4,5 bilhões demonstrados pelo portal.
A assessoria de imprensa do Tesouro esclareceu que o número inclui, além de repasses relativos ao rateio das receitas federais, recursos direcionados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que recebe aportes provenientes também de impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios. Como Crivella se refere apenas ao dinheiro enviado pela União, o valor a ser levado em conta é o apontado pelo Portal de Transparência.
Na opinião da advogada tributarista Bianca Xavier, do escritório Siqueira Castro, a discussão presente nas entrelinhas do discurso de Crivella não é nova. “Ele está reclamando de algo que todos os prefeitos e governadores reclamam: que a União tem uma grande arrecadação pois, além dos impostos, tem as contribuições, que ficam muito concentradas na União e às quais a maioria dos estados e municípios não tem acesso”, afirma.
Xavier explica que, quando há a necessidade de incrementar a arrecadação, o governo federal pode recuperar contribuições que já não estão em vigor – como foi o caso da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), criada em 1994, retomada em 1997 e extinta em 2007. Para estados e municípios, essa possibilidade é muito mais limitada.
No entanto, nem tudo está perdido. Xavier destaca que os demais entes federativos têm outras fontes de renda além dos repasses da União. “Qual o tributo mais importante em termos econômicos para o município? É o ISS [Imposto sobre Serviços]. Cerca de 5% de todo serviço feito por indústrias ou empresas localizadas no Rio [ou em qualquer outra cidade] vai para o município. Isso é bem expressivo. A alíquota vai de 2% a 5%, mas boa parte dos serviços no Rio é tributada a 5%”, assinala. “Além disso, tem o IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], que é estratégico para o município. Quando ocorre uma crise financeira, os prestadores de serviço acabam prestando menos serviços e isso afeta a arrecadação. Em relação ao IPTU não existe isso, todo o ano é uma receita certa”, completa.
A advogada lembra que há ainda as receitas provenientes da transmissão onerosa de imóveis. “Todo mundo que compra e vende imóveis no Rio tem que pagar 2% em cada uma dessas operações”, explica. “Crivella diz: ’A União recebe muito dinheiro de empresas vindo do Rio e eu só recebo de volta R$ 5 bilhões’. Mas só está olhando para o que a União transfere. Só que ele tem receitas próprias do município – estas três que citei e mais as receitas patrimoniais, de todos os bens do município. Ou seja, tem outras fontes de receita.”
Xavier ressalta que, embora considere válida a discussão implícita na frase do prefeito, é necessário levar em conta que a União tem mais atribuições em comparação aos estados e municípios. “Temos que reconhecer que a União tem grandes responsabilidades, e quem tem mais responsabilidades tem mais receita”, argumenta.
Após analisar as três partes que compõem a fala do prefeito do Rio de Janeiro, o Truco atribui a ela o selo “Sem contexto”. Concluímos que Crivella utiliza dados razoáveis, próximos dos apurados junto às fontes oficiais, que dão conta de um cenário verídico – a diferença entre as riquezas recolhidas pela União na cidade e o que retorna para seus cofres. Mas ele não explica, por exemplo, que, por determinação constitucional, os municípios brasileiros contam com outras receitas para além dos repasses federais.

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