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Checagem

Afif usa dado falso e número sem contexto sobre empresas

Ex-presidente do Sebrae também erra número de imóveis da União com particulares e acerta falta de lei de aprendizado para micro e pequenas empresas

Checagem
21 de junho de 2018
12:29
Este artigo tem mais de 6 ano
Vice-governador do estado de São Paulo de 2011 a 2014, Afif defende a valorização de micro e pequenas empresas

Guilherme Afif Domingos (PSD) licenciou-se da presidência do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em 6 de junho, para concorrer ao Palácio do Planalto. Sua nomeação ainda precisa ser aprovada na convenção do partido. Não é a primeira vez que Afif concorre à Presidência. Em 1989, foi candidato pelo PL (que virou PR, depois de se fundir com o PRONA), legenda que ajudou a fundar em 1985 e pela qual se elegeu deputado constituinte, em 1986. Antes disso, o presidenciável havia passado pelo PDS, de 1981 a 1985. Em 1990, migrou para o PFL (atual DEM), onde ficou até 2011, quando participou da fundação do PSD.

Foi vice-governador de São Paulo na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), de 2011 a 2014. Entre 2013 e 2015, ocupou o cargo de ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa no governo Dilma Rousseff (PT). Durante toda sua carreira, defendeu os micro e pequenos empresários, levantando bandeiras como a diminuição de impostos e da burocracia e a distribuição de incentivos fiscais.

Como pré-candidato, Afif participou de um debate promovido pela Confederação Nacional de Municípios no dia 23 de maio. O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública, que vem analisando o discurso dos presidenciáveis – verificou cinco de suas falas na ocasião. A assessoria de imprensa do pré-candidato foi questionada sobre as fontes das informações usadas e respondeu dentro do prazo estabelecido. Afif é o 14º presidenciável checado pelo Truco.

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“Se tiver 200 a 300 municípios no Brasil que tenham médias e grandes empresas é muito. Mas em todos os municípios brasileiros estão lá as micro e pequenas empresas.”

Falso

Afif subestimou a quantidade de municípios brasileiros que possuem grandes e médias empresas e ainda superestimou a quantidade dos que contam com pequenas empresas. As grandes empresas estão presentes em 1.721 municípios (30% do total), as médias em 3.847 e 1.655 municípios possuem empresas grandes e médias ao mesmo tempo. Além disso, existem 108 municípios que não possuem empresas de pequeno porte. Somente as microempresas estão presentes em todos. Portanto, é incorreto dizer que as micro e pequenas empresas estão em todos os municípios brasileiros, como alega Afif. A frase é falsa.

De acordo com o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123/2006), são consideradas microempresas aquelas com receita bruta até R$ 360 mil. Entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões, são empresas de pequeno porte. Acima de R$ 4,8 milhões, são classificadas como empresas de médio e grande porte. Para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as médias empresas são aquelas com receita bruta anual maior que R$ 4,8 milhões e menor ou igual a R$ 300 milhões, e as grandes têm o faturamento anual maior que R$ 300 milhões.

O DataSebrae é o único órgão que possui dados da distribuição de empresas por porte nos municípios, levando em conta o faturamento anual. Diferentemente do que diz a lei federal, o órgão considera como empresas de pequeno porte aquelas com até R$ 3,6 milhões de faturamento anual. O IBGE só possui dados de empresas segundo seu número de funcionários e não as classifica quanto ao porte.

O Brasil possui 5.570 municípios, segundo dados do IBGE. Desses, de acordo com o DataSebrae, 3.913 possuem médias ou grandes empresas – número bastante superior ao citado por Afif. As grandes empresas estão presentes em 1.721 municípios e as médias, em 3.847. Já os municípios que abrigam, ao mesmo tempo, empresas médias e grandes, são 1.655. Os dados foram calculados a partir do levantamento do Sebrae de 2014, último disponível.

No que diz respeito às micro e pequenas empresas, as primeiras realmente estão presentes em todos os municípios, segundo o órgão. No entanto, as pequenas, com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões, estão em apenas 5.462 deles – em 108 municípios brasileiros não há pequenas empresas.

Questionada, a assessoria de imprensa do pré-candidato argumentou que com a frase, Afif quis “ilustrar a extrema concentração econômica brasileira”, não dizer literalmente que apenas entre 200 e 300 municípios possuem médias e grandes empresas concomitantemente. Para isso, eles utilizam dados do IBGE que dizem que 25 municípios concentram 37,7% de participação no PIB. Os outros 5.545 repartem os 62,3% restantes.

A assessoria também citou dados do Anuário do Trabalho nos Pequenos Negócios 2016, realizado pelo Sebrae em parceria com o Dieese. O documento determina o porte de empresas a partir do número de funcionários e utiliza dados do IBGE para determinar a quantidade de empresas. Conclui que os municípios com mais de 100 mil habitantes concentram 80,8% das grandes e médias empresas. Ou seja, ainda sobra 19,2% de empresas deste porte espalhadas por outros municípios.

