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Reportagem

Governo mexicano fracassa na apreensão de bens de El Chapo

Três relógios, um imóvel, cinco armas de fogo, 171 cartuchos, cinco carregadores, um computador e três celulares; esses foram os únicos bens confiscados de El Chapo no México

Reportagem
26 de julho de 2019
12:03
Este artigo tem mais de 4 ano

Enquanto o governo dos Estados Unidos calculou em US$ 12 bilhões e US$ 666 milhões o patrimônio de Joaquín Guzmán Loera, El Chapo, e emitiu uma ordem para confiscar seus bens, nos últimos 18 anos o governo do México não conseguiu bloquear quase nada da fortuna do líder do Cartel de Sinaloa e de seus familiares, como revela uma reportagem especial dessa repórter para o veículo mexicano Aristegui Noticias.

De acordo com a informação obtida na Fiscalía General de la República em maio de 2019, desde 2001, ano em que Guzmán Loera fugiu de uma prisão de segurança máxima em Puente Grande, Jalisco, até março de 2019, o governo do México só conseguiu apreender três relógios, um imóvel, cinco armas de fogo, 171 cartuchos, cinco carregadores, um computador e três celulares de El Chapo e sua família. Isso apesar da ostentação exibida nas redes sociais nos últimos anos pelos filhos do chefão e de sua atual companheira, Emma Coronel Aispuro.

O governo dos Estados Unidos calculou em US$ 12 bilhões e US$ 666 milhões o patrimônio de Joaquín Guzmán Loera, conhecido como El Chapo

Enquanto os governos de Vicente Fox, Felipe Calderón e Enrique Peña Nieto falavam em combater o narcotráfico, com o reforço de milhões de dólares em veículos, helicópteros, armas e inteligência – financiados com dinheiro público mexicano e com recursos do governo dos EUA através do Plano Mérida –, seus governos praticamente não confiscaram nada de Guzmán Loera, nem de suas namoradas, filhos ou familiares políticos. Isso embora os três governos o tenham catalogado como um dos criminosos mais procurados do país.

De acordo com testemunhos de ex-integrantes do Cartel de Sinaloa à Promotoria do Distrito Leste de Nova York durante os três meses de julgamento de El Chapo, as três administrações que deixaram quase intocáveis os bens do narcotraficante têm em comum os subornos milionários de Guzmán Loera e do Cartel de Sinaloa a funcionários públicos de alto escalão. Incluindo titulares da Procuradoria-Geral da República, comandantes de zonas militares, o chefe da AFI (Agência Federal de Investigações), o ex-secretário de Segurança Pública Genaro García Luna e os dois ex-presidentes Felipe Calderón e Peña Nieto.

Após sua fuga em 2001, Guzmán Loera ficou foragido por 13 anos, período durante o qual chefiou o Cartel de Sinaloa, considerado pelo governo dos Estados Unidos como a mais importante organização de tráfico de drogas do mundo.

Segundo a Promotoria de Nova York, de 2001 a 2014, Guzmán Loera e o Cartel de Sinaloa traficaram ilegalmente pelo menos 528,276 toneladas de cocaína, 200 quilos de heroína e 423 mil quilos de maconha segundo documento concluído em 5 de julho passado, no qual que se solicita ao juiz a ordem de confiscar US$ 12,666 bilhões de dólares de lucro que El Chapo e o Cartel faturaram com a venda de drogas.

Durante os governos de Fox, Calderón y Peña Nieto, foram anunciadas diversas operações contra El Chapo e contra o Cartel de Sinaloa. Em 2014 o governo de Peña Nieto anunciou a captura de Guzmán Loera em um apartamento em Torres Miramar, Mazatlán, Sinaloa, e liberou os meios de comunicação para um tour no apartamento e em duas casas de segurança em Culiacán, uma delas com uma banheira que se conectava a um túnel por onde El Chapo havia fugido antes dessa captura.

Guzmán Loera voltaria a escapar da prisão em julho de 2015. Seus filhos, Iván e Alfredo Guzmán Salazar, junto com Emma Coronel, Dámaso López Núñez e advogados haviam comprado imóveis ao redor da prisão de segurança máxima em Almoloya, estado de México, para construir o túnel pelo qual El Chapo fugiu, como testemunhou em juízo o próprio Dámaso.

