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Como influenciador bolsonarista saiu do anonimato para virar candidato a deputado pelo PL

Jouberth Souza recebeu R$ 20 mil do fundo de campanha neste ano e não declarou nenhum gasto

Reportagem
27 de setembro de 2022
12:00
Este artigo tem mais de 2 ano

A relação entre a campanha de Donald Trump para reverter as eleições americanas de 2020 e as redes bolsonaristas foi investigada durante seis meses pela equipe da Agência Pública. Analisamos mais de 23 mil tweets que usaram a hashtag #GoTrumpReeleito para expor uma campanha orquestrada para exportar para o Brasil a narrativa de Trump sobre a fraude nas eleições. Além de trazer apoio internacional à tentativa de subverter o resultado eleitoral nos EUA, a estratégia foi usada para fomentar a desconfiança no sistema eleitoral brasileiro.

Entre os perfis que ampliaram a hashtag #GoTrumpReeleito, o maior influenciador foi Jouberth Souza, um conhecido operador das redes bolsonaristas, com mais de 216 mil seguidores no Twitter. Ele engajou quase 40 mil perfis na campanha pró-Trump, segundo levantamento da Pública. Jouberth tuitou a hashtag 16 vezes e foi o perfil de maior impacto, segundo análise da empresa Tweet Binder. Além disso, em 5 de janeiro de 2021, ele lançou uma nova hashtag chamando seus seguidores para acompanharem as movimentações que terminariam na invasão do Capitólio. “Eu acredito na vitória de Donald Trump. E vocês? #Dia6VaiSerHistorico”, tuitou. A mesma hashtag seria reaproveitada nos protestos de 7 de setembro de 2021, aqui no Brasil, com a hashtag #Dia7vaiSerHistorico. 

Jouberth Honório de Souza, que se autocaracteriza como “jornalista”, embora não exerça essa profissão, é um dos principais propagadores das narrativas do chamado “gabinete do ódio”, grupo que coordena a presença digital do governo Bolsonaro. Hoje, ele é um nó central nas estratégias narrativas do campo bolsonarista. 

Sua ascensão demonstra a evolução dessa rede, que passou a receber volumes cada vez maiores de fundos públicos. Ou seja: ser um “soldado” –  ou “robô com CPF” – de Bolsonaro pode compensar, tanto em capital social quanto financeiramente. 

Reprodução de tweet de Jouberth Souza.

Nó de rede

Nos últimos anos, Jouberth se tornou um nó relevante nas redes bolsonaristas, atuando inclusive como “educador” dos seguidores do presidente. Ao longo de 2019, ele respondeu diversas vezes a conversas no Twitter com um meme que explicava a melhor maneira de utilizar as hashtags para campanhas virais, como, por exemplo, nunca tuitar duas tags ao mesmo tempo nem “usar a tag de adversários”.

Reprodução de tweet de Jouberth Souza.

Além disso, Jouberth aparece frequentemente como o principal insuflador de campanhas digitais do bolsonarismo e do trumpismo. Análise do Media Lab, da Universidade da Virgínia, utilizando a ferramenta HOAXY mostra que ele foi essencial para fomentar hashtags como #BolsonaroReeleito2022, em 21 de abril, e #AbortoNão, em 24 de junho, uma mobilização em apoio à decisão da Suprema Corte americana de mudar seu entendimento do julgamento Roe Vs Wade, extinguindo o direito ao aborto que fora garantido por 50 anos no país. 

Cada nó circular representa uma conta do Twitter. Quanto maior o círculo, mais popular é a conta. A análise mostra Jouberth como a mais ativa nas duas hashtags. As arestas que conectam os nós representam tweets que conectam contas por meio de retweets ou menções. A direção da seta indica o fluxo de informações.

#BolsonaroReeleitoEm2022

#AbortoNão 

Ao mesmo tempo, ele foi se consolidando como um apoiador do trumpismo no Brasil, fazendo muitas vezes a tradução de temas de impacto nos Estados Unidos para o público local. 

Desde 2018, Jouberth tuitou pelo menos 180 vezes o nome de Donald Trump. A primeira vez foi em abril de 2018. Depois da eleição de Bolsonaro em outubro, os tweets foram ficando mais sofisticados, usando mídias e links amplamente divulgados pelas equipes de Bolsonaro e das redes trumpistas. Ele participou ativamente, por exemplo, da campanha para subir a hashtag #BolsonaroTrumpUnited já em julho de 2019. “Simbora fortalecer essa tag”, escreveu. “Façam 3 tweets pra subir mais rápido!”.

