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Em Várzea Grande, cidade vizinha a Cuiabá, moradores do bairro da Manga se surpreendem com remoção e se queixam de termos de acordo com a SECOPA

Reportagem
7 de maio de 2013
09:00
Este artigo tem mais de 10 ano

Vizinha a Cuiabá, a cidade de Várzea Grande (MT) é considerada pelo governo estadual um local estratégico para a realização da Copa do Mundo no Mato Grosso. O município, cidade satélite da capital, vai receber o COT (Campo Oficial de Treinamento) do Pari, local de treinamento para as seleções durante a Copa de 2014, e também se prepara para ajudar a capital mato-grossense a receber os turistas que pretendem assistir aos jogos da Copa na Arena Pantanal.

Para facilitar o fluxo entre Cuiabá e Várzea Grande, o governo do Mato Grosso firmou um termo de cooperação com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) em 8 de dezembro de 2011, que resultou em uma verba de R$ 165,7 milhões para realizar 15 obras de ligação entre os municípios. A construção do Viaduto Dom Orlando Chaves, orçada em R$ 16,7 milhões, é uma delas. O objetivo é ligar a avenida Orlando Chaves (continuação da avenida Miguel Sutil, que vem desde Cuiabá) à avenida da FEB, em Várzea Grande. No meio do caminho, porém, estão cerca de 36 imóveis do Bairro da Manga que serão removidos para a construção da ponte.

Além de abrigar famílias, alguns desses imóveis são comerciais, destinados aos pequenos negócios de onde moradores tiram seu sustento. Alguns imóveis estão há mais de 30 anos no local. “Eu moro com a minha mãe desde que eu nasci, parceiro. Ajudei a construir aquela região. E minha mãe é uma mulher doente, tá cheia de problema de saúde. Vai para aonde agora?”, questiona o vigia Claudio Vernique, de 32 anos, todos eles vividos no Bairro da Manga.

Os tratores já estão bem próximos aos quintais das pessoas; as obras foram aceleradas recentemente para compensar o atraso do cronograma, constatado pelo último relatório do TCE (Tribunal de Contas Estadual) do Mato Grosso. Segundo o órgão, a obra se encontra atualmente com 8,64% de execução, bem abaixo dos 32,5% que eram esperados para o empreendimento a essa altura do campeonato. O relatório também já aponta um atraso de 90 dias na construção do viaduto com data marcada para entrega no dia 22 de setembro deste ano.

Algumas famílias começaram a deixar o local na última sexta-feira. A SECOPA (Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo) do Mato Grosso diz não saber ao certo quantas famílias estariam sendo reassentadas, confirmando apenas o número de imóveis e proprietários. Mas o impasse em relação à indenização dos moradores permanece.

Solução amigável?

A obra do viaduto Dom Orlando Chaves começou em janeiro deste ano. Em setembro do ano passado, quando foi iniciada a mobilização na região para preparar o terreno para as obras, a SECOPA procurou os moradores do Bairro da Manga para uma solução negociada com relação às desapropriações necessárias no local. O acordo amigável seria entregar a indenização aos moradores mediante a apresentação de todos os documentos dos imóveis atingidos. Muitos, porém, tinham débitos ou não estavam com a documentação em dia.

Para poder receber o dinheiro em mãos, Vernique e sua família, por exemplo, precisavam quitar o IPTU de sua casa. Ele recorreu então a um empréstimo bancário para pagar a dívida e ter direito à indenização. Empréstimo feito, imposto quitado, ele então voltou à SECOPA. “A gente legalizou, deixou tudo em dia, tudo certo. Aí na hora que nós levamos lá os documentos e pedimos o dinheiro eles falaram: ‘Não, o depósito já foi para juízo’”, afirma. “Fizeram isso sem nos avisar !”.

Com o depósito feito em juízo, os moradores precisam contratar advogados ou procurar defensores públicos, e esperar pela indenização. Até lá, ficam sem casa, ou sem o imóvel de onde tiram o sustento. O governo não ofereceu nem aluguel social nem outras alternativas para que eles se acomodem até receberem o dinheiro, mesmo depois que uma comissão de 12 moradores foi uma SECOPA para tentar a dita solução amigável.

