Uma nota técnica divulgada nesta sexta-feira (26) pela HAY (Hutukara Associação Yanomami) pede o “retorno urgente” das operações de retirada dos garimpeiros na Terra Indígena Yanomami (TIY) e confirma que as Forças Armadas abandonaram totalmente uma barreira e ponto de suprimento de combustíveis que chegou a ter 50 militares.
Segundo o levantamento, a área impactada pelo garimpo dentro do território cresceu 7% no ano de 2023, com um total de 5,4 mil hectares. É um crescimento menor do que o registrado nos anos anteriores, que foi de 54% entre 2021 e 2022. “Porém, este incremento [de 7%] revela também que a atividade ilegal continua operando com intensidade no território”, diz a nota da Hutukara, principal entidade representativa do povo Yanomami e sediada em Boa Vista (RR).
“Até o momento, o governo ainda não apresentou um novo plano para a extrusão dos garimpeiros da TIY. O plano inicialmente apresentado pelo governo atual levaria apenas nove meses para a retirada total (Fase 01: 90 dias; fase 2: 180 dias), e, infelizmente, não logrou sucesso”, diz a nota técnica. No final de janeiro de 2023, o governo Lula declarou uma emergência sanitária e determinou a retirada de então estimados 20 mil garimpeiros da terra indígena. Estima-se que 80% dos garimpeiros tenham saído do território, mas desde o segundo semestre do ano passado registra-se um retorno de grandes proporções.
A Hutukara fez, em novembro passado, uma visita a uma barreira no Palimiu, uma região bastante visada pelos garimpeiros, e encontrou apenas 15 dos 50 militares do Exército que chegaram a atuar no local. “Cerca de uma semana depois, os Yanomami relatam que todos os militares saíram do posto. A informação foi posteriormente confirmada pelo Ibama em reunião com MPF [Ministério Público Federal] pela total retirada das Forças Armadas e as estruturas por eles instaladas (como o plotter, tanque de combustível crucial para logística de operação de qualquer operação de extrusão de garimpeiros)”, informa a nota técnica.
A Hutukara diz que também chamou a atenção das autoridades para “a necessidade de se reocupar rapidamente” o posto de saúde da região de Kayanau com apoio de forças de segurança. Porém, devido à “morosidade da resposta do Estado, a estrutura do posto foi incendiada após um conflito local”.
De acordo com a Hutukara, o conjunto das denúncias encaminhadas pelas comunidades indica que “nas zonas de garimpo ativo dois processos distintos ocorreram em 2023: 1) a resistência de alguns grupos, cuja atividade foi pouco ou nada impactada pelas operações das forças de segurança ao longo do ano; 2) o retorno de grupos para zonas já exploradas, após a diminuição da regularidade e da efetividade das operações no segundo semestre”.
A nota técnica lista seis estratégias utilizadas pelos grupos de garimpeiros para burlar a fiscalização: “a) a mudança de alguns centros de distribuição da logística para focos de garimpo situados em território venezuelano (Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura, Santa Elena); b) uso de novas tecnologias de comunicação para antecipar operações; c) fragmentação e descentralização dos canteiros; d) reativação de canteiros mais distantes dos grandes rios; e) operação no período noturno; f) resistência armada às operações de fiscalização”.
Segundo a Hutukara, passado quase um ano das medidas tomadas pelo governo federal ainda há registros de desmatamento associado ao garimpo em 21 das 37 regiões da terra Yanomami. O sistema de alertas implementado pelos Yanomami confirmou a presença garimpeira em pelo menos 13 dessas regiões. Também foram confirmadas balsas não detectáveis por satélite no Baixo Catrimani.
A nota diz ainda que os “os dados do Greenpeace demonstram que não só o garimpo se manteve ativo durante todo o ano, como após uma redução abrupta de alertas até julho, o número de áreas desmatadas voltou a crescer a partir de agosto”.
O levantamento da Hutukara aponta ainda que pelo menos sete indígenas Yanomami foram assassinados por garimpeiros em 2023.
Em vídeo divulgado pela Hutukara, o líder indígena Davi Kopenawa pediu apoio para a expulsão dos garimpeiros. “Precisamos, autoridade, deputado, senador, ministro que cuida do meio ambiente, Ministério da Defesa, nós, eu preciso do apoio de vocês [para] pressionar o chefe dos garimpeiros, que nunca foi preso, para botar na cadeia. Ele está errado, está fazendo muito ruim para povo indígena brasileiro. Botar na cadeia para aprender a respeitar. Isso está faltando. Matou índio.”
A Hutukara diz na nota que depoimentos coletados no Palimiu e na calha do rio Uraricoera “denotam um sentimento de medo e de terror permanente entre as famílias. O simples barulho dos motores dos barcos em passagem engatilha o trauma coletivo dos ataques de 2021 – quando, durante quase seis meses, famílias indígenas sofreram uma série de ataques perpetrados por garimpeiros ligados ao crime organizado”.
Um morador da região disse à Hutukara: “Eu sou do Walomapi. Nós estamos dormindo mal com muito medo na nossa comunidade. Tenho muito medo. Eles passam, depois de uma semana eu já esqueci um pouco, mas eles passam de novo e todos nós sentimos medo. Meus filhos estão com medo. Eles atrapalham nosso sono, tenho medo de que eles venham atirar na gente, por isso eu não durmo direito. Nós vivemos bem na beira do rio, por isso quando eles passam eu fico com muito medo. Quero poder dormir com silêncio. Aqui no “centro” eles também não dormem bem. Vocês viram? Hoje passaram cinco barcos de manhã. Nós queremos que vocês tragam o silêncio de volta pra nossa floresta”.