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Reportagem

Com verba pública, publicitário do Aliança pelo Brasil cuida de redes sociais de deputados que apoiam protestos antidemocráticos

Empresa contratada vendia cosméticos até fevereiro e foi “reformada” para trabalhar com políticos

Reportagem
8 de maio de 2020
13:13
Este artigo tem mais de 3 ano

O marqueteiro do Aliança pelo Brasil, Sérgio Lima, é o responsável, desde março, pelas redes sociais da sua amiga a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), e de outros três parlamentares do PSL que estão na linha de frente da criação da nova legenda do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Os quatro deputados também corroboram o discurso anti-isolamento social contra a Covid-19, espalhando desinformação e, no caso da deputada, fake news sobre a doença. Apoiados nessa narrativa construída na internet, os parlamentares saíram às ruas para participar de atos antidemocráticos que também contaram com o apoio da cúpula do Aliança.

Contratada com dinheiro público da Câmara dos Deputados – com a rubrica “divulgação parlamentar” –, a Inclutech Tecnologia de Informação, que tem como segundo sócio Walter Scigliano, era uma empresa de cosméticos até fevereiro, quando sua atividade econômica foi alterada, na Junta Comercial de São Paulo, de “comércio varejista de cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal, lojas de variedades” para prestar serviços publicitários.

Lima afirmou à Agência Pública que a empresa foi reformulada para atender o mercado político. “Provavelmente vai ser essa empresa que eu vou ficar focado para fazer essa parte de política, ou quem sabe eu até ganhe um aprendizado aí para oficializar uma candidatura minha no futuro, quem sabe”, disse.

Os parlamentares bolsonaristas Bia Kicis, General Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP) e Aline Sleutjes (PSL-PR) foram seus primeiros e únicos clientes, segundo o publicitário. A numeração das notas fiscais apresentadas na prestação de contas da Câmara dos Deputados comprova: 03, 07, 11, 08,12 e 09, respectivamente. Monitoramento de redes sociais e notícias e assessoria para redes sociais estão entre os serviços prestados, que custaram aos cofres públicos R$ 30,3 mil no mês de março e pelo menos R$ 13,9 mil no mês de abril.

A empresa funciona no mesmo endereço da renomada agência de publicidade de Lima e Scigliano, a S8Wow – que atende marcas como Marisa, Wella e Livelo – no bairro Jardim América, na capital paulista.

A contratação da Inclutech para cuidar da imagem desses deputados coincide com a ascensão do empresário – chamado por governistas de Serginho – no Palácio do Planalto. Desde março, ele passou a participar da elaboração dos discursos de Bolsonaro e a circular com frequência pelos corredores da sede do Executivo. O publicitário marcou presença, por exemplo, na posse do novo ministro da Justiça, André Mendonça, dia 29 de abril, com quem postou uma foto no seu Instagram. Ele acompanhou a comitiva do presidente Bolsonaro em recente viagem a Miami por ocasião do Fórum das Américas – e também pegou coronavírus.

Foi do telefone de Lima que Bolsonaro fez uma breve aparição, via chamada de voz, no ato do dia 19 de abril, na avenida Paulista, em São Paulo. O ato era a favor do governo federal, contra o governador João Doria (PSDB), e tinha entre outras bandeiras um golpe militar e o fim do isolamento social. Nesse mesmo dia, Lima postou em seu Instagram vídeos defendendo que as pessoas saiam às ruas para manifestações em apoio ao presidente, a despeito da orientação estadual de isolamento social.

Lima foi o criador da identidade visual do Aliança pelo Brasil e é responsável pelas ações de marketing e redes sociais do partido que o presidente Jair Bolsonaro pretende viabilizar para sua próxima candidatura. Além disso, foi ele quem desenvolveu um aplicativo para coleta de assinaturas para a nova legenda. “Eu não recebo nada. Eu sou um voluntário do partido”, afirma. “Eu me apaixonei pela política e quero ajudar o Brasil”, diz.

