Avenida das Américas 10001, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, estação do novo BRT Golfe Olímpico. Em meio a quatro pistas para carros, em um pequeno canteiro, embaixo da única árvore, está instalado o movimento “Ocupe Golfe”, exatamente em frente aos estandes de venda do empreendimento da RJZ Cyrela, o “Riserva Golfe – Vista Mare Residenziale”.
“O sol nasce para todos, mas não com essa vista” é um dos slogans do “Riserva Golfe” em sua página na Internet. “Ter um campo de golfe como se fosse a entrada de sua própria casa”, continua, reforçando o privilégio dos futuros moradores: “Em nenhuma outra grande metrópole mundial você terá o privilégio de viver em frente ao mar, à lagoa, à vegetação deslumbrante da Reserva de Marapendi e ainda contar com o futuro Campo de Golfe Olímpico no seu horizonte”.
Identificada como jornalista, a repórter da Pública teve o acesso negado aos estandes da Cyrela. De fora, dava para ver as pessoas bebericando champagne enquanto assistiam à apresentação do empreendimento composto por 23 edificios de luxo, cada um deles com 22 andares. Para fazer o campo de golfe – “no horizonte” do “Riserva Golf”-, a prefeitura do Rio de Janeiro reduziu a área de proteção ambiental do Parque de Marapendi, através da Lei Complementar Municipal 125/2013, e a cedeu à construtora. Sem realizar licenciamento ambiental.
E essa não é a única polêmica que enfrenta o Campo de Golfe Olímpico, alvo de duas ações movidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. A primeira contestação nasceu de uma pergunta óbvia: era realmente necessário fazer um novo campo de golfe em uma cidade que já tem dois campos de golfe? Um deles, aliás, o Itanhangá Golf Club, também fica na Barra da Tijuca e é considerado “um dos 100 melhores campos do golfe mundial” de acordo com a revista Golf Digest. É nesse campo de 27 buracos que são realizadas todas as grandes competições internacionais de golfe.
Parecia lógico, portanto, que em vez de construir outro campo fossem feitas as adaptações necessárias no Itanhangá, respeitando inclusive o compromisso do Comitê Olímpico Internacional (COI) de buscar soluções econômicas e ecológicas para organizar o evento. Mas o Itanhangá Golf Club sequer foi procurado pelo Comitê Olímpico Internacional como revelou seu presidente, Alberto Fajerman, em uma carta à prefeitura do Rio, agora publicamente conhecida.
Questionado pela Pública, o assessor de imprensa do COI, Philip Wilkinson, respondeu laconicamente em inglês: “Simplemente não havia possibilidade de usar nenhuma instalação existente”. Por que?, insistimos. “Foi uma decisão técnica baseada em um relatório que não posso divulgar”. Philip Wilkinson também não esclareceu se o Comitê Olímpico sabia que o campo de golfe seria construído sobre a reserva ecológica de Marapendi. “Isso não contradiz as novas regras do COI que prometeu fazer um evento sustentável do ponto de vista ambiental?”, perguntamos. Resposta: “I can’t answer” (não posso responder ).
Famílias sem água, campo de golfe irrigado
A destruição da reserva é o principal motivo do protesto dos movimentos “Golfe para quem?” e “Ocupa Golfe”, este instalado no canteiro central da avenida, com uma barraca para dormir à noite, quatro cadeiras e algumas coisas para cozinhar. Apesar de algumas investidas da guarda municipal, o acampamento se mantém desde o dia 6 de dezembro do ano passado. “A ocupação é difícil, principalmente quando chove porque alaga tudo”, explica Flavia, estudante de 23 anos. Alguns carros passam com gente xingando: “vagabundos”; outros expressam apoio buzinando.
“Com certeza os que nos apóiam estão sem água em casa”, comenta o ocupante Rafael, 21 anos, que deixa o acampamento nos finais de semana para trabalhar como garçon na Baixada Fluminense.
No final de janeiro, o movimento contra o golfe participou de um protesto contra a falta de água em frente à sede da CEDAE, no Recreio dos Bandeirantes, a alguns quarteirões dali. Vizinhos do campo de golfe dizem que estão sem água e reclamam que a CEDAE só manda um caminhão-pipa a cada 45 dias, o que é insuficiente para abastecer as famílias. A injustiça maior, dizem, é que enquanto eles estão sem água , a irrigação é permanente – 24 horas por dia– no futuro gramado do campo de golfe.
