Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Entrevista

“Prisão de Assange é vingança pessoal do presidente equatoriano”, diz Rafael Correa

Em entrevista à Pública, ex-presidente diz que escândalo de corrupção revelado por Assange sobre Lenin Moreno foi definitivo para a decisão – inconstitucional – de retirar a cidadania e o asilo do fundador do Wikileaks

Entrevista
11 de abril de 2019
13:01
Este artigo tem mais de 5 ano

Na manhã dessa quinta-feira, o fundador do WikiLeaks, o australiano Julian Assange foi retirado à força da embaixada equatoriana em Londres, onde vivia há sete anos, pela polícia britânica. Inicialmente, as autoridades do Reino Unido afirmaram que o motivo seria o fato de Assange ter fugido da sua “liberdade condicional” ao entrar na embaixada em junho de 2012 para receber asilo político. Menos de uma hora depois, a Polícia Metropolitana de Londres emitiu um comunicado reconhecendo que Assange foi preso a pedido do governo americano, que fez um pedido de extradição para os Estados Unidos, onde ele é acusado de “conspirar para hackear” um computador americano. A acusação se refere ao vazamento de 250 mil telegramas da embaixada Americana ocorrido em 2010, que conferiu fama mundial ao Wikileaks. Chelsea Manning, a soldado acusada de ser a fonte dos documentos – assim como de documentos referentes à Guerra do Iraque e do Afeganistão como o vídeo “Collateral Murder” – está presa numa solitária desde 8 de março por negar-se a testemunhar contra Assange no mesmo caso.

A prisão de Assange dentro da embaixada, território equatoriano, só foi possível depois que o atual presidente do Equador, Lenin Moreno, revogou o asilo político que estava em vigor desde 2012. Pouco depois, o governo equatoriano também revogou a cidadania que havia sido concedida a Assange em 2017. A revogação acontece 5 dias antes de uma visita de Moreno a Washington por seis dias e 15 dias antes de uma visita oficial que estava agendada do Relator da ONU sobre Tortura à embaixada para verificar a condição de saúde de Assange, que era mantido em isolamento pelo governo equatoriano dentro da embaixada há um ano, sem internet, comunicação e com visitas reduzidas.

Em entrevista à Pública, o ex-presidente do Equador Rafael Correa, cujo governo concedeu asilo político a Assange, afirma que a revogação do status é ilegal e contraria a Constituição do país. Para ele, trata-se de um acordo entre o atual governo e os Estados Unidos, além de uma vingança pessoal de Lenin Moreno após um vazamento do WikiLeaks apontar para indícios de corrupção da família presidencial. Leia a entrevista:

Para o ex-presidente do Equador Rafael Correa, a revogação do status de asilo de Julian Assange é ilegal e contraria a Constituição do país

Qual a sua visão sobre a prisão de Assange?

É terrível. O governo equatoriano está rompendo todo o direito internacional, o princípio de asilo, da corte interamericana de direitos humanos. E a Constituição do Equador, porque ele é um cidadão equatoriano. É uma humilhação para o Equador. E além do mais é uma vingança pessoal porque há umas semanas ele [Julian] expôs um caso de corrupção muito grave que envolve Lenin Moreno [atual presidente e sucessor de Correa] e sua família. Foi por isso que Lenin Moreno quis enxotá-lo da embaixada. Lenin Moreno sempre quis expulsá-lo da embaixada, e agora conseguiu.

O que foi revelado neste vazamento?

Se chama INA Papers. Os documentos demonstram o que todo mundo já sabia, que Lenin tinha uma empresa de investimentos aberta pelo seu irmão em Belize, um paraíso fiscal, com o nome de INA, em homenagem às três filhas de Moreno: Irina, Cristina e Karina. Depois abriram uma conta no Balboa Bank do Panamá. Ali lavaram dinheiro que receberam de propina de empresas de construção chinesas e que pagou uma vida de reis para Moreno, com móveis antigos, apartamentos na Suíça e no mediterrâneo, etc.

Moreno não conseguiu ocultar esse vazamento, então Lênin ficou muito irritado e prometeu expulsar Assange. Tentou, de todo jeito, que Assange saísse da embaixada, estavam torturando-o física e psicologicamente, tentando quebrá-lo como ser humano. E agora permitiram que a polícia britânica entrasse na embaixada, o que é uma violação primária à soberania de um país. É algo absolutamente inédito na história mundial.