Ao ser informada da classificação da checagem, a equipe de Afif destacou que o primeiro trecho não seria propriamente uma afirmação por conta do uso da expressão “se tiver” e que a frase abordava a desigualdade econômica brasileira. “Salientando que em 316 municípios (acima de 100 mil habitantes) temos 80,8% da médias e grandes empresas segundo o Anuário do Trabalho nos Pequenos Negócios 2016 (Sebrae – Dieese; 2017)”, afirma.

“O crédito não chega: 84% das micro e pequenas empresas não veem a cor do crédito.”

Sem contexto

A afirmação do pré-candidato traz um dado verdadeiro, mas falta contexto indispensável à compreensão do tema. É verdade que 84% das micro e pequenas empresas não viram “a cor do crédito” no ano passado, como alega Afif. No entanto, isso ocorreu porque essas empresas não tentaram conseguir empréstimos – apenas 16% das empresas desse porte tentaram obter crédito. Além disso, faltou dizer que o número só vale para os empréstimos concedidos em 2017. A mesma pesquisa mostra que 51% das empresas de micro ou pequeno porte já utilizaram linhas de crédito antes, ou seja, já obtiveram empréstimos anteriormente. Por isso, a afirmação foi considerada sem contexto.

A fonte do dado citado por Afif é o estudo O Financiamento das Micro e Pequenas Empresas no Brasil, realizado pelo Sebrae em 2017. A pesquisa mostra que 84% das micro e pequenas empresas não pegaram empréstimos em 2017. Segundo o estudo, isso aconteceu porque elas não tentaram, não porque o crédito foi negado. Dentro do grupo que não tentou, 39% disseram não precisar de empréstimo, 16% não gostam de empréstimo, 15% não confiam na política econômica, 11% não conseguiriam pagar e 6% não gostam de pagar juros altos. Portanto, as principais razões das micro e pequenas empresas não solicitarem crédito, no ano de 2017, foram a falta de interesse ou de necessidade.

Além disso, somente 49% dos micro e pequenos empresários afirmam nunca ter solicitado crédito pela empresa e 51% já o fizeram, segundo a mesma pesquisa do Sebrae. Desses últimos, apenas 16% deles já tiveram o pedido de crédito negado alguma vez. Entre 2013 e 2017, 36% das micro e pequenas empresas tomou ou manteve empréstimo em algum momento.

Outra pesquisa, realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) em junho de 2017, reforça a falta de interesse dos micro e pequenos empresários em contratar crédito. O estudo foi feito com base no Indicador de Demanda por Crédito do Micro e Pequeno Empresário de Varejo e Serviços, que leva em conta 800 empreendimentos com até 49 funcionários nas 27 unidades da Federação, e mostrou recuo na demanda por crédito – 85% das micro e pequenas empresas disseram não querer empréstimos nos três meses seguintes à pesquisa. Apenas 6% delas declararam interesse. Entre as que não tinham interesse, 39% disseram conseguir se manter com recursos próprios e 28% justificaram a decisão devido às altas taxas de juros. No que diz respeito às dificuldades de conseguir empréstimos, o estudo do SPC diz que 37% dos empresários consideram contratar crédito algo difícil.

Procurada pelo Truco, a equipe do pré-candidato confirmou que a fonte do dado é o relatório O Financiamento das Micro e Pequenas Empresas no Brasil, mas destacou outro dado da pesquisa, que fala sobre a percepção de dificuldade do crédito, e não sobre a utilização de crédito. “Só 16% dos pequenos negócios tentaram empréstimos novos nesse ano e a maioria (82%) enfrentou dificuldades para sua obtenção, sendo os juros altos (48%) e a falta de garantias (20%) as principais. Disso resulta a citação de que 84% não tem acesso”, explicou a assessoria. No entanto, alegar dificuldades de obter crédito não quer dizer que as solicitantes tiveram os empréstimos negados, como mostram números da própria pesquisa.

A assessoria de imprensa do pré-candidato disse, depois de atribuído o selo à frase, que o contexto da fala foi em relação à burocracia que as pequenas empresas têm que superar para conseguir os empréstimos. “Muitas não tentaram conseguir empréstimos porque muitas delas nem possuem quadros técnicos para superar essa burocracia. Portanto, a fala foi em relação a importância da desburocratização”, diz.

“Na Constituinte nós colocamos que é proibido todo e qualquer trabalho de menores de 14 anos. Aí a turma resolveu e mudou, não é 14, é proibido todo e qualquer trabalho para menores de 16 anos, com exceção do aprendiz a partir dos 14 anos. E fizeram uma lei de aprendizado só para as grandes empresas, que representam 2% do universo das empresas. E nós esquecemos de fazer uma lei de aprendizado para 98% das empresas, que são as micro e pequenas empresas.”

Verdadeiro

Não existe uma lei de aprendizagem específica para as micro e pequenas empresas no Brasil. A afirmação de Afif é verdadeira. A assessoria de imprensa do presidenciável informou que retirou as informações da Constituição Federal, do Manual da Aprendizagem de 2009 do Ministério do Trabalho e do Boletim do Sebrae de dezembro de 2017.

No artigo 121 da Constituição Federal de 1934 foi proibido o trabalho para menores de 14 anos, o trabalho noturno foi permitido para maiores de 16 anos e o emprego em indústrias insalubres foi negado para menores de 18 anos e mulheres. Na Constituição de 1967, a idade mínima diminuiu para 12 anos. Na Constituição Federal de 1988, voltou a restrição a menores de 14 anos, e uma emenda constitucional de 1998 elevou a faixa etária para 16 anos. Ou seja, atualmente, é negado qualquer emprego a menores de 16 anos de idade, exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, de acordo com o artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a CLT regulamentam as condições e os direitos dos jovens e das empresas contratantes. De acordo com o artigo 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza, que tenham pelo menos 7 empregados, são obrigados a empregar o número de aprendizes equivalente a partir de 5% a 15% dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.

Contudo, é facultativa a contratação de aprendizes pelas microempresas, empresas de pequeno porte (inclusive as que integram o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições, denominado como “Simples”) e entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional. E, quando ocorrer a contratação por parte delas, deverão seguir as mesmas leis de aprendizagem que as outras empresas – com exceção da obrigação de matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, segundo o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

Quanto ao total de pequenos negócios no Brasil, a assessoria de imprensa de Afif encaminhou o Boletim do Sebrae de dezembro de 2017, que constata que, em 2015, 98,5% das empresas privadas no país eram de pequeno porte (EPP), microempresas (ME) e de microempreendedores individuais (MEI), mas não especifica a porcentagem para as de médio e grande porte. O documento O Público do Sebrae, publicado em junho do ano passado – que procura detalhar o perfil dos empreendedores de pequenos negócios no país – revela que em 2016, existiam cerca de 12 milhões de empresas no Brasil. Desse total, 98,5% são pequenos negócios (MEI, EPP, ME) e 180 mil (1,5%), empresas de grande e médio porte.

“Existem 508 mil imóveis da União em mãos particulares.”

Falso

Durante o debate promovido pela Confederação Nacional de Municípios, Afif também falou sobre os imóveis da União concedidos a particulares e os de utilização pública. Apesar de ter comentado os dois casos em uma única frase, o Truco dividiu a afirmação em duas partes porque os selos atribuídos a cada trecho são distintos. O número usado pelo pré-candidato sobre imóveis do governo federal em mãos de particulares é antigo. Hoje, há 632.556 imóveis da União em uso dominial, que são imóveis públicos em uso por particulares. A frase é, portanto, falsa.

Procurada pelo Truco, a assessoria de imprensa de Afif alega que a fonte do dado é uma página do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. No link enviado o ministério faz um balanço de quantos imóveis a União tem. “A União possui 30.993 imóveis de uso especial […] e 508.629 imóveis de uso dominial”, atesta o ministério. O dado, extraído dos sistemas SIAPA e SPIUnet, é referente ao ano de 2011.

O número utilizado por Afif e contido no link, contudo, está bastante desatualizado. Os arquivos da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), vinculada ao Ministério do Planejamento, mostram que na verdade já são mais 600 mil os imóveis da União em uso por particulares. Os dados da planilha são de maio de 2018.

Os imóveis de uso dominial, quando utilizados por particulares, exigem o pagamento de uma retribuição pela utilização privada de um bem público. Assim, os recursos gerados dessa forma são conhecidos como receitas patrimoniais. No entanto, as taxas cobradas mensalmente pela concessão desses imóveis variam enormemente e podem ser de apenas 0,6% do valor avaliado do imóvel.

Comunicada do resultado da apuração, a assessoria de imprensa de Afif admitiu que o número usado é antigo. “O contexto da fala foi em relação a dificuldade dos municípios realizarem PPPs devido à capacidade de garantia.
O que foi proposto é a criação de um fundo da União que garantisse aos investidores a parceria. E a proposta foi criar um fundo com garantia dos imóveis da União. Quanto mais imóveis, mais garantia e mais municípios serão atendidos. O número é antigo (2011), mas não é falso, e está no site do Ministério do Planejamento. Se hoje há mais de 500 mil quer dizer que a proposta se torna mais viável ainda, atendendo mais municípios.”

“[Existem] mais 38 mil [imóveis da União] de utilização pública.”

Verdadeiro

No segundo trecho da frase em que aborda o número de imóveis da União, Afif aponta que são mais de 38 mil os imóveis de utilização pública, ou seja, os que estão em uso para o serviço público. O número corresponde ao indicado pela SPU em maio de 2018. Por isso, a frase é verdadeira.

Quando procurado pelo Truco, o pré-candidato apontou como fonte do dado um link com números desatualizados, diferentes do que ele indicou em seu pronunciamento. No link enviado à reportagem, consta que a União possui 30.993 imóveis de utilização pública. Na planilha mais atual, de maio de 2015, são 38.435 imóveis. O número mais recente corresponde ao apontado pelo pré-candidato no debate, quando ele falou em “mais de 38 mil” imóveis classificados como “uso especial”.

Os imóveis da União de uso especial são aqueles que se destinam à execução de serviços administrativos ou à prestação de serviços públicos em geral, como prédios de repartições públicas, escolas, hospitais ou outros equipamentos públicos, sejam eles de administração federal, estadual ou municipal.

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Antônio Cruz/Agência Brasil

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