A aprovação de uma intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro provocou debates intensos no Congresso e dominou o noticiário. Na segunda-feira (19) ocorreu a votação na Câmara dos Deputados do decreto do presidente Michel Temer (MDB) que colocou o general Walter Souza Braga Netto no comando das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros e da administração penitenciária no estado. A aprovação ocorreu por 340 votos a 72, com uma abstenção, e foi referendada no dia seguinte pelo Senado, por 55 a 13, com uma abstenção.
O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública – analisou seis frases ditas pelos deputados federais em seus discursos a favor ou contra a intervenção. Em seus argumentos, os parlamentares usaram dados sobre o aumento da violência no Rio, questionaram o custo de operações militares realizadas no passado, discutiram o efetivo das polícias e mencionaram pesquisas de opinião pública sobre o tema. Veja o que há de verdadeiro, falso e exagerado nas afirmações verificadas.
“Em pesquisa realizada ontem (18), 94% da população do Rio de Janeiro aprovou a intervenção.” – Simão Sessim (PP-RJ), deputado federal.
Ao justificar o seu voto a favor da intervenção, o deputado federal Simão Sessim (PP-RJ) afirmou que 94% da população do Rio de Janeiro apoia o medida de Temer. A pesquisa em que ele se baseou, contudo, não foi uma consulta feita por amostragem com uma parcela representativa dos moradores do estado. A frase é falsa.
O Truco entrou em contato com a assessoria de imprensa do parlamentar e pediu a fonte da informação. O chefe de gabinete do deputado, Cesar Girardi, disse por telefone que a afirmação “foi feita sem uma pesquisa com base oficial” e citou a rádio BandNews FM como uma das fontes da afirmação.
Uma reportagem do portal da Band do dia 16 de fevereiro e um trecho de um programa da rádio falam sobre o assunto. Afirmam, entretanto, que 90% das publicações em redes sociais eram favoráveis à intervenção na sexta-feira (16). Isso significa que a análise se baseou em posts de usuários, ou seja, não houve uma consulta à população do Rio de Janeiro, como afirmou Sassim durante o discurso. As reportagens apontam como autor do levantamento o publicitário Guto Graça.
A reportagem entrou em contato com Graça, que também é colunista do quadro “Pulso”, da BandNews. Segundo ele, a pesquisa foi feita pela DataScript, empresa que dirige, especializada em análise de dados. Foram analisadas as publicações dos usuários em redes sociais sobre o assunto entre as 6 horas e as 9 horas da sexta-feira (16). O publicitário explicou que foram monitorados os usuários e as palavras utilizadas nos posts sobre esse tema. Como a pesquisa levou em conta apenas as reações e interações em redes sociais em um curto período de tempo, não serve para identificar o número de pessoas que aprovam a intervenção.
“No Rio de Janeiro, o percentual de pessoas que estão trabalhando na Polícia Civil e na Polícia Militar é de apenas 55%. Hoje o efetivo lá não chega a 21 mil policiais, e esse número teria que ser em torno de 40 a 45 mil.” – Laerte Bessa (PR-DF), deputado federal.
O deputado Laerte Bessa (PR-DF) usou dados falsos ao citar o tamanho das polícias fluminenses em seu discurso em defesa da intervenção federal no Rio de Janeiro. Ainda que dados indiquem que o efetivo das Polícias Civil e Militar no Rio de Janeiro seja insuficiente, a quantidade de funcionários de ambas no estado supera o número citado por ele no plenário da Câmara na segunda-feira. Por isso, o Truco classificou a frase do parlamentar como falsa.
A assessoria de Bessa citou duas fontes como origem dos dados utilizados. A primeira é uma reportagem do jornal O Dia, de 17 de junho de 2017, que informa que o efetivo da PM é 60% menor do que o ideal no estado. A segunda é um estudo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – “O Ministério Público e o controle externo da atividade policial” – sobre a situação da polícia civil em todo o país. A análise usou dados de 2016.
