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Vigilância em aeroporto é alvo de operação da Polícia Federal; representante de empresa de blindagem, que tem contratos milionários com governo, se reuniu com Eduardo Bolsonaro

Reportagem
11 de junho de 2021
17:26
Este artigo tem mais de 2 ano

O empresário norte-americano Daniel Beck — conhecido militante apoiador do ex-presidente dos EUA Donald Trump, que participou das manifestações que culminaram na invasão do Congresso americano em janeiro —, desembarcou no Rio de Janeiro, no dia 14 de maio, para participar do lançamento de nova parceria da Combat Armor Defense: um clube de tiro. A companhia, que firmou contratos milionários com a venda de carros blindados para o poder público, e teve um crescimento exponencial desde sua fundação, em 2019, “está se tornando um grande conglomerado de empresas na área de segurança”, anunciou Beck em entrevista exclusiva à Agência Pública. “Cada empresa tem seu papel, sua área de atuação. O American Shooting Club [o clube de tiro] é uma delas”, acrescentou. 

Segundo a reportagem apurou, o “grande conglomerado” anunciado por Beck envolveria, além da fabricante de blindagens e do clube de tiro, uma empresa de segurança privada envolvida no assassinato de um jovem negro num supermercado da capital carioca e que agora se vê no meio de uma operação da Polícia Federal que apura irregularidades na segurança do aeroporto internacional do Galeão (RJ). Trata-se da Progressive Force Segurança e Vigilância, cuja sócia é Thaís Nery, esposa de João Fuster — diretor do clube de tiro American Shooting Club. João, que postou fotografias com uniforme da Polícia Penal no Rio, é quem responde em entrevistas à imprensa pela Progressive.
A Pública apurou que a Progressive é atualmente responsável pela segurança de algumas áreas externas do aeroporto do Galeão. Nesta sexta-feira, dia 11 de junho, uma sala da Progressive no aeroporto foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) que apura supostas irregularidades na prestação de serviços de segurança privada no aeroporto.

Carro da empresa Progressive Force no aeroporto

De acordo com informações da PF, “uma empresa privada, que possui contrato com o Consórcio RIOGaleão, estaria usando pessoas não autorizadas pela PF nas funções de vigilante, uso de armamento e de uniformes não aprovados ou em desacordo com as normas legais”. Em uma das fotos tiradas pelos agentes, há uma arma em uma sala com o logo da Progressive, no aeroporto.

Ação da Polícia Federal no aeroporto

A Progressive, que já se chamou Groupe Protection, opera ao menos desde 2016 no Rio. A empresa era a responsável pelo agente de segurança que matou Pedro Henrique Gonzaga, na época com 19 anos, sufocado em uma unidade do Extra na Barra da Tijuca em 2019, segundo apuração do jornal Extra. Em 2017, a Pública contou que a empresa atuava como segurança privada em ruas da capital carioca. Desde 2020, a Progressive também está autorizada a prestar serviços no estado de São Paulo.

A reportagem questionou a Progressive sobre as relações com as demais empresas, com Maurício Junot, que é sócio da empresa de blindagens Combat no Brasil, e com Beck. Contrariando as afirmações do norte-americano, João Fuster negou ligação de suas empresas com a Combat. “Hoje não existe vínculo comercial algum com eles, o Clube de Tiro e a Empresa de Segurança são independentes. Houve no passado uma parceria e uma possível aliança, mas que por motivos de força maior não aconteceu”. 

Perguntamos também sobre o agente que asfixiou o jovem no supermercado no Rio, mas não obtivemos resposta até a publicação da reportagem.

A Pública também questionou o aeroporto RioGaleão sobre contratos e prestadores de serviço, mas o consórcio respondeu que é uma sociedade anônima de capital fechado e que todas as informações obrigatórias de acesso público da concessão estão disponíveis no site. Nele, não é possível acessar contratos da Progressive com o aeroporto.

Já a assessoria de imprensa da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que, nos termos do contrato de concessão, “as concessionárias não têm a obrigatoriedade de apresentar previamente à ANAC os contratos firmados com terceiros”.

Imagem da sede do clube de tiro American Shooting Club

“Confie em nossa letalidade”, diz banner do clube de tiro

O outro empreendimento ligado à empresa do empresário trumpista Daniel Beck, o clube de tiro American Shooting Club, foi fundado em maio de 2019, mas, segundo a casa, passou um período fechado para reforma após um incêndio em suas instalações. Em maio deste ano, um coquetel marcou a reabertura do local e uma nova parceria. “O American Shooting Club faz parte do grupo Combat Armor do Brasil”, dizia o release do evento, que contou com a presença de Daniel Beck e do sócio brasileiro, Maurício Junot.

Localizado no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste da capital carioca, o clube ostenta na fachada um banner com o emblema da Combat, seguido do slogan “Tecnologia que salva vidas. Especializada em blindagem nível III – Fuzil”.

