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Reportagem

As conversas da embaixada com a ministra Dilma

Documentos detalham encontros de Rousseff com diplomatas quando era ministra Minas e Energia para discutir o marco regulatório da energia elétrica

Reportagem
27 de junho de 2011
14:00
Este artigo tem mais de 13 ano

O governo americano esteve profundamente interessado no debate sobre o marco regulatório do setor elétrico, discutido em 2003 e implantado no ano seguinte, logo no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Antes de as medidas provisórias 144 e 145/03 serem assinadas, diplomatas e representantes dos EUA receberam na embaixada a então ministra de Minas e Energia, atual presidente da República, Dilma Rousseff, como revelam documentos do WikiLeaks obtidos pela Agência Pública.

Os telegramas apresentam Dilma como uma figura “determinada”, “confiante” e “orgulhosa da transparência” empregada na discussão do novo modelo proposto pelo Executivo federal. São descritos dois encontros pessoais e um telefonema. Houve ainda, segundo os documentos, um almoço privado entre a ministra e o embaixador, mas o que foi tratado não é detalhado.

Os documentos revelam também que a embaixada atuou diretamente em nome das multinacionais americanas NGR e Duke Energy – essa reclamava estar sendo “preterida” pela divisão entre geração de energia “nova” – relativa a contratos assinados após a entrada em vigor das mudanças legislativas no setor – e energia “velha”.

Ceticismo

No dia 4 de setembro de 2003, uma mensagem assinada pela então embaixadora Donna Hrinak descreve audiência com seis representantes da estrutura diplomática norte-americana com Dilma e o “vice-ministro” Mauricio Tolmasquim para duas horas e meia de apresentação sobre o modelo que o Palácio do Planalto queria implantar. O atual presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) era, à época, secretário-executivo do ministério.

Dilma falou sobre o cenário em vigor e a perspectiva com as mudanças previstas. A então ministra descreveu o modelo energético que ainda vigorava, implantado na década de 1990, como falho por não ter reduzido preços, e por não ter estimulado a expansão, nem trazido segurança para investidores. Segundo ela, o modelo havia contribuído para a crise financeira do Brasil de 1998 em diante.

O novo modelo pretendia retomar o “conceito de serviço público” como princípio básico do gerenciamento do setor, explicou Dilma. Os contratos seriam respeitados e almejava-se criar um cenário transparente e mais definido para atrair investimentos.

Porém, a meta de ter o novo regime em funcionamento em janeiro de 2004 é taxado como “irrealista” pela embaixadora, devido aos entraves do Legislativo brasileiro. De fato, a medida provisória editada no fim de 2003 foi aprovada definitivamente pelo Congresso Nacional em maio de 2004.

“O tão aguardado modelo energético já escorregou para algo bem mais modesto em relação ao ambicioso prazo para sua introdução”, comenta a embaixadora. “Dito isso, a maior parte da indústria e o governo tenderiam a concordar que é mais importante fazer bem feita a mudança do que rapidamente. E o lado positivo é que parece que os atores do setor privado estão sendo consultados e tendo a chance de opinar no refinamento do modelo”, descreve Hrinak.

Queixas da Aneel e do setor privado

As principais mudanças previstas envolviam centrar a definição de políticas no Ministério e tirar poder de regulação da Agência Nacional de Elergia Elétrica (Aneel). A agência era vista pelo governo como excessivamente ligada e favorável ao mercado.

Em outro telegrama, Cristiano Amaral, então superintendente de Fiscalização dos Serviços de Geração da Aneel, critica o modelo defendido pelo governo.

Nomeado em 1998, ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Amaral permaneceu no posto até 2005. Atualmente é vice-presidente da Associação Brasileiro dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape).

Na conversa com a agência norte-americana para investimentos internacionais de empresas privadas (Opic, na sigla em inglês) e com uma delegação de multinacionais, Amaral sugere que havia pouca certeza sobre o grau de confiabilidade do novo modelo. Isso porque 80% da geração permanecia submetida à estatal Eletrobras. “Até o presente momento, é difícil dizer se é seguro investir”, recomendou o superintendente. “Mesmo a construção sob algumas das concessões existentes de hidroelétricas pararam”, descreveu.

“O tom da crítica de Amaral ao modelo energético por ter sido ocasionado por tensões decorrentes dos esforços do governo brasileiro para reformar as agências reguladoras”, pondera Donna Hrinak. “A substância das críticas, no entanto, atingem o alvo (…). Baseado no que se viu até o momento, o novo modelo energético parece incapaz de atrair novos investimentos significativos em um setor tão crucial.”

Nos documentos há ainda relatos de conversas com diversos representantes da indústria de energia. Mauro Jardim Arce, secretário de Energia de São Paulo, foi o único a defender a necessidade de barrar o plano do governo a qualquer custo e o presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica, Cláudio Sales, mostrou-se preocupado. Além de criticar os “acadêmicos” que “enviezaram” o modelo politicamente, ele fala em “loucura” do novo modelo, por desconsiderar o momento vivido à época. Ele ainda sustenta que suas queixas teriam apoio de Antonio Palocci, então ministro da Fazenda – que estaria, segundo ele, articulando revisão do modelo tarifário.

Lobby

Em um telegrama de novembro de 2004, assinado por Phillip Chicola, então ministro-conselheiro da diplomacia dos EUA no país, revelam-se detalhes de um telefonema de cortesia a Dilma, quando o novo modelo já estava em operação.

Chicola foi direto ao cobrar uma dívida da Petrobras com a norte-americana NGR pela compra da Termorio em 2003. A aquisição demorou mais de um ano para ser quitada, e envolveu ação judicial até o pagamento de US$ 80 bi em 2004. Além disso, Chicola repassou críticas ouvidas de filiais de empresas norte-americanas do setor elétrico.

A Duke Energy, que opera oito usinas no rio Paranapanema (divisa entre Paraná e São Paulo), havia se queixado da divisão do mercado de energia em “velha” e “nova”, com regras diferentes e vantagens para estas últimas.

“Rousseff acredita firmemente que o Estado deve atuar em um papel central para organizar os mercados”, diz Chicola. “A respeito ao novo modelo, Rousseff e o ministério repetidamente respondem às críticas tanto da indústria como da Aneel com a mesma resposta pronta que deu ao embaixador”.

Os documentos são parte de 2.500 relatórios diplomáticos referentes ao Brasil ainda inéditos, que foram analisados por 15 jornalistas independentes e estão sendo publicados nesta semana pela Agência Pública.

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