Flavia nos levou até a entrada do campo de golfe de onde se vê o equipamento de irrigação. Os pedreiros dos prédios ao lado confirmaram que a irrigação é contínua, mas não souberam dizer de onde vem a água. Tampouco a assessoria de imprensa da prefeitura. A construtora RJZ Cyrela negou-se a dar entrevista. Tentamos, então, falar com a empresa responsável pelo projeto do campo de golfe nos Estados Unidos, a Hanse Golf Design. Mas a empresa disse que só falaria com a Pública se a matéria tivesse pontos “positivos”. “Se for para falar coisas negativas, não vamos comentar”, disse
Tom Naccarato, o porta-voz da empresa. Infelizmente, falar sobre a água, foi considerado por ele uma “coisa negativa”. Ele desejou boa sorte e ofereceu um conselho: “Pessoalmente, sugiro que vocês mostrem o lado positivo dos jogos, como foi feito aqui em Los Angeles em 1984, considerada a Olimpíada mais exitosa de todos os tempos. Vamos superar Los Angeles no Rio! Porque os Jogos Olímpicos são sobretudo o espírito, a unidade e a amizade. Medalhas de ouro para todos!”
Medalha de ouro para…
Em 7 de março de 2012, quando o prefeito Eduardo Paes apresentou o futuro Campo de Golfe Olímpico, prevalecia o espírito exaltado por Tom: tudo parecia maravilhoso. O prefeito anunciou que o novo campo de golfe, que seria aberto ao público depois da competição, não custaria um tostão aos cofres públicos. “Vamos economizar 60 milhões de reais” disse o prefeito.
Segundo James Francis Moore, especialista em construção de campos de golfe nos Estados Unidos, um campo que custa 10 milhões de dólares, cerca de 30 milhões de reais é considerado de qualidade muito alta. Com preço duas vezes maior, medalha de ouro para o Rio!, como queria Tom.
Não que falte ouro nessa história. A construtora RJZ Cyrela pode ser orgulhar de haver feito um negócio fenomenal já que em troca de um campo de golfe para os Jogos Olímpicos, obteve autorização para construir 23 edifícios. E de 22 andares – enquanto as construções vizinhas estão limitadas a seis andares – com vista livre para o mar…
Fazendo um cálculo a partir do preço por m2 no bairro, o movimento “Golfe para quem?” chegou a uma receita de um bilhão de reais para a construtora em troca dos tais 60 milhões de investimento no campo de golfe. O suficiente para que o Ministério Publico de Rio de Janeiro (MPRJ) abrisse um inquérito no início deste mês para “verificar se o benefício concedido ao particular foi excessivo se comparado à contrapartida exigida pelo município, o que geraria dano ao erário e feriria os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência administrativas”.
Esta foi a segunda ação judicial promovida pelo MPRJ: a primeira, em agosto do ano passado, foi movida por “dano ambiental”. Segundo o MPRJ, todas as licenças, mudanças na lei, e decretos da prefeitura para possibilitar a construção na área da reserva são totalmente ilegais. O futuro do Campo de Golfe Olímpico agora está nas mãos da Justiça.
Para o biólogo Marcelo Mello, integrante do movimento “Golfe para quem?”, não há dúvida de que “o prefeito é responsável por um crime ambiental contra a Mata Atlântica, um patrimônio nacional que também é tombado pela UNESCO, que declarou a Mata Atlântica como Reserva da Biosfera da Humanidade. Eduardo Paes, que atualmente é presidente do C40, uma organização de cidades preocupadas com o meio ambiente, destruiu a natureza para beneficiar uma empresa. Um esquema que qualifico de criminoso e corrupto”. Veja aqui as respostas da Prefeitura do Rio.
A organização de Marcelo também calculou o gasto de médio de água para irrigar o campo de golfe: 1, 8 milhões de litros de água diários. O cálculo se baseou em uma pesquisa sobre campos de golfe: “Nos países úmidos se gasta 1,5 milhões de litros e nos países quentes mais de 2 milhões de litros por dia, então chegamos a esse número de 1,8 milhões de litros para Rio”. Mas, segundo outro estudo sobre uso de água, este realizado em 2012 pelo Senado francês, um golfe de 18 buracos pode gastar até 5 milhões de litros de água diários, o suficiente para abastecer uma população de 30 mil pessoas.
Enquanto andávamos pelas cercanias do campo de golfe, vimos vários caminhões pipa que, segundo Flavia, do movimento “Ocupa golfe”, “vem aqui todos os dias”. Enquanto isso, os moradores vizinhos recebem um caminhão pipa a cada 45 dias.
Não se sabe ainda se e como a seca afetará os Jogos Olímpicos do ano que vem. Por enquanto, o campo de golfe continuará consumindo diaramente 1,8 milhões de litros de água, pelos cálculos mais conservadores. E será utilizado apenas oito dias durante os Jogos Olímpicos. A competição prevê quatro dias de jogos para os homens e quatro dias para as mulheres.