Entre as narrativas importadas para o Brasil está a desinformação que associa o coronavírus a uma conspiração chinesa – nessa campanha teriam sido usados até mesmo robôs, como demonstrou a Pública na época. Jouberth publicou um vídeo no qual uma jornalista pergunta por que Trump continua chamando a covid de “vírus chinês” e Trump responde: “Porque veio da China”. Jouberth postou uma versão legendada em português e teve mais de 1.200 interações. 

Durante as eleições americanas de 2020, ele traduziu para o Brasil memes e postagens com desinformação. Por exemplo, em 5 de dezembro, muito depois de já estabelecida a derrota de Trump, ele traduziu uma postagem de um influenciador trumpista com a contagem dos votos “contestados” pela equipe de Trump em seis estados americanos. “Trump precisa de 3 estados!”, escreveu. Teve mais de 200 interações. 

No dia seguinte, ele publicou um discurso do ex-presidente americano e traduziu: “Donald Trump: Sabe quando vamos parar? NUNCA!!! 🇺🇸🇧🇷Não vamos nos curvar. Não vamos nos render. Nós nunca iremos conceder [a vitória]. Nós nunca iremos desistir”. O vídeo teve 6.400 visualizações. 

Jouberth também ajudou a insuflar, aqui no Brasil, a expectativa sobre a marcha de 6 de janeiro, organizada por Trump, que levou à invasão ao Capitólio nos EUA. No dia 6 de janeiro, às 14h32, ele tuitou em inglês: “GO TRUMP! 👊🏻🇺🇸 🦅 #MarchForTrump”, mostrando uma imagem da multidão em Washington. Teve mais de 1.400 interações. 

Quarenta minutos depois, às 15h15 (hora do Brasil), a turba invadiria o Capitólio. 
Antes disso, conforme revelou a investigação da Comissão Parlamentar que investiga a invasão do Capitólio, Trump havia tentado se juntar à turba, mas foi impedido pelos seus seguranças.

A jornada de um carreirista digital 

De figura inexpressiva nas redes sociais, Jouberth trabalhou para conseguir uma centralidade nas redes bolsonaristas que depois se converteria em candidaturas políticas. 

A primeira vez que ele mencionou ou interagiu com a conta de Jair Bolsonaro foi em maio de 2017, quando o então candidato já postava uma pesquisa eleitoral, um ano antes do início oficial da campanha. Jouberth respondeu “TMJ”, sigla para “estamos juntos”. Desde então, foram mais de 1.700 postagens marcando ou respondendo ao presidente. Bolsonaro nunca respondeu. 

Ao mesmo tempo, ele marcou Eduardo Bolsonaro mais de 540 vezes desde 12 de julho de 2017. Com o filho do presidente, teve mais sorte: recebeu 10 tweets de resposta de Eduardo, o primeiro em 12 de outubro de 2019, respondendo a um vídeo do filho do presidente no CPAC, congresso americano de ultradireita, e dizendo “obrigado pela força”, e o segundo em 30 de janeiro de 2020, em resposta a uma postagem propagandeando uma palestra de Eduardo. O político agradeceu mais uma vez. Em outubro de 2020, Eduardo já o chamava pelo nome: “Boa Jouberth!”, respondeu a uma propaganda do candidato para prefeito de Belo Horizonte, Bruno Engler, então pelo PRTB (hoje no PL). 

Jouberth, que mora na pequena cidade de Timóteo, em Minas, chegou a implorar para Jair Bolsonaro segui-lo, em 4 de janeiro de 2019, logo após a posse. “segue eu”, escreveu. Naquela época, ele ainda tinha pouca influência nas redes bolsonaristas. Repetiu ainda o pedido em 20 de abril de 2019.

Em 10 de maio, quando fazia essa campanha pessoal, tinha pouco mais de 21 mil seguidores. Três anos depois, com dez vezes mais seguidores, colocaria a foto do presidente no seu santinho de campanha para deputado federal. 

Para conseguir a atenção da família Bolsonaro, Jouberth não poupou agrados. Algumas das palavras mais repetidas nessas interações são “parabéns”, “excelente” e “grande dia”. E ainda votos de feliz aniversário e orações.  