Peças em vídeo para web

Bia Kicis é a dona da terceira nota fiscal emitida pela Inclutech, emitida no dia 20 de abril, com valor de R$ 6,4 mil, “pela criação e elaboração de peças em vídeo para publicação na web”. Na ocasião, a empresa ainda estava em processo de alteração de registro, e a conta bancária que recebeu o depósito estava em nome da HH Cosméticos e Perfumes Ltda. conforme consta no documento.

De acordo com o levantamento do Radar Aos Fatos – um monitor de desinformação em tempo real –, Kicis é a terceira congressista que mais disseminou notícias falsas sobre o novo coronavírus, atrás apenas dos deputados Osmar Terra (MDB-RS) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A pesquisa inclui justamente o período no qual a Inclutech foi contratada: de 20 de fevereiro a 8 de abril de 2020.

A deputada publicou em suas redes sociais, por exemplo, insinuações sobre o fato de as mortes por coronavírus estarem sendo infladas e criticou o que ela chama de “histeria e a pirotecnia feita pela mídia e por alguns governadores” a respeito da pandemia.

Nesta quarta-feira, ela e outros dois clientes da empresa – General Girão e Aline Sleutjes – entraram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão dos trabalhos da CPMI das Fake News, a anulação de depoimentos e a troca do presidente, o senador Angelo Coronel (PSDB-BA), acusando-o de “total parcialidade”. Também assinam a petição os deputados federais Filipe Barros (PSL-PR), Bibo Nunes (PSL-RS), Alê Silva (PSL-MG), Carla Zambelli (PSL-SP) e Carlos Jordy (PSL-RJ).

General Girão e Aline Sleutjes, assim como Bia Kicis e Guiga Peixoto, usaram suas redes sociais para criticar medidas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos a fim de evitar a propagação do coronavírus e defender a reabertura do comércio. O discurso foi adotado pelo dono da Inclutech e marqueteiro do Aliança pelo Brasil, Sérgio Lima. “O combate à pandemia matará mais do que o coronavírus”, escreveu em seu Facebook no dia 25 de março.

Clientes participaram de ato antidemocrático

Os mesmos parlamentares furaram o isolamento social e saíram às ruas para participar de atos antidemocráticos que, no último domingo, contaram com a ajuda do vice-presidente do Aliança pelo Brasil, o empresário Luís Felipe Belmonte, conforme revelou o Estadão. De acordo com o jornal, o Aliança, que é presidido por Bolsonaro, fez a ponte entre as lideranças de grupos e movimentos de direita que mobilizaram apoiadores do presidente em todo o país para a manifestação.

“Vocês podem contar comigo, vocês podem contar com a Carol [deputada Caroline de Toni, PSL-SC], vocês podem contar com muitos parlamentares. Vocês podem saber, todos os parlamentares do PSL/Aliança”, disse Bia Kicis no meio do acampamento do movimento “Os 300 do Brasil”, montado em Brasília.

“E tem mais, nós não vamos aceitar que ministro do Supremo, com uma caneta, queira impedir o presidente de governar. Nós somos os verdadeiros democratas. Por favor, eu quero pedir que ninguém jamais aqui faça qualquer manifestação de fechar Congresso, de fechar Supremo. Nós não queremos fechar, nós queremos resgatar”, acrescentou.

A deputada Bia Kicis esteve em acampamento do movimento “Os 300 do Brasil”, montado em Brasília no dia 3 de maio de 2020

Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, “Os 300 do Brasil” têm entre os organizadores o assessor parlamentar da deputada Evandro de Araújo Paula e é liderado por Sara Winter, que diz ser uma ex-feminista que aderiu às fileiras do bolsonarismo.

“Como a Bia falou, a intervenção vem do povo, a responsabilidade é nossa. Nós começamos o acampamento ontem e hoje me perguntaram assim: ‘Quando é que acaba’. Eu falei assim, quando o Rodrigo Maia [DEM-RJ] cair. O acampamento acaba quando todos nós, de maneira, se for preciso, coercitiva, fizermos os ministros do STF entenderem que eles não são 11 semideuses. Quem manda neles, quem manda no Brasil, somos nós”, afirmou Sara Winter, após a fala da deputada. O momento foi registrado em vídeo publicado pelo canal Bolsonews TV- Direita Monarquista.

“Seis marchas montadas no Eixo Monumental em Brasília. O povo está em peso nas ruas”, comemorou a deputada Aline Sleutjes em carreata pró-governo no dia 26 de abril. A parlamentar, que é da bancada ruralista, também participou das manifestações no último domingo e, do seu carro, registrou o ato nas redes sociais. Aline foi a nona cliente da Inclutech, com um contrato de R$ 10 mil, o mais alto entre os deputados, pelos serviços de “gestão do plano de mídia; monitoramento de redes sociais e notícias; recomendações estratégicas para produção de conteúdo; definição das métricas do site e redes sociais”.

Já para o deputado General Girão, a empresa de Lima faz o acompanhamento e análise de pautas políticas, a atualização de SEO no site do político – uma estratégia para melhorar o resultado de buscas na internet – com relatórios diários, além de relatório de notícias nas redes sociais. O serviço custa R$ 7,4 mil por mês. Ele também postou foto das manifestações de domingo, mas negou, por meio de sua assessoria de imprensa, ter participado do ato.

No dia 19 de abril, Girão publicou no Facebook um vídeo seu na manifestação em Natal, onde manifestantes também pediam intervenção militar. O parlamentar saudou o Dia do Exército. Girão não reconhece o período de regime militar como uma ditadura e prefere o título de “contrarrevolução”, mas afirmou à Pública ser “totalmente contrário” a uma intervenção militar hoje em dia.

O empresário Sérgio Lima também participou de atos no dia 19 de abril em São Paulo a favor do governo federal e contra o governador João Doria. “O povo tem o direito de se manifestar”, disse à reportagem, ressaltando que não apoia pautas relacionadas a regime militar ou ataques a outros poderes.

A reportagem entrou em contato com Evandro, que responde pelas demandas da imprensa no gabinete da deputada Bia Kicis, mas ele não deu retorno até o fechamento da reportagem. A Pública ligou diversas vezes ontem e hoje para os gabinetes do deputado Guiga Peixoto e da Aline Sleutjes, mas ninguém atendeu e nem respondeu o e-mail enviado.

“Conheço o presidente desde moleque”

O publicitário disse à Pública que se aproximou do Aliança pelo Brasil por meio da tesoureira da legenda em construção, a advogada eleitoral Karina Kufa. Mas suas ligações com políticos governistas são anteriores ao movimento de criação do partido, anunciado pelo presidente, em novembro de 2019.

Em 2018, a S8Wow – uma das três empresas de Lima – fez o impulsionamento das redes sociais dos então candidatos General Peternelli (PSL-SP), que se elegeu deputado federal, e Paulo Chagas (PRF), derrotado na disputa pelo governo do Distrito Federal. Segundo a prestação de contas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os contratos foram de R$ 5 mil e R$ 3 mil, respectivamente. O publicitário afirmou à reportagem que “foi em valor investido em comunicação digital nas redes sociais, como Facebook”.

De forma voluntária, segundo ele próprio, trabalhou também na campanha de Castelo Branco (PSL), eleito deputado estadual por São Paulo. “Eu, Sérgio, não cobrei para fazer serviço de marketing político”, disse.

Além de trabalhar na campanha de candidatos do PSL, o marqueteiro militou na eleição de Jair Bolsonaro naquele ano e, depois do pleito, continuou a participar de atos pró-governo.

Em 26 de maio de 2019, por exemplo, ele fez um discurso durante manifestação pela reforma da Previdência na avenida Paulista. Na ocasião, falou que estudou em colégio militar e que seu pai é militar, da turma do presidente, de 1977. “Eu conheço o nosso presidente desde moleque, desde menino. Eu sei o coração que o nosso presidente tem, ele é um bom presidente”, afirmou. Ele disse também no discurso que, por causa do seu trabalho de publicitário, estava indo semanalmente a Brasília para “visitar o Congresso Nacional, visitar as comissões e entender como funciona a política por dentro”.

