As promessas para melhorar a situação da economia brasileira ganharam destaque nesta eleição. Depois da retração registrada em 2015 e 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro voltou a crescer em 2017, mas com aumento de apenas 1%, o que demonstra estagnação econômica. Os candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno da eleição fizeram propostas para combater a crise em seus planos de governo. Em seu programa, Jair Bolsonaro (PSL) defende o liberalismo econômico e propõe criar um Ministério da Economia, que condensaria as funções hoje desempenhadas pelos Ministérios da Fazenda, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. No plano de Fernando Haddad (PT) há propostas para uma reforma tributária que garantiria a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos, aumentando a taxação dos chamados super-ricos.
O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública – verificou o discurso dos candidatos sobre o tema. Foram selecionadas quatro afirmações ditas pelos dois presidenciáveis em pronunciamentos feitos após o primeiro turno. As duas afirmações de Bolsonaro são falsas: o candidato se equivocou ao falar da metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para medir desemprego e também ao afirmar que o Brasil priorizou o comércio com o Mercosul nos governos do PT. Já Fernando Haddad subestimou o porcentual do gás de cozinha no faturamento da Petrobras e acertou ao dizer que o Brasil hoje tem nota melhor das agências de risco do que após o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Jair Bolsonaro (PSL)
“O Brasil priorizou seu comércio com viés ideológico [no governo PT]. Priorizou o Mercosul.” – Jair Bolsonaro (PSL), em live realizada no Facebook do empresário Luciano Hang no dia 10 de outubro
Para criticar o que considera um comércio de viés ideológico, Bolsonaro alega que os governos do PT priorizaram relações comerciais com países do bloco Mercosul. A afirmação é falsa.
As importações e exportações entre o Brasil e os países do bloco cresceram sob o comando dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), de 2003 a 2016, em relação aos anos anteriores. Apesar disso, os maiores parceiros comerciais do Brasil no período foram a China e os Estados Unidos – dois países que não fazem parte do Mercosul. Dentre os blocos econômicos com os quais o país realiza negócios, o Mercosul não foi o mais importante em valor de negociações no período: o bloco que mais comercializou com o Brasil foi a União Europeia, com larga vantagem em relação à comunidade sul-americana.
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é um bloco comercial sub-regional composto por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela e que tem como países associados Chile, Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. Os dados de importação e exportação por bloco econômico compilados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços mostram que o Mercosul teve grande impacto na balança comercial durante os governos do PT. O bloco econômico que mais comercializou com o Brasil no período, contudo, foi a União Europeia.
O crescimento nas negociações do Mercosul, que ocorreu principalmente entre 2002 e 2008, acompanhou a tendência de alta nas relações comerciais com outros blocos econômicos, como a União Europeia, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), que inclui 12 países asiáticos, e a Comunidade Andina das Nações (CAN), que é formada por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.
Ainda segundo dados do ministério, os maiores parceiros comerciais do Brasil durante os governos do PT foram Estados Unidos e China. De 2003 a 2016 a China foi o principal destino das exportações brasileiras, seguida de Estados Unidos, Argentina, Holanda e Alemanha. Já as importações brasileiras vieram principalmente dos Estados Unidos, país que é seguido por China, Argentina, Alemanha e Coreia do Sul. O ranking leva em conta o valor das negociações em dólares americanos.
Exportações brasileiras (em US$) de 2003 a 2016 | |
País de destino | Valor |
China | 347.082.453.181 |
Estados Unidos | 322.526.983.379 |
Argentina | 197.717.266.580 |
Holanda | 138.244.835.398 |
Alemanha | 87.814.102.105 |
Japão | 75.822.522.339 |
Chile | 55.471.798.190 |
México | 53.394.609.383 |
Itália | 53.366.800.916 |
Bélgica | 48.356.544.041 |
Fonte: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Comex Vis)
Importações brasileiras (em US$) de 2003 a 2016 | |
País de origem | Valor |
Estados Unidos | 327.265.304.701 |
China | 289.057.710.082 |
Argentina | 157.229.592.169 |
Alemanha | 142.965.044.787 |
Coreia do Sul | 78.367.875.615 |
Nigéria | 75.853.340.578 |
Japão | 73.410.208.458 |
Itália | 58.872.586.259 |
França | 57.811.064.889 |
Índia | 46.737.626.140 |
Fonte: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Comex Vis)
“Tem aí uma questão de metodologia [do IBGE, sobre o número de desempregados]. Quem não procura emprego, é tido como empregado. Quem no ano passado trabalhou dois, três dias, é tido como empregado. Quem recebe o auxílio-desemprego é tido como empregado.” – Jair Bolsonaro (PSL), em live realizada no Facebook do empresário Luciano Hang.