Baseada em um outro estudo feito pelo CNMP, a reportagem de O Dia cita o mesmo número mencionado pelo deputado, de que há apenas 21 mil policiais no Rio. Mas esse valor considera apenas os integrantes da PM em batalhões, ou seja, não leva em conta todo o contingente e também não inclui no cálculo os policiais civis. O texto diz ainda que o ideal seriam 36 mil agentes para fazer o patrulhamento em bairros e municípios, não “em torno de 40 a 45 mil”. Já no primeiro contato a assessoria de Bessa admitiu este último erro.
A análise a que O Dia teve acesso não é pública. A assessoria de imprensa do CNMP informou que não pode dar mais detalhes sobre o levantamento, por considerar os dados sensíveis. Isso torna impossível entender melhor o déficit apontado. A PM do Rio informou que conta hoje com 44.487 policiais militares. O órgão, contudo, não aponta quantos deles estão lotados em batalhões – logo, não se sabe se houve um aumento na quantidade desse contingente desde que o CNMP fez o estudo.
Faltam também informações detalhadas sobre a Polícia Civil na outra pesquisa do CNMP citada pelo parlamentar. O documento traça um panorama das delegacias em todo o país, mas sempre com o cuidado de não citar o número de funcionários em cada estado. Procurada pelo Truco, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que hoje conta com cerca de 9.500 integrantes. A Lei nº 6.166/2012, sancionada pelo então governador Sérgio Cabral, estabeleceu que o órgão deveria ter 23.116 funcionários.
Tanto o estudo do CNMP como a legislação estadual apontam que há uma defasagem nos dois órgãos da segurança do Rio. Mas, se somadas, as duas estruturas contam com cerca de 54 mil policiais – número muito superior aos 21 mil mencionados por Bessa durante o seu discurso.
“Este é um governo que baixou de R$ 6 bilhões para R$ 2 bilhões o dinheiro da segurança pública deste país.” – Jandira Feghali (PCdoB-RJ), deputada federal.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) usou um dado falso ao dizer que houve diminuição de R$ 4 bilhões no orçamento da segurança pública do Brasil. Questionada sobre a fonte dessa informação, a assessoria de imprensa da parlamentar disse que ela se baseou em um estudo técnico de 2018 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados. O levantamento, contudo, não tem nenhuma relação com o tema e foi encomendado pela liderança do PCdoB para verificar a constitucionalidade e adequação orçamentária do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº1, de 2018, aprovado em 20 de fevereiro. A proposta abriu R$ 2 bilhões em crédito aos municípios para a superação de dificuldades financeiras emergenciais.
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Justiça para verificar o histórico do orçamento da área de segurança pública do Brasil de 2011 a 2018. De acordo com os dados do Ministério, a verba destinada ao setor aumentou de R$ 8 bilhões para R$ 9 bilhões durante esse período, conforme o gráfico abaixo. Dados do Portal da Transparência também indicam que, em 2016 e 2017, os gastos com segurança pública continuaram no mesmo patamar, de pouco mais de R$ 10 bilhões, em valores corrigidos pelo IPCA.
Orçamento da segurança pública (em bilhões de reais)
Fonte: Ministério da Justiça
Gastos com segurança pública (em bilhões de reais)
Fonte: Portal da Transparência
A assessoria da pasta informou por e-mail que o orçamento do Fundo Nacional de Segurança Pública foi reduzido de 2017 para 2018. Isso ocorreu porque foram colocadas menos emendas impositivas, que são feitas por parlamentares. “Entretanto, o orçamento discricionário (executado pelo próprio Ministério da Justiça) foi majorado [aumentou] de R$ 631 milhões em 2017 para R$ 751 milhões em 2018, ou seja, em R$ 120 milhões”, informou.
“O Exército ficou 14 meses na Maré e gastou R$ 600 milhões.” – Paulo Pimenta (PT-RS), deputado federal.
