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Herdeiros de Fleury, Ustra e outros agentes da ditadura são acionados pelo MPF

2 de setembro de 2024
06:00

O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) ajuizou uma ação civil pública contra 46 ex-agentes da ditadura civil-militar visando à responsabilização de todos eles por graves violações de direitos humanos contra 15 pessoas presas nos anos 1960 e 1970. Algumas das vítimas, como Eduardo Collen Leite, o Bacuri, foram assassinadas após tortura. A ação do MPF cumpre recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil no caso Bacuri, cuja esposa, a também militante Denise Peres Crispim, foi torturada grávida, o que colocou em risco o nascimento de Eduarda, filha do casal.

Vários dos agentes listados na ação do MPF e que poderão tornar-se réus já morreram, caso do delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Sérgio Paranhos Fleury e do ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), do Exército, de São Paulo Carlos Alberto Brilhante Ustra. O MPF entende que a ação contra pessoas mortas é possível, pois pede na ação a declaração de responsabilidade jurídica dos réus

Tal declaração significaria o reconhecimento judicial de que os acusados pelo MPF fizeram parte dos atos de sequestro, tortura, assassinato, desaparecimento forçado e ocultação das verdadeiras circunstâncias da morte e outras violações sofridas pelas vítimas listadas na ação. O MPF pede que, a partir disso, que todos os acusados, vivos ou mortos, sejam condenados a ressarcir os danos que as práticas ilegais causaram à sociedade e as indenizações que o Estado brasileiro já pagou às famílias das vítimas, por meio da Comissão de Anistia, entre outras obrigações. No caso dos agentes da repressão que já morreram, os herdeiros pagariam qualquer ordem judicial que envolva reparação financeira e deixariam de receber eventuais pensões.

Segundo vítimas da repressão, Bacuri foi um dos presos políticos que passou mais tempo sob tortura: 109 dias. Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Bacuri passou pelo Dops-SP, DOI-Codi , no Rio de Janeiro e em São Paulo, por uma casa que funcionava como centro de torturas do Centro de Inteligência da Marinha (Cenimar), no Rio de Janeiro, e foi executado em uma cela do Forte dos Andradas, no Guarujá (SP), em 8 de dezembro de 1970. 

Com o apoio de agentes do Instituto Médico Legal de São Paulo, foi forjada pelo Dops uma versão de que Bacuri fora morto num tiroteio em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. O juiz Nelson da Silva Machado Guimarães, da Justiça Militar, foi informado das torturas sofridas por Bacuri, mas as ignorou. Em depoimento à CNV em julho de 2014, ele declarou: “Havia uma guerra. Havia mentiras também. Tempo de guerra, mentira como terra, um velho provérbio, aliás, português. […] nem tudo que o interrogando diz em juízo, o juiz ou o Ministério Público pode sair dizendo: “Ah, ele disse isso. Vamos apurar”. Não há apuração que chegue. E não eram as circunstâncias do momento”, afirmou o juiz, um dos 46 agentes da repressão listados pelo MPF na ação.

A ação contra réus mortos é polêmica

Além de dar cumprimento às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a ação do MPF visa também cumprir recomendações da CNV “para que o Estado brasileiro promova medidas de reparação, preservação da memória e elucidação da verdade sobre fatos ocorridos na ditadura. Os réus foram alvo de investigações do MPF que apontaram a participação direta ou indireta deles em atos de violência cometidos contra 15 vítimas no período”.

Outro objetivo da ação, segundo o MPF, é o reconhecimento da violência de gênero dos órgãos de repressão. “Muitas mulheres envolvidas na luta contra a ditadura foram mães sob condições extremas […] Algumas deram à luz em situações de risco, e suas crianças frequentemente não sabiam suas verdadeiras identidades devido à repressão implacável. A maternidade foi explorada como uma ferramenta de tortura, visando enfraquecer tanto as mães quanto as crianças […] Dito isso, é crucial reconhecer as violações de direitos humanos cometidas contra as mulheres durante esse período e garantir que esses crimes sejam investigados e punidos. A justiça para as mulheres do passado é essencial para a consolidação da democracia igualitária no presente”, afirmou na ação civil a procuradora da República Ana Letícia Absy, autora da ação, protocolada no último dia 28. 

A ação contra réus mortos, porém, é polêmica. Em março, o MPF propôs outra ação do mesmo tipo contra 42 ex-agentes da repressão, mas a juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 6a Vara Federal Cível de São Paulo, rejeitou no último dia 14 de agosto que os pedidos contra falecidos sejam julgados e extinguiu a ação quanto a 24 acusados falecidos. Segundo a magistrada, “a reparação dos danos morais coletivos e de danos sofridos pela coletividade, em virtude de atos de prisão ilícita, tortura e morte” é “personalíssima” e, por isso, não pode ser imputada a herdeiros.

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