Pessoas desocupadas, mas que não procuram emprego, não são classificadas como empregadas, ao contrário do que afirma Jair Bolsonaro (PSL). Na verdade, pela metodologia do IBGE, esse contingente está fora da força de trabalho, ou seja, não é nem ocupado, nem desocupado. O instituto também não qualifica como empregado hoje quem trabalhou apenas dois ou três dias no ano passado já que, para ser considerada uma ocupação, o trabalho deve ter sido desenvolvido por ao menos uma hora na semana de referência. Além disso, a pessoa que recebe auxílio-desemprego não é considerada empregada, como afirma o candidato. O IBGE não questiona quais auxílios a pessoa recebe. A pergunta que determina ocupação ou desocupação leva em conta apenas a existência ou não de trabalho remunerado durante a semana da pesquisa. Como todas as alegações que Jair Bolsonaro fez nesse trecho estão equivocadas, a fala foi classificada como falsa.
A pesquisa do IBGE que analisa a ocupação da população brasileira é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, cuja última edição foi divulgada em 28 de agosto de 2018. Referente ao trimestre de junho-julho-agosto, ela mostra que a taxa de desocupação no período foi de 12,1%. O indicador é usado como sinônimo de taxa de desemprego. Segundo a metodologia do IBGE, são consideradas desocupadas as pessoas não ocupadas que tomaram alguma providência efetiva para conseguir um trabalho no período da pesquisa.
Outro requisito é que a ocupação deve ter sido desenvolvida durante pelo menos uma hora completa, na semana de referência, em trabalho remunerado em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios (moradia, alimentação, roupas, treinamento, por exemplo). Assim, quem trabalhou dois ou três dias no ano anterior não seria qualificado como empregado em pesquisas feitas neste ano, como afirma o candidato.
Pessoas que não têm ocupação, mas que não tomaram providências efetivas para conseguir mudar isso, também não são classificadas como ocupadas. Nesse caso, a classificação utilizada pelo IBGE é de pessoas fora da força de trabalho. São aquelas que estão em idade de trabalhar, ou seja, têm 14 anos ou mais, mas que não possuem ocupação no momento da enquete e não estão procurando uma também. Já as pessoas na força de trabalho dividem-se entre ocupadas e desocupadas, ou seja, entre empregados e desempregados que estão procurando emprego.
O contingente fora da força de trabalho, no trimestre de junho a agosto de 2018, foi estimado em 65,4 milhões de pessoas. Esta população permaneceu estável em relação ao trimestre anterior, mas registrou expansão de 1,6% frente ao mesmo trimestre em 2017.
O instituto compila ainda um índice chamado “taxa composta de subutilização da força de trabalho”, que corresponde ao porcentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial. No último trimestre, essa taxa foi estimada em 24,4%, registrando estabilidade em relação ao trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre móvel do ano anterior, de junho a agosto de 2017, houve elevação de 0,4 ponto porcentual.
Bolsonaro também errou ao falar da população que recebe auxílio-desemprego. Na classificação do IBGE, esse grupo não é necessariamente identificado como ocupado, como alega Bolsonaro, porque o único critério utilizado pela pesquisa para determinar ocupação ou desocupação é ter trabalhado na semana de referência. O rendimento da pessoa entrevistada é avaliado em outras questões.
Segundo a assessoria de imprensa do IBGE, a pessoa pode ser ocupada e receber auxílio, ou ser desocupada e também receber. Isso ocorre porque a pessoa que recebe auxílio-desemprego pode ter exercido alguma ocupação informal na semana de referência e, assim, entrar no grupo dos ocupados. Apesar disso, não é possível afirmar que os beneficiários do auxílio-desemprego são sempre chamados de empregados, porque o recebimento do benefício não é utilizado para determinar ocupação ou desocupação.
Fernando Haddad (PT)
“Eu estou pegando um item [gás de cozinha], que representa 4% do faturamento da Petrobras.” – Fernando Haddad (PT), em entrevista no Roda Viva, da TV Cultura.