Apesar da publicidade acusando a participação no conglomerado, no evento, a assessora do American Shooting afirmou à Pública que Beck e Junot eram apenas amigos íntimos dos donos. A informação viria a ser contrariada por Beck, no dia seguinte, que afirmou que sua participação se trata de uma união de negócios, “uma joint venture”. 
No papel, o clube pertence a Jairo Fuster — militar da Marinha —, e sua esposa, Tatiana Nery Bernardis. Nas redes sociais, Jairo aparece como presidente e João Fuster, seu irmão, é citado como sócio-diretor.

Publicação feita por João Fuster em suas redes sociais

A equipe da Pública tentou cobrir o coquetel de reinauguração do American Shooting Club mas foi impedida. Quando os repórteres informaram que planejavam apenas fotografar as figuras públicas que aparecessem no evento, ouviram em tom de ameaça:  “Vocês estão vendo esses homens atrás de vocês? São todos policiais. Se vocês levantarem a câmera eles vão tomar a câmera de vocês. Vocês entendem? São todos policiais”, disse Aline Souza, que se apresentou como assessora de comunicação. 

Além dos homens que faziam guarda na frente do evento, naquela noite havia modelos fantasiados de vikings para receber os convidados na porta do clube. Perto da entrada, um escudo de madeira servia como objeto de decoração, combinando com as roupas de couro e espadas dos modelos fantasiados.

No muro do local, há a bandeira dos Estados Unidos e do Brasil, ao lado de dois  avisos. O primeiro, com um letreiro de guerra, diz que ladrões e invasores não são bem vindos. “Somos atiradores. Confie em nossa letalidade”, está escrito. Bem próximo, um segundo banner, convida: “Sr. policial em serviço, muito obrigada. Aqui você encontrará apoio, água e munições para seus treinamentos. Conheça nosso programa de treinamento tático”. 
O American Shooting Club reúne associados das forças policiais e militares. Conta com instrutores que, como os donos, passaram pela Marinha e Polícia Penal. Conforme  apuração da Pública, um dos grupos que oferece treinamentos no local , a Viper Tactics, é formado majoritariamente por policiais – civis, militares ou penais. Segundo um dos instrutores, o grupo parceiro é representante comercial da empresa de armamentos Sig Sauer no Rio de Janeiro.

Maurício Junot e Misael de Souza fizeram reunião com Eduardo Bolsonaro

Donos de empresas de armas e blindagem fizeram lobby com Bolsonaro

A reportagem recebeu de uma fonte fotos que indicam que a Combat Armor Defense fez lobby junto à família Bolsonaro para impulsionar seus negócios. A empresa já firmou, pelo menos, R$ 4,2 milhões em contratos com o Governo Federal, no fornecimento de serviços à Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro. A imagem é o registro do encontro entre o representante da Combat no Brasil, Maurício Junot de Maria, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o lobista de armas, Misael Antonio de Souza. De acordo com registros da Câmara dos Deputados, Junot esteve na Casa no dia 23 de maio de 2019, dois  meses depois que a Combat foi fundada. 

Misael é Diretor do grupo Realiza, que representa comercialmente fabricantes estrangeiras de armamentos no Brasil. Entre suas clientes estão a gigante Sig Sauer, na área de munições e armamentos, e a International Armored Group (IAG), na área de blindagem. Eduardo Bolsonaro promoveu ativamente a Sig Sauer, incentivando que ela obtivesse permissão para atuar no mercado brasileiro. Em dezembro do ano passado, a empresa obteve permissão para fabricar pistolas no país junto à Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel).

Não é a primeira vez que o lobista e o filho zero três do presidente se encontram. Ainda em 2015, por exemplo, Misael e Eduardo, quando ainda ocupava o cargo de deputado estadual por São Paulo, se reuniram na Assembleia Legislativa do Estado em audiência pública que debatia alterações no Estatuto do Desarmamento.
Misael atua pela flexibilização na importação e comercialização de armas no Brasil desde pelo menos 1990, quando fundou a Realiza. Em entrevista à Época em 2019, ele contou ter tentado instalar no Brasil uma unidade da fábrica de munição estatal suíça Ruag por 14 anos, sem sucesso — o que ele bota na conta da burocracia.

A revista também mostrou que apenas no primeiro semestre de 2019 Misael visitou o Ministério da Defesa quatro vezes — a primeira delas em 3 de janeiro, apenas dois dias depois da posse do presidente. Com a eleição de Bolsonaro, em 2018, Misael passou também a participar de licitações para fornecer a órgãos públicos, com a empresa C & M Realiza.

A Pública questionou Misael sobre o encontro com Junot e Eduardo e as relações da Realiza com a Combat Armor Defense, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem. A reportagem também não recebeu retorno da assessoria da Combat Armor Defense.

Mauricio Junot, o empresário que se encontrou com o lobista de armas e com Eduardo Bolsonaro, é um amigo antigo de Daniel Beck. O americano indica que foi Junot que apresentou as ideias que possibilitaram os investimentos de Beck no Brasil. “Eu acreditei na ideia, no país e investi”, diz. Ele atribui à tecnologia e aos funcionários qualificados o crescimento exponencial da empresa no país e completa: “Nós vamos continuar seguindo a nossa missão que é salvar vidas”.

Bruno Fonseca/Agência Pública

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