O custo da operação realizada pelo Exército no complexo de favelas da Maré entre 2014 e 2015 foi usado como argumento contra a intervenção federal no Rio pelo deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) e também por Chico Alencar (PSOL-RJ), Glauber Braga (PSOL-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Todos eles citaram o valor de R$ 600 milhões, ao discursar, como exemplo do quanto uma ação desse tipo pode onerar os cofres públicos. Os cinco parlamentares, contudo, exageraram no dado.
Ao ser questionada sobre a fonte da informação, a assessoria de imprensa de Pimenta encaminhou uma reportagem, de julho de 2017, que cita um estudo feito pela organização não-governamental (ONG) Redes da Maré, e também outra matéria, de setembro do ano passado, em que a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes fala sobre o assunto. Ambas citam o mesmo valor de R$ 600 milhões como custo total da ação na Maré.
A quantia, no entanto, não corresponde ao que foi efetivamente gasto. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, traz os valores atualizados de todas as Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) feitas pelas Forças Armadas entre 2011 e 2017 nas páginas 72 e 73. A Operação São Francisco, realizada na Maré de 5 de abril de 2014 a 30 de junho de 2015, durou 14 meses e 25 dias. O custo foi de R$ 287 milhões em 2014 e R$ 233 milhões em 2015, o que representa um total de R$ 520 milhões, em valores atualizados até agosto de 2017 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Corrigindo-se o IPCA até janeiro de 2018, o custo total da operação fica em R$ 529 milhões – uma diferença de R$ 71 milhões em relação ao número usado pelos cinco deputados. Embora tenha citado o dado exagerado ao discursar no plenário, Chico Alencar foi o único dos parlamentares que encaminhou um pronunciamento seu e uma nota do PSOL para que constassem na transcrição feita pela Câmara que traziam valores corretos. A nota do PSOL informa que “foram gastos mais de R$ 400 milhões em pouco mais de um ano”. E o próprio Alencar diz no seu texto que “apenas na Maré, a intervenção custou aos cofres públicos de R$ 400 a R$ 600 milhões”.
“Mais de dez estados têm estatísticas de violência piores que a do Rio de Janeiro.” – Ivan Valente (PSOL-SP), deputado federal.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) usou um dado falso ao dizer que existem mais de dez estados com estatísticas de violência piores que as do Rio de Janeiro. Há, na verdade, nove unidades da federação com taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes piores que a do Rio. O parlamentar também ignora que existem outros números usados por pesquisadores para medir a violência em um determinado local, e em alguns deles o Rio apresenta resultados ainda mais negativos. Portanto, a frase foi classificada como falsa.
Procurado pelo Truco, o gabinete do deputado Ivan Valente creditou o dado reproduzido no discurso a duas matérias sobre segurança pública. A primeira, do jornal O Povo, mostra dados de 2017, compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que colocam o Rio de Janeiro em décimo lugar no ranking de mortes violentas a cada 100 mil habitantes. A segunda reportagem, do UOL, traz os mesmos dados e reúne também depoimentos de especialistas que explicam por que o Rio é alvo de intervenção apesar de não apresentar os piores indicadores de mortes violentas no país.
Existem nove estados com taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes piores que a registrada no Rio de Janeiro. O índice é mais negativo em Sergipe (1º), Rio Grande do Norte (2º), Alagoas (3º), Pará (4º), Amapá (5º), Pernambuco (6º), Bahia (7º), Goiás (8º) e Ceará (9º). No entanto, vale destacar que esse ranking leva em consideração apenas o indicador de mortes violentas. O dado é a soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, além das mortes decorrentes de ações policiais. O número é divulgado pelo Anuário do Fórum de Segurança Pública, publicado em outubro de 2017, e diz respeito aos crimes cometidos em 2016. Naquele ano, no Rio, foram registrados 37,6 casos por 100 mil habitantes. Em Sergipe, primeiro estado na lista, foram 64 casos a cada 100 mil pessoas.
Há outras estatísticas de segurança pública usadas por pesquisadores para medir a violência além do índice de mortes violentas. Dados de crimes violentos não letais, como roubos e furtos, por exemplo, ajudam a compor o panorama da violência em cada estado. Em alguns desses indicadores, o Rio de Janeiro fica em posição mais desfavorável do que na lista de mortes violentas a cada 100 mil habitantes.