No dia 21 de março de 2019, publicou várias fotos de Bolsonaro com os filhos e deu parabéns para ele. “Parabéns Presidente @jairbolsonaro Muitos anos de vidas e muita sabedoria pra guiar esse país! Felicidades 🎉🎊🍾”. Recebeu mais de 400 likes. E publicou um meme no mesmo dia, em resposta ao próprio presidente. “#ParabénsBolsonaro. Deus continue te abençoando e te dando sabedoria! 🙌🏻🙏🏻”

Finalmente, em 16 de janeiro de 2020, ele recebeu o selo de “superfã” de Eduardo e Jair Bolsonaro e postou orgulhosamente a imagem: “Muito feliz em receber os selos! Porém, melhor que receber o selo de super fã é ter a certeza que estamos no caminho certo apoiando esse cara e sua família que lutam por um 🇧🇷 melhor!!. Fizemos “Aliança” pelo Brasil, junte-se a nós!! Forte abraço, @BolsonaroSP @jairbolsonaro”. 

Reprodução de tweet de Jouberth Souza.

Auxílio Emergencial e Fundo de Financiamento de Campanha   

Hoje em dia, Jouberth não é mais apenas um apoiador assíduo de Bolsonaro. Ele funciona como uma conta replicadora de propaganda oficial do governo, retuitando desde vídeos com pronunciamentos do presidente sobre o aumento da produção de trigo até, por exemplo, ajudando a trazer visibilidade ao decreto eleitoreiro de Bolsonaro que obriga postos de gasolina a mostrar o valor dos combustíveis antes de ele decretar um teto para o ICMS. “A gasolina baixou na sua cidade? Coloca aqui quanto está pagando o litro na sua cidade. 👇🏻👇🏻”, chamou os seguidores em 7 de julho. Recebeu quase 2 mil interações. 

Durante a viagem do presidente e da primeira-dama para o funeral da rainha Elizabeth II, ele chamou os apoiadores para elogiarem Michele Bolsonaro. 

Reprodução de tweet de Jouberth Souza.

Segundo dados do Portal da Transparência, embora peça que seus seguidores o apoiem doando via Pix, Jouberth recebeu um total de R$ 4.950 de Auxílio Emergencial em 14 parcelas, entre abril de 2020 e agosto de 2021. 

Em outubro de 2020, Jouberth candidatou-se ao cargo de vereador em Timóteo, cidade onde mora, no interior de Minas Gerais, pelo PSC, partido da base de governo de Jair Bolsonaro.   

A Pública apurou que Jouberth seguiu recebendo Auxílio Emergencial mesmo enquanto estava concorrendo ao cargo de vereador. 

O total arrecadado por Jouberth para aquela campanha, segundo os dados disponibilizados pela campanha, foi de cerca de R$ 1 mil, incluindo R$ 840 de financiamento coletivo. 

Com mais de 200 mil seguidores no Twitter e 15 mil no Instagram, a campanha foi um fracasso: ele teve apenas 111 votos.  

Mesmo assim, Jouberth seguiu na carreira política e acompanhou Bolsonaro na troca de partidos. Em 2022, candidatou-se a deputado estadual pelo PL, mesmo partido do presidente. Dessa vez, recebeu R$ 20 mil do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Até 27 de setembro, não havia declarado nenhum gasto, o que indica uma irregularidade, uma vez que o prazo para declaração parcial de bens era até 13 de setembro. 

Não declarou também nenhum bem (em 2020, ele declarou apenas uma moto Bros Mix, no valor de R$ 5.500).

Assim como Jouberth, outros influenciadores bolsonaristas também receberam Auxílio Emergencial. É o caso do casal Agacy Vieira de Melo Júnior e Micarla Rocha da Silva Melo, que comandam o site Terra Brasil Notícias, que, sediado em Mossoró (RN), conta com 200 mil seguidores em suas redes sociais.

Segundo levantamento do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o site é o mais compartilhado no WhatsApp e no Telegram bolsonarista. O empresário Cássio Joel Cenali, que recentemente gravou vídeo negando marmita para uma senhora eleitora de Lula enquanto fazia campanha por Bolsonaro em Itapeva (SP), também recebeu Auxílio Emergencial.   

Procurado pela reportagem da Pública, Jouberth Souza não respondeu às perguntas enviadas por e-mail e Instagram, mas afirmou “creio que a senhora endereçou suas perguntas à pessoa errada. Queria, por gentileza, melhor averiguar suas fonte [sic] de pesquisa”. Encerrou a mensagem desejando: “Boa sorte e vote consciente por um Brasil livre, pujante, cristão e patriota 🇧🇷”.

*Colaborou Matheus Santino

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