Em seu plano de governo, Fernando Haddad (PT) propõe subsidiar o gás de cozinha para as famílias brasileiras com o Programa Gás a Preço Justo. Questionado sobre o impacto dessa proposta para a economia, o candidato disse que o gás representa muito pouco do faturamento da Petrobras – apenas 4%– e por isso, não afetaria muito os gastos do governo. A informação foi subestimada.
Desde o segundo trimestre de 2017 as vendas de gás liquefeito de petróleo, ou gás de cozinha, representam mais de 4% do faturamento em vendas da Petrobras. No segundo trimestre de 2017, as vendas de gás de cozinha representaram 4,3% do faturamento total – R$ 2,9 bilhões sobre R$ 67 bilhões. A receita total de vendas da Petrobras em 2017 foi de R$ 283,7 bilhões. Desse valor, R$ 12,8 bilhões foi em venda de gás de cozinha. Isso representa 4,5% do faturamento.
As demonstrações financeiras do primeiro trimestre deste ano mostram que as vendas representaram uma parcela ainda maior no faturamento. De janeiro a março de 2018, a receita total de vendas da Petrobras foi de R$ 74,5 bilhões e a venda de gás de cozinha representou 5% desse valor – R$ 3,75 bilhões. Segundo a última demonstração financeira trimestral da empresa, a receita proveniente de vendas no segundo trimestre do ano foi de R$ 84,4 bilhões. Desse montante, R$ 4 bilhões vieram de vendas gás de cozinha. Isso representava 4,8% do faturamento total.
Assim, no primeiro semestre deste ano, as vendas de gás de cozinha da Petrobras representaram 4,9% do faturamento total da empresa. Foram vendidos R$ 7,8 bilhões em gás de cozinha de um total de R$ 158,9 bilhões em todas as vendas.
“Hoje a classificação do Brasil é superior à da época [de Fernando Henrique Cardoso].” – Fernando Haddad (PT), em entrevista no Roda Viva, da TV Cultura.
Fernando Haddad (PT) afirmou que, atualmente, a classificação de crédito brasileira (ou rating) é superior à conquistada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no fim de seu mandato. As principais agências de rating – Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s – fornecem uma nota de risco aos países. Dessa forma, os investidores podem avaliar se a possibilidade de ganhos compensa o perigo de perder capital nas economias locais. Essas três organizações citadas possuem sistemas de notas diferentes, que determinam se um país é bom pagador aos investidores da dívida (grau de investimento) ou se existe a possibilidade de um calote (grau especulativo). Uma análise dos dados mostrou que a afirmação é verdadeira.
A assessoria do candidato não encaminhou as fontes. Fernando Henrique governou de 1995 até o final de 2002. De acordo com a série histórica do Tesouro Nacional, no final de seu mandato a Standard & Poor’s deu a nota “B+” para o Brasil, ao considerar que o país era um devedor menos vulnerável no curto prazo em comparação a outras nações com nota mais baixa. Segundo a agência, o país enfrentava ainda grande exposição a condições desfavoráveis na economia, que poderiam acarretar na capacidade inadequada de honrar seus compromissos financeiros. Em 9 de agosto deste ano, a S&P classificou a dívida de longo prazo com a nota “BB-” – categoria um nível superior à “B+”, mas que ainda aponta riscos de desrespeitar o pagamento das dívidas.
A agência Fitch, no final do governo FHC, deu nota “B” – que indica a existência de um significativo risco de crédito com uma pequena margem de segurança”, segundo a definição da organização. Para 2018, a classificação dada foi “BB-”, dois níveis superior à de 2002. A categoria aponta que há possibilidade de o risco de crédito aumentar, mas alternativas financeiras ou de negócios podem estar disponíveis, possibilitando que as obrigações financeiras sejam cumpridas.
Por fim, a Moody’s deu a nota de crédito “B2” para o Brasil, em agosto de 2002. Tal categoria é considerada de grau especulativo e representa grande risco de crédito. No último relatório da agência, publicado no dia 9 de abril de 2018, o país recebeu a nota “Ba2” – três níveis acima de “B2”.
A nota máxima dada pela agência é “Aaa”, enquanto a menor é “C”. A partir de “Baa3”, o país ou empresa ganha o selo de bom pagador. Tanto a Standard & Poor’s como a Fitch têm como maior nota “AAA”, mas diferem quanto à pior colocação: “SD e D” e “D”, respectivamente. Em ambas, a partir da nota “BBB-” o país é considerado bom pagador.