O empresário Sérgio Lima participou de manifestações a favor da candidatura de Jair Bolsonaro em 2018

As redes sociais de Lima revelam sua proximidade com o Palácio do Planalto. Ele tem fotos com a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, tirada em julho de 2019; com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, de junho de 2019; com o ex-ministro Sergio Moro, de quando ele ainda comandava a pasta, em abril do ano passado; e com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em Beijing, em outubro do mesmo ano.

Sérgio Lima esteve na China em outubro de 2019 acompanhando a comitiva de Bolsonaro

“Noite memorável com amigos queridos. Governador @ratinho_junior e senador @jorginhomello e Zeca Santos (Forum das Américas)”, escreveu em uma postagem sobre sua presença na comitiva presidencial no Fórum das Américas, em Miami, em março.

O publicitário, inclusive, chegou a ser infectado pelo coronavírus. Pelo menos 23 pessoas que acompanharam o presidente aos Estados Unidos foram diagnosticadas com Covid-19.

Antes mesmo de a Pública entrar em contato com o publicitário, ele procurou uma das jornalistas pelo Instagram. “Soube que está fazendo uma matéria a meu respeito”, escreveu. A mensagem foi enviada logo depois que a repórter entrou em contato com assessorias do governo federal a respeito de serviços prestados pela empresa S8Wow. Mais uma demonstração da influência do marqueteiro do Aliança no Palácio do Planalto.

Lima não ocupa nenhum cargo no Executivo e diz que a participação nos eventos do governo federal se deve à sua proatividade. “Eu me sugeri a apoiar algumas coisas como voluntário. O que eu posso colaborar é nessa parte da comunicação e às vezes eu dou algumas sugestões para todo mundo que está em volta do governo”, diz.

No Instagram, o empresário posta também fotos com lideranças de movimentos que apoiam Jair Bolsonaro e que estão na mira da CPMI das Fake News, como o presidente do Movimento Conservador e chefe de gabinete do deputado Douglas Garcia (PSL-SP), Edson Salomão, citado por Alexandre Frota em depoimento na CMPI. Lima postou um registro do encontro que teve com ele em 2 de fevereiro. “Excelente conversa”, escreveu. Cinco dias depois, o marqueteiro do Aliança pelo Brasil publicou uma foto com o ex-assessor especial da Casa Civil Felipe Cruz Pedri e o dono do portal Terça Livre, Allan dos Santos, acusado de participar de um esquema de divulgação de notícias falsas e de ataques a adversários do presidente estimulado pelo próprio Palácio do Planalto – a CPMI pretende quebrar o sigilo de suas contas, segundo informou a coluna de Mônica Bergamo.

Sérgio Lima é próximo de influenciadores digitais associados a esquemas de fake news

Lima mantém uma relação próxima com políticos que, assim como ele, trabalham pela criação do Aliança pelo Brasil e viraram clientes da Inclutech. Ele participou de encontros de dirigentes e voluntários da legenda que aconteceram entre janeiro e fevereiro de 2020 por todo o país, ao lado dos deputados Aline Sleutjes, Bia Kicis, General Girão e Guiga Peixoto e outros parlamentares apoiadores do Aliança.

Sergio Lima, Aline Sleutjes e outros deputados participaram juntos de evento do Aliança pelo Brasil em Florianópolis. Em destaque, Lima

“Estamos fazendo história”, disse Bia Kicis em discurso no congresso de fundação do partido em formação, em novembro de 2019, quando fez elogios públicos a Lima pela identidade visual do partido. Eles se encontram com frequência, e a relação dos dois já é antiga. A deputada chegou a ser entrevistada por Lima no programa Academia do Roi, em novembro de 2018. O programa, que é comandado por Lima, faz parte do cardápio da S8Wow.

* Colaborou: Laura Scofield.

José Cícero da Silva/Agência Pública
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