Durante dois meses a Fiscalía General de la República, comandada por Alejandro Gertz Manero, se negou a fornecer informações sobre os bens arrestados de Guzmán Loera e familiares. Foi através de uma ordem do Instituto Nacional de Transparencia, Acceso a la Información y Protección de Datos Personales (INAI) que a Fiscalía se viu obrigada a informar sobre os resultados obtidos com o bloqueio de bens de El Chapo em 18 anos de suposto combate ao narcotráfico.

Na última quinta-feira, o presidente Andrés Manuel López Obrador anunciou que sua gestão solicitará ao governo dos Estados Unidos que todos os bens confiscados de Guzmán Loera sejam entregues ao governo do México.

“Aos que estão pensando que vão ficar com os bens obtidos dessa maneira, saibam que não aceitaremos que isso ocorra sem fundamento legal”, disse o presidente na coletiva de imprensa matutina.

Túnel utilizado por El Chapo para fugir da prisão de segurança máxima no México

El Chapo: propriedades até na Europa

Segundo uma declaração sobre a sua situação financeira, assinada por Guzmán Loera no dia 3 de fevereiro de 2017 na Corte de Nova York, nos últimos 12 meses ele não ganhou nada, nem tinha dinheiro em papel, contas bancárias nem outro tipo de bem. Para esta investigação jornalística foram analisadas as transcrições dos testemunhos prestados durante o julgamento de Guzmán Loera em Nova York para encontrar pistas sobre onde estariam os bens do chefão, família e outras pessoas diretamente vinculadas a ele.

Segundo as declarações prestadas em 22 de janeiro passado, Lucero Sánchez, de 29 anos, com quem Guzmán Loera mantinha uma relação amorosa desde 2011, criou empresas de fachada por ordem de El Chapo até na Europa. Algumas delas estavam registradas no nome de pessoas de confiança de Guzmán Loera, e Lucero disse que ela ajudava na gestão das empresas. Uma delas era de sucos e estava em nome de um colaborador do líder do Cartel de Sinaloa conhecido como “Pancho”. Ela disse também que teve conhecimento da abertura de outra empresa, essa em Los Angeles, Califórnia, administrada por uma mulher que conheceu como “Angie”.

Lucero afirmou que, enquanto se relacionava com Guzmán Loera, esteve com ele em pelo menos três residências localizadas na colônia Guadalupe, em uma das zonas residenciais de Culiacán. Uma delas era aquela que Peña Nieto abriu para os jornalistas, onde havia o túnel conectado à banheira. Ela falou também da existência de outra casa, localizada na colônia Jorge Almada, bem próxima do Palácio do Governo do Estado de Sinaloa, onde despacha o governador.

“Nessa casa, bem, havia quartos, um ambiente muito confortável, mesas, televisões, telas de câmeras de segurança. E banheiros muito semelhantes aos das outras casas – referindo-se a banheiras que davam para túneis. E afirmou que o chefão utilizava também uma residência localizada na colônia Libertad, perto de uma escola preparatória, com as mesmas características.

Também em juízo se revelaram mensagens enviadas por Guzmán Loera a Dámaso López Núñez, vulgo El Licenciado, um dos colaboradores mais próximos de El Chapo desde sua prisão em Puente Grande. Nelas, ele pedia que pagasse o aluguel de duas vinícolas na Europa, sem especificar o país.

“[…] a empresa na Europa precisa entrar em funcionamento”, ordenou o chefe a López Núñez em uma carta exibida durante o julgamento. Essa empresa era administrada por Lucero Sánchez.

Graças ao testemunho de López Núñez na corte, se soube que os filhos de Guzmán Loera, Iván e Alfredo Guzmán Salazar, têm propriedades em Culiacán. Nelas se realizaram reuniões em 2014 e 2015 com Dámaso López Núñez, Emma Coronel Aispuro e seu meio-irmão Ovidio Guzmán López para planejar a segunda fuga de El Chapo da prisão de segurança máxima em Almoloya.

El Licenciado revelou também que os filhos de El Chapo conseguiram um terreno próximo à prisão de Almoloya, assim como uma vinícola. Revelou ainda que Guzmán Loera tinha uma propriedade na serra de Sinaloa, no vilarejo La Tuna, onde nasceu o próprio chefão, a qual ele havia batizado como “Cielo”. De acordo com a informação obtida, essa propriedade fica próxima da casa onde vive sua mãe, Consuelo Loera.

Em 2016, depois de Guzmán Loera ter sido recapturado em Los Mochis, Sinaloa, Emma Coronel voltou a se reunir com López Núñez, como este depôs na corte.

“Minha comadre [Emma Coronel] me disse que meu compadre [El Chapo] me enviava suas saudações e que queria me avisar que ele estava se esforçando muito para escapar outra vez e que queria saber se eu poderia ajudá-lo… Eu disse que sim, que iria ajudá-lo.”

“Então minha comadre me buscou e voltamos a nos encontrar e ela me disse que meu compadre queria que começássemos a buscar um terreno perto da prisão, que tinha mandado algum dinheiro… US$ 100 mil, e que me dariam mais dependendo do preço do terreno. E esse dinheiro me foi entregue em Culiacán”, afirmou. O plano não foi seguido porque Guzmán Loera foi transferido para uma prisão em Ciudad Juárez.

Graças ao poder econômico de El Chapo, Emma Coronel voltou a procurar López Núñez para dizer que estavam tentando transferir novamente o pai de suas gêmeas para Almoloya e assim dar continuidade ao plano da terceira fuga.

“Minha comadre me disse que estavam procurando um jeito de meu compadre voltar à prisão do Altiplano, que o diretor da entidade centralizada de Prevenção e Readaptação Social, que é uma espécie de chefe de todas as prisões mexicanas, estava ajudando…”

Quanto foi pago ao diretor das prisões?, perguntaram a López Núñez no julgamento.

“Recordo que me disseram US$ 2 milhões.”

Vale destacar que os filhos de El Chapo, Iván e Alfredo Guzmán Salazar, de 39 e de 33 anos, respectivamente, têm processos criminais abertos nos Estados Unidos por tráfico de drogas naquele país pelo menos desde 2015. Assim como Joaquín e Ovidio Guzmán López, de 34 e 28 anos, acusados de conspiração para a distribuição de drogas pelo governo dos Estados Unidos desde fevereiro passado. De acordo com as declarações de outra testemunha apresentada em juízo pela Promotoria de Nova York, Miguel Ángel Martínez, com dinheiro de El Chapo, comprou propriedades que eram usadas por Griselda López, uma das parceiras do chefão.

O narcotraficante Jorge Cifuentes, que trabalhou como secretário privado de Guzmán Loera em 2009, garantiu que o empresário Jesús Villegas Codallos dirigia a companhia aérea de carga Aeropostal Cargo para El Chapo, a qual depois mudou de nome para AeroFox, e, segundo os registros públicos, tem uma permissão de concessão por tempo “indefinido” da Secretaria de Comunicações e Transportes para fornecer serviços de táxi aéreo nacional de carga.

É público que, em 2019, Alejandrina Gisselle Guzmán Salazar, filha de Alejandrina Salazar e El Chapo, irmã da irmã de Iván e Alfredo, que foi presa na Califórnia em outubro de 2012 por tentar entrar no país com documentos falsos, criou uma empresa para vender uma marca de roupa chamada “El Chapo 701”. No dia 10 de julho passado, sua empresa montou um estande na Expo Guadalajara e se anuncia em IM Intermoda, aquela que diz ser “a plataforma mais importante da indústria da moda na América Latina”.

Emma Coronel Aispuro, a atual companheira de Guzmán Loera, anunciou no início do ano que também criaria uma empresa de moda vinculada ao nome de seu marido. A empresa foi fundada nos Estados Unidos com o nome JGL LLC. Informação que foi corroborada pela advogada Mariel Colón, que faz parte da equipe de defesa de El Chapo nos Estados Unidos.

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