É legal que um país retire um asilo político já concedido?

Não, não, não, de nenhuma maneira. O princípio do asilo garante que o estado que dá asilo não pode jamais entregar o asilado a quem o persegue. E além disso, para retirar uma cidadania, é preciso que haja uma investigação que prove que houve fraude. Assange cumpriu com todos os requisitos, reside há mais de 5 anos em território equatoriano – que é a embaixada. E vai contra decisões do Comitê das Nações Unidas contra Detenções Arbitrárias, e também contra toda ética e contra a nossa Constituição.

O fundador do WikiLeaks foi retirado à força da embaixada equatoriana em Londres

Por que você diz que Lenin Moreno sempre quis expulsar Assange?

Porque ele se entregou ao governo dos Estados Unidos desde o princípio, uma traição sem precedentes aos compromissos de campanha. Lembre-se que ele assumiu no dia 24 de maio de 2017. Mas no dia 20 de maio ele se reuniu com o Paul Manafor , ex-chefe de campanha de Donald Trump, antes ainda de assumir, e ofereceu entregar Assange aos Estados Unidos em troca de ajuda financeira ao Equador. E isso aconteceu, porque em fevereiro o Fundo Monetário Internacional (FMI) deu um empréstimo de US$ 4,2 bilhões para o Equador com apoio do governo americano.

E no ano passado o vice de Trump, Mike Pence, visitou o Equador e junto com Lenin chegaram a três acordos. O primeiro é isolar a Venezuela regionalmente – basta ver como o Equador está se comportando – o segundo é deixar a Chevron-Texaco na impunidade, deixando de processá-la [por derramamentos massivos de petróleo nos anos 90]. E o terceiro é entregar Assange.

Você diz que estavam torturando Julian Assange na embaixada. Como?

Eles o tinha mantido isolado, sem internet, com visitas restritas e um regulamento muito rígido que acredito que até o gatinho de Assange tinha que seguir! Queriam humilhar Assange com essas ações, mas na verdade estavam humilhando o nosso país, Equador.

Você mantinha contato com Assange?

Não, eu nunca conheci Assange. A única vez que falei com ele foi em 2012 durante uma entrevista que ele fez para a série O Mundo Amanhã.

(Veja a entrevista: O Mundo Amanhã: “os documentos do WikiLeaks nos fortaleceram”, diz Corrêa)

Afinal, o que significa para o Equador essa decisão?

É uma humilhação enorme, uma das maiores humilhações da história do país. E vai destruir a credibilidade internacional do Equador, trazendo enormes consequências, por culpa de Moreno. E não só para o país, mas para a região sul-americana. Quem vai querer pedir asilo para que seja traído dessa maneira pelo mesmo país que outorgou o asilo? É algo terrível.

Você foi acusado pelo sequestro de um opositor e o governo equatoriano fez inclusive um pedido de prisão internacional contra você, que foi rejeitado pela Interpol. Como está sua situação atual?

Olha, cada vez inventam uma nova acusação contra mim. É uma perseguição brutal. Assim como estão perseguindo o Lula, a Cristina Kirschner, a todos. E porque somos líderes de esquerda não temos direitos humanos! Está em curso um a absurda deturpação midiática e da Justiça.

Wikimedia Commons
Reprodução

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Leia também

Como conheci Julian Assange – e como os documentos do WikiLeaks vieram parar no Brasil

Por

Tudo começou com um telefonema mais do que inesperado e misterioso, em novembro de 2010

Notas mais recentes

Brasil Paralelo gastou R$ 300 mil em anúncios contra Maria da Penha


Kids pretos, 8/1 e mais: MPM não está investigando crimes militares em tentativas de golpe


Investigação interna da PM do Maranhão sobre falsos taxistas estaria parada desde julho


Semana tem reta final do ano no Congresso, Lula de volta a Brasília e orçamento 2025


Ministra defende regulação das redes após aumento de vídeos na “machosfera” do YouTube


Leia também

WikiLeaks PlusD


Como conheci Julian Assange – e como os documentos do WikiLeaks vieram parar no Brasil


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes