Buscar
Nota

Ruralistas apostam em PECs para avançar sobre direitos indígenas no Congresso

4 de março de 2024
14:05

Para fazer avançar suas pautas em relação às demarcações de terras indígenas, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a chamada bancada ruralista, tem apostado na tentativa de modificar a Constituição Federal.

São três as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) em trâmite no Congresso Nacional com a finalidade de alterar a redação do artigo 231, que trata dos direitos indígenas.

Considerada prioritária, a PEC 48/2023 busca estabelecer a data de promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, como marco temporal para as demarcações. 

A tese foi rejeitada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em 21 de setembro de 2023 após anos de julgamento. Mesmo assim, uma semana depois, em meio a uma disputa de poder entre o Legislativo e a Corte, o Senado aprovou a toque de caixa o projeto de lei que trata do tema (PL 2.903/2023), em operação orquestrada pela FPA. No mesmo dia, a frente apresentou no Senado a PEC 48, de autoria do senador Dr. Hiran (PP-RR). 

A matéria aguarda a publicação do parecer pelo relator Esperidião Amin (PP-SC) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa. A assessoria de imprensa do senador informou à Agência Pública que não há previsão para que isso aconteça. Mas, questionado pela reportagem, o líder da bancada, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou ter recebido do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), a garantia de que ele “vai tramitar essa PEC”.

Já a PEC 132/2015, que passou pelo Senado e agora está na Câmara, pretende incluir no artigo 231 a possibilidade de que proprietários de imóveis incidentes sobre terras indígenas sejam indenizados não apenas pelas benfeitorias realizadas na propriedade – por exemplo, a construção de casas ou cercas –, mas também pelo valor do terreno, a chamada “terra nua”. 

A proposta foi aprovada pela CCJ da Câmara em maio de 2016 e desde então estava parada, mas foi resgatada pela FPA no ano passado, depois que o STF retomou o julgamento do marco temporal. Em novembro, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial para discutir a PEC. 

Segundo Lupion, as duas propostas representam uma estratégia da bancada contra a eventual derrubada da Lei 14.701/2023. Oriunda do PL 2.903/2023, ela abarca os pontos centrais das PECs, mas é ameaçada por três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que pedem sua derrubada no STF. Apresentadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por partidos de esquerda (Psol, Rede, PDT, PCdoB e PV), as ADIs argumentam que o marco temporal já foi considerado inconstitucional pela Corte.

“As alterações [propostas] ao [artigo] 231 são a constitucionalização do tema, se houver questionamentos em relação à lei ordinária que nós aprovamos”, disse Lupion a jornalistas na última semana. No contra-ataque às ADIs, PL, Progressistas e Republicanos pedem ao Supremo que declare a validade da lei, por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87. As quatros ações estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Tramita ainda no Senado a PEC 59/2023, que busca transferir para o Congresso Nacional a atribuição da demarcação de novas terras indígenas e a ratificação das já realizadas. Atualmente, o processo de reconhecimento formal dos territórios fica a cargo do governo federal.  

De autoria do senador Carlos Viana (Podemos-MG), a matéria é uma reedição da PEC 215/2000, duramente combatida pelo movimento indígena e arquivada em janeiro do ano passado. Apresentada em novembro de 2023, a proposta aguarda a designação de um relator na CCJ.

A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG), que liderou a mobilização contra o PL 2.903/2023 no Congresso, considera que as PECs são também uma resposta dos ruralistas às críticas de que não seria possível modificar uma determinação constitucional – sobretudo a de que é garantida aos povos indígenas a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas por eles, sem referência a marco temporal – por meio de um projeto de lei.

“Falávamos que era inconstitucional, e agora eles vêm com esse outro formato”, aponta. “Mesmo com as PECs, os direitos indígenas são cláusula pétrea, imexíveis, inegociáveis. É um direito originário. Mesmo antes da Constituição, nas primeiras leis de terras, já se garantia a demarcação dos territórios indígenas.”

As cláusulas pétreas da Constituição se referem, entre outros pontos, a direitos e garantias individuais enunciados pelo texto constitucional. Ministros do STF como Edson Fachin – relator no julgamento do marco temporal – e seu atual presidente, Luís Roberto Barroso, já manifestaram a análise de que os direitos indígenas se enquadram em tal definição.

Por isso, caso as PECs sejam aprovadas pelo Congresso, caberá o questionamento de sua constitucionalidade no Supremo, em mais um capítulo da queda de braço entre Legislativo e Judiciário em relação à pauta indígena, avalia Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e consultora legislativa aposentada da Câmara. 

“Não tenho dúvidas de que a judicialização será imediata e de que as organizações socioambientais ajudarão nessa ação”, destaca.

Edição:

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Notas mais recentes

STF julga suposto “assédio judicial” do governador de Mato Grosso contra jornalistas


Ministério Público de SP investiga contrato contra a dengue da gestão Ricardo Nunes


“Nosso tempo é agora!”: Indígenas cobram Lula, Congresso e STF por demarcações no ATL


O debate sobre a PEC dos militares na política pode ser retomado em maio


Governo e bancada feminina da Câmara tentam aprovar Política Nacional de Cuidados


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes