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Glauber caiu atirando e Motta golpeou a democracia brasileira

Presidente da Câmara apelou para violência e censura, aprovou PL pró-Bolsonaro e garantiu mandato de deputada presa

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12 de dezembro de 2025
12:33

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A cena que Hugo Motta tentou esconder dos cidadãos brasileiros, ao desligar o sinal da TV Câmara e expulsar os jornalistas do plenário, revela não apenas a truculência do presidente da Câmara, mas sua incapacidade de lidar democraticamente com a situação explosiva que ele mesmo criou.

Motta preparou o incêndio com pautas “surpresa” de alto teor político – o PL para salvar Bolsonaro e duas cassações de deputados –, criou confusão previsível e depois jogou a força bruta contra parlamentares, inclusive contra uma mulher indígena, a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG). Também censurou a imprensa, sem poupar nem a TV pública que existe para dar transparência à Casa dos “representantes do povo brasileiro”.

Apesar da ressalva que se repetiu no noticiário, com jornalistas condenando o gesto do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) e comparando-o com o motim de deputados da extrema direita em agosto, é bom destacar que, embora nos dois casos a cadeira do presidente da Câmara tenha sido usurpada, a violação de regras teve motivações, alcance e, principalmente, consequências bem diferentes, como denunciou o próprio deputado do PSOL da cadeira da presidência, de onde foi arrancado com violência pela polícia legislativa a mando de Motta.

O motim da direita foi um espetáculo que durou mais de 40 horas, transmitido ao vivo pela TV, em que uma deputada chegou a sentar na cadeira da presidência vestida de santa e com um bebê no colo. O objetivo dela e de outros deputados bolsonaristas era protestar contra uma decisão da mais alta corte da Justiça – em clara invasão de poderes –, que havia colocado Jair Bolsonaro em prisão domiciliar, e obter para os golpistas anistia flagrantemente inconstitucional, negociada em conchavos com o centrão no gabinete do ex-presidente da Câmara Arthur Lira, o eterno. Ninguém foi punido até o momento.

Nos dois casos, é verdade, Hugo Motta fez papel de bobo, mas enquanto no primeiro colocou o rabo entre as pernas, no segundo apelou para a violência para remover da cadeira (que comprovadamente não merece ocupar) um único deputado que ali estava há duas horas, cercado de colegas, também atingidos pela polícia legislativa, que tentavam acalmá-lo.

Glauber protestava contra a votação de sua cassação por quebra de decoro parlamentar, depois que seu delito (confrontar fisicamente um militante do MBL que o perseguia com ofensas) foi amplificado pela antipatia dos colegas, sobretudo de Arthur Lira, por ele ter denunciado o orçamento secreto. Também se insurgia contra a votação surpresa do projeto casuístico da “dosimetria”, que pode livrar Bolsonaro da maior parte do tempo que tem a cumprir na cadeia, onde está por determinação do STF, depois de passar por um processo penal conduzido publicamente, com apresentação de provas e amplo direito de defesa.

Este projeto seria aprovado horas depois, com uma vergonhosa votação na madrugada comandada por Hugo Motta, coroando seus disparates autoritários. Entre os argumentos para convencer os menos alinhados estava, claro, o dinheiro. Uma conversa entre deputados flagrada pelas repórteres Victoria Azevedo e Camila Turtelli do jornal “O Globo”, logo depois da reunião dos líderes que levou a anistia de Bolsonaro e outros golpistas à votação, revela as motivações pouco republicanas da negociação.

Mas os atentados contra a democracia e as instituições não pararam por ali. A Câmara também manteve o mandato da deputada Carla Zambelli, condenada por dois crimes pela Justiça brasileira e presa na Itália. A cassação já havia sido aprovada na CCJ da própria Câmara, mas nem isso foi respeitado pelos deputados.

Glauber também se livrou da cassação – o que mostra que seu protesto talvez não tenha sido em vão, ainda que por enfraquecer o presidente da Câmara – mas foi suspenso por seis meses. Ao cair atirando, fez mais do que se defender: escancarou a injustiça do tratamento desigual entre aliados e adversários políticos e o cinismo de Motta em defesa da direita, favorecendo a aprovação do PL Salve o Bolsonaro, que além de casuístico, o que contraria os princípios básicos de legislar sem privilegiar pessoas, também beneficia condenados por coação, incêndio e outros crimes.

Enquanto aguardamos a votação do Senado para saber o desfecho desse episódio vergonhoso, assimilamos mais um golpe contra a democracia desferido pela extrema direita e o centrão em estreita cooperação com Hugo Motta. Glauber perdeu o terno, rasgado pela segurança de Motta, mas o presidente da Câmara foi despido da fantasia de democrata aos olhos do público, da imprensa e perante a história do país, que mal conseguiu comemorar a punição inédita aos golpistas que mais uma vez atentaram contra nosso país.

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