Segundo o mesmo Anuário do Fórum de Segurança Pública, o índice de roubo de cargas a cada 100 mil habitantes do Rio de Janeiro foi, em 2016, o pior do país: 59,3 casos por 100 mil moradores foram registrados no estado. São Paulo, que aparece em segundo lugar, teve apenas 22,2 casos a cada 100 mil pessoas. O Rio também foi o estado onde o índice de roubos, de todos os tipos, teve o maior aumento em 2016. O índice cresceu 40% em relação ao ano anterior e colocou o estado em sexto lugar na lista de roubos a cada 100 mil habitantes.
Vale destacar que os números de 2017 podem colocar o Rio de Janeiro em posição ainda mais desfavorável em relação aos outros estados da federação. Ainda que o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro já possua os indicadores de violência do ano passado, a comparação com outros estados para o ano de 2017 não é possível porque não há, ainda, um estudo como o do Fórum de Segurança Pública, compilando os dados do ano passado para todos os estados brasileiros. Em 2017, o Rio de Janeiro registrou 40 mortes violentas por 100 mil habitantes, o índice mais alto dos últimos oito anos, segundo o ISP.
Informada sobre o resultado da checagem, a assessoria de imprensa reiterou que “o deputado Ivan Valente discursou com base nas reportagens que citavam as estatísticas de mortes violentas segundo o Anuário da Segurança Pública”.
“Nos últimos 7 anos, de 2010 a 2017, os roubos aumentaram 91%: houve 230 mil roubos no ano passado. Os roubos a cargas aumentaram 304%, os de veículos tiveram 189% de aumento nos 7 anos.” – Otavio Leite (PSDB-RJ), deputado federal.
Em seu discurso, o deputado Otavio Leite apresentou dados que mostram o aumento em diversos indicadores de violência no estado do Rio de Janeiro. Ao Truco, a assessoria de imprensa do parlamentar afirmou que os dados provêm de uma reportagem do jornal O Globo publicada em 16 de fevereiro. O texto descreve como o Rio teve, em 2017, um ano de recordes ruins nos números da segurança. Os dados apresentados no texto são do ISP, vinculado ao governo do estado do Rio de Janeiro. Todos os números citados pelo parlamentar correspondem aos apurados na reportagem e registrados pelo ISP. A frase é verdadeira.
A reportagem informa que, em 2010, ocorreram 120.300 roubos no estado do Rio, enquanto em 2017 foram registrados 230.450. O aumento em sete anos foi de 91,5%, o que condiz com o número citado pelo parlamentar. O texto menciona ainda roubos de cargas, com dados iguais aos mostrados por Leite: “Os roubos de carga, que levaram a um prejuízo de R$ 607,1 milhões em 2017, atingiram a marca de 10.599 casos. Trata-se de um índice 304% superior aos 2.619 registros deste tipo em 2010.”
O deputado também acerta o número de roubos de veículos. “O indicador de roubo de veículos, conhecido por ser a melhor forma de se medir o aumento da violência, por ter baixa subnotificação por parte das vítimas, teve também expressivo crescimento. Em 2010, foram 18.773 carros roubados no estado. No acumulado do ano passado, foram 54.367, alta de 189,6% nesta comparação”, diz a reportagem. Todos os dados da matéria do Globo coincidem com os do ISP.
Após apresentar essas informações, o deputado se confundiu ao falar de outros números da segurança pública carioca. Em trecho não selecionado nesta checagem, Leite afirma que “os roubos em ônibus aumentaram mais de 284%: foram 15 mil no Rio de Janeiro”. O número absoluto de roubos em coletivos está correto: em 2017, foram registrados 15.283 casos, segundo o ISP. No entanto, o deputado confunde o aumento porcentual dos roubos em ônibus com a porcentagem dos roubos de celulares. Foram 86,3% mais ocorrências em ônibus, de 2010 para 2017, e 284,9% mais casos de roubos de celulares, que ficaram em 24.387 casos.