O Relatório Anual de Violência Contra Jornalistas e a Liberdade de Imprensa no Brasil da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) revelou uma redução considerável nos casos de violência direta contra os profissionais do ramo em 2023, mas mostrou um maior uso da Justiça para cercear o trabalho da imprensa. Os dados revelam que houve 181 agressões de tipos diversos contra profissionais de imprensa. Dentre elas, ações judiciais tendo jornalistas como alvo aumentaram 92,31% no ano passado. Nesse cenário, a censura é um dos casos mais preocupantes, universo que inclui a Agência Pública.
A realidade da violência atual difere um pouco do processo de descredibilização da imprensa junto aos ataques fomentado pelos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (e pelo próprio), na época de seu mandato, quando eram comuns ataques constantes pela então maior autoridade do país.
A violência, no entanto, vai além dos ataques cibernéticos ou agressões físicas e inclui a tentativa frequente de calar as vozes da imprensa. O uso do judiciário, na tentativa de intimidar jornalistas e evitar reportagens que citem políticos ou autoridades governamentais, parte inclusive de políticos.
Um dos grandes exemplos do ano foi o pedido judicial do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, contra uma reportagem da Pública, atendido por decisão liminar que impôs a retirada dos conteúdos de reportagens e colunas do veículo, sob pena de multa. O conteúdo em questão, de interesse público, envolvia acusações da ex-esposa do parlamentar, Jullyene Lins, e estava amparado em fatos, documentos, além do compromisso da busca por todos os envolvidos na questão.
A ação de Lira foi indeferida na primeira instância pelo juiz Luis Carlos de Miranda da 14º Vara Cível de Brasília, porém, na segunda instância, a Pública foi proibida de veicular outras reportagens com o mesmo teor.
Em declaração oficial ao apresentar os dados, a presidente da Fenaj, Samira de Castro, classificou a situação como “muito preocupante”. “Mostra o uso do Judiciário para calar os jornalistas. E o efeito dessa prática, mais à frente, certamente será a autocensura de profissionais e veículos de mídia porque esse tipo de abuso do poder de litigância tem efeito não só individual, mas coletivo. Os profissionais acabam devastados emocional e financeiramente, tendo de arcar com defesas em supostos crimes contra a honra que, infelizmente, têm apenas o objetivo de impedir a livre circulação da informação jornalística.”
Sobre as violências
Ameaças, hostilizações e intimidações lideram as violências contra jornalistas registradas em 2023. Foram 42 ocorrências, 23,21% dos casos. Além disso, 40 profissionais foram agredidos fisicamente (22,1% do total).
Os dados do relatório da Fenaj revelam que o Distrito Federal, onde estão as sedes dos Três Poderes, registrou 21 ocorrências, sendo apresentado como o local mais difícil para o jornalismo profissional, ao lado de São Paulo, com o mesmo número de registros. Juntas, as unidades federativas concentram 22,3% das ocorrências totais.
Uma em cada quatro agressões, segundo o levantamento, foi cometida por políticos, principais violadores da liberdade de expressão. Na sequência, aparecem pessoas comuns (9,39%), juízes e desembargadores (8,84%), policiais (7,73%) e dirigentes, jogadores ou torcedores de futebol (6,08%), além de agressores no mundo virtual.