“Eles não têm os documentos suficientes. Não deu para ser feito o acordo amigável e aí nós fizemos o depósito em juízo”, afirma o secretário Maurício Guimarães, responsável pela pasta da SECOPA, que diz ter depositado cerca de R$ 4,6 milhões em juízo. “Para fazer um acordo amigável, eu tenho uma série de obrigações adicionais; em juízo isso é um pouco mais fácil do ponto de vista de documentação, o juiz pede o levantamento do recurso e depois autoriza o recebimento”, afirma o secretário.  Apenas um proprietário fez o acordo amigável. Segundo a SECOPA, os demais não fizeram por não estarem com a documentação em dia.

“Mais fácil para quem?”, questiona Vernique. “Só se for para eles, porque para a gente não é fácil não. Eles usaram de malandragem com a gente, depositaram tudo para a justiça e agora só Deus sabe quando a gente vai receber…” A SECOPA diz que alguns moradores preferiram receber em juízo.

O secretário Guimarães também disse à Pública que a SECOPA disponibilizou dois defensores públicos para auxiliar os moradores a receberem as indenizações em juízo. Contudo, eles estão sobrecarregados. Em toda a cidade de Cuiabá serão necessárias nada menos do que 600 desapropriações para a realização da Copa.

Por isso, Vernique preferiu contratar um advogado. “Com a Defensoria estava difícil. Já me afastei do meu emprego para ajudar a minha mãe, estamos endividados porque quitamos o IPTU para receber da SECOPA e estou pagando o advogado porque preciso receber esse dinheiro”, afirma o morador. “E o meu advogado já me avisou que vai demorar até eu colocar as mãos nesse dinheiro.”

Mais contradições

Outras afirmações feitas pelo secretário à Pública também foram contestadas pelos moradores do Bairro da Manga e pelos movimentos sociais. Segundo Guimarães, o valor das indenizações foi definido pela SECOPA a partir de laudos produzidos por uma empresa especialista em avaliação de imóveis, laudos que teriam sido entregues às famílias posteriormente.

No entanto, o Comitê Popular da Copa em Cuiabá, que está em contato com os moradores do bairro, nega que os laudos tenham sido entregues às famílias. “Não recebemos nada disso também não”, conta o vigia Claudio Vernique referindo-se à sua casa.

Outro ponto contestado é de que a comunicação sobre as desapropriações tenha sido feita de maneira clara, como alega o secretário. “Não acho que as coisas foram bem explicadas para os moradores”, diz Caio Bruno, do Comitê Popular. “Por exemplo: uma moradora me disse que chegou um homem no bairro pedindo para ela assinar alguns papéis e que ela não sabia do que se tratava. Ela até me perguntou: ‘Como chega um homem do governo me pedindo para assinar uns papéis e eu vou negar?’”

“Foi isso mesmo que aconteceu. São pessoas simples, humildes. Várias não sabem ler nem escrever”, confirma Vernique.

O secretário Guimarães rebate: “Isso é uma visão de quem está com o problema, né? É uma forma das pessoas estarem buscando apoio, defendendo os seus pontos de vista. Como que não é informação clara se foi feito o cadastro do imóvel dele, se foi apresentado para ele o valor, se ele entregou o documento, se foram feitas reuniões! Nós sempre tratamos isso de forma muito clara, transparente, e nunca nos furtamos em hora nenhuma de prestar as informações aos moradores”, diz.

Vários moradores, porém, se queixaram de falta de diálogo com o governo e disseram ao Comitê Popular da Copa não ter compreendido direito a situação à época em que foi comunicada a necessidade deles saírem. Daí a surpresa, na semana passada, com a chegada das ordens judiciais para que deixem suas casas.

“Chegou a ordem aqui para mim e eu tenho cinco dias. Cinco dias para sair. Agora me diz, para onde eu vou com cinco dias de prazo? Eu vou ficar morando aonde?”, questiona o vigia Carlos Vernique.

Para o secretário Guimarães, porém, foram os moradores que “se acomodaram” e não buscaram “alternativas” para viver depois de expulsos de suas casas.

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