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Entrevista

Pacote anticorrupção não enfrenta desvios nas estatais

Para Jorge Hage Sobrinho, ex-ministro da CGU, medidas não vão permitir uma fiscalização permanente das empresas

Entrevista
29 de novembro de 2016
09:00
Este artigo tem mais de 8 ano
O ex-ministro da CGU, Jorge Hage Sobrinho, acredita que as medidas contra a corrupção poderiam avançar mais
O ex-ministro da CGU, Jorge Hage Sobrinho, acredita que as medidas contra a corrupção poderiam avançar mais. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Jorge Hage Sobrinho conhece bem as dificuldades de se investigar desvios na máquina pública. Ministro da Controladoria-Geral da União, o órgão federal anticorrupção, entre 2006 e 2014, ele critica o projeto das 10 medidas contra a corrupção (PL 4850/2016) por não endurecer a fiscalização nas estatais. Se a iniciativa for aprovada pelo Congresso sem mudanças, a Petrobras e outras empresas que estão no centro das investigações da Operação Lava Jato vão continuar sem o mesmo padrão de controle interno e transparência do resto da administração pública.

Em setembro, quando esteve na comissão especial que discutiu as 10 medidas na Câmara, Hage analisou todos os pontos do projeto. Dentre os que reprovava, foi eliminado do texto final o teste de integridade, que, segundo disse o ex-ministro aos deputados, poderia gerar um “estado policial de terror” – problema também apontado por outros críticos. Também foram retiradas do texto definitivo a restrição ao habeas corpus e a validação de provas ilícitas. “O que havia de pior”, afirma.

O projeto ainda precisa ser votado pelo plenário da Câmara e pode passar por modificações – como a inclusão da anistia ao caixa 2. Se aprovado, segue para o Senado. Outras iniciativas semelhantes já naufragaram nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Leia, a seguir, a entrevista que o ex-ministro concedeu, por e-mail, à Agência Pública.

Não é a primeira vez que o Congresso analisa um pacote anticorrupção. O PL 4850/2016 será, finalmente, uma resposta dos congressistas ao tema?
Trata-se de mais um episódio cíclico, semelhante a tantos outros ocorridos em ocasiões de maior pressão sobre o nosso Congresso. Nada autoriza crer que a qualidade da nossa representação política tenha mudado para melhor, é claro. Mas o que importa, objetivamente, é aproveitar esses momentos de pressão da opinião pública – e também da “opinião publicada”, pois, no caso, ambas são úteis – para obter avanços no quadro normativo-legal. Agora, isso não significa que esse “pacote” vá resolver tudo o que é preciso fazer para enfrentar a corrupção. Obviamente não vai. Nem mesmo que ele vá atender a todas as medidas legislativas necessárias, para não falar nas outras coisas, não legislativas.

O que justifica o aparente avanço do pacote desta vez?
O que explica o aparente avanço, provavelmente maior desta vez do que em outras, é o clima geral de alta pressão e cobrança que se observa, decorrente de tudo que aí está.

A Operação Lava Jato revelou um esquema bilionário de desvio de recursos da Petrobras, com ecos em outras estatais. O pacote anticorrupção inclui alguma medida que possibilite maior eficiência na fiscalização destas empresas?
Pela leitura que pude fazer até aqui das diversas versões [do PL 4850/2016], o pacote chamado de “10 medidas” não me parece trazer nada de relevante especificamente voltado ao problema das empresas. Para mim, parece fundamental, para reduzir os riscos de corrupção nessa área, que se adote um conjunto de medidas que nem este pacote, nem a recente Lei das Estatais cuidou de enfrentar. Tais medidas incluiriam a adoção de programas eficazes de compliance [comprovação de que seguem as regras] anticorrupção dentro dessas empresas; a alteração das regras que limitam a transparência e o acesso à informação nessas empresas – inclusive a Lei 12.527 [Lei de Acesso à Informação] – e a criação de sistemas informatizados de dados dessas empresas, acessíveis aos órgãos centrais de controle, como a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União. Isso permitiria um monitoramento permanente, semelhante ao que já se construiu sobre a administração direta e autárquica – embora não idêntico, é claro, tendo em vista sua maior autonomia e sua natureza jurídica de direito privado.

Em 6 de setembro, quando participou de audiência pública na comissão especial das 10 medidas, o senhor sugeriu uma série de modificações pontuais ao projeto. Chegou a analisar o texto final aprovado?
Não cheguei a analisar ainda o novo texto – são tantas as idas e vindas… Mas, pelo que tenho lido, tranquiliza-me saber que pelo menos o que havia de pior no pacote foi excluído: as provas ilícitas “de boa fé”, as restrições ao habeas corpus, a previsão adicional e muito aberta para a prisão preventiva e o famigerado teste de integridade generalizável administrativamente.

O principal entrave à aprovação do PL 4850/2016 no dia 24 de novembro foi a tentativa de incluir no texto a anistia ao caixa 2. Acredita que há respaldo jurídico e político para tal anistia se concretizar?
Respaldo jurídico é claro que não há. Já político, claro que existe o risco de ser aprovado, pois o governo tem ampla maioria parlamentar e muitos de seus paladinos estariam entre os mais encrencados. Além disso, a manobra interessa diretamente à maioria da classe política parlamentar. Parece-me muito difícil, tecnicamente, mas pode ser que encontrem uma fórmula [pró-anistia] que não seja passível de ser derrubada no Judiciário.

Que outras medidas, legislativas ou não, o senhor defenderia como urgentes para que se tenha mais abrangência e eficiência no combate à corrupção?
Alguns itens da sempre lembrada e adiada reforma política. Eu priorizaria a revisão do sistema partidário e do sistema de financiamento de campanhas e partidos. Além disso, a revisão e reavaliação do sistema de foro por prerrogativa de função; a busca de novas medidas de agilização dos processos judiciais (além das já proposta pelo MP); a consolidação, em decisão vinculante do Supremo [Tribunal Federal] (se não em lei) da possibilidade da prisão após julgamento em segundo grau; novos mecanismos de controle interno – inclusive programas de compliance anticorrupção – e controle externo nas empresas estatais, e novas regras sobre transparência para essas empresas; o estímulo à adoção de programas de integridade (compliance anticorrupção) nas empresas privadas; a revisão das normas sobre licitações; a redução dos cargos de livre provimento na administração pública; a adoção de medidas educacionais relativas à ética e à cidadania; a promoção de campanhas públicas nas mídias contra a corrupção; a aprovação da PEC 45/2009, tornando padrão o modelo da CGU para as Controladorias Estaduais, com servidores de carreira estáveis; o fortalecimento dos Conselhos Sociais nos municípios; a regulamentação do lobby e o aprofundamento das medidas de transparência, ativas e passivas, nos estados, municípios e nos poderes Legislativo e Judiciário e Ministério Público, ao menos nos padrões já implementados no governo federal.

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