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Condenação foi mantida por morte de Luciano Macedo, que foi ajudar Evaldo Rosa; pena total foi reduzida em 10 vezes

Reportagem
18 de dezembro de 2024
22:49

Numa sala mais movimentada que o normal e na última semana de trabalhos, os 15 ministros que compõem o Superior Tribunal Militar encerraram hoje o julgamento do Caso Evaldo Rosa. A Corte decidiu seguir o relator e, por 8 votos, absolveu os militares da morte do músico, que teve o carro atingido por 62 tiros no Rio de Janeiro, em 7 abril de 2019. Os militares tiveram a condenação mantida apenas pela morte do catador de recicláveis Luciano Macedo, que tentou ajudar Evaldo, e também acabou fuzilado na ocasião.

Eles terão que cumprir penas em regime aberto, que vão de 3 anos a 3 anos e 7 meses. A condenação é 10 vezes menor que a definida na primeira instância, em 2021. Na ocasião, eles receberam penas de 28 a 31 anos de prisão em regime fechado. .Houve apenas três votos divergentes. O STM é composto por 10 juízes militares das três Forças Armadas e cinco civis.

STM julgou apelação de policiais envolvidos na morte de Evaldo Rosa nesta quarta-feira (18), em Brasília

Por que isso importa?

  • Entendimento de ministra Elizabeth Rocha era de que o caso deveria ser entendido como exemplo de racismo estrutural e perfilamento racial, o que não foi seguido pelos pares.
  • Apelações de militares levadas ao STM são julgadas por Corte formada, em sua maioria, por seus pares das Forças Armadas. Apenas cinco dos 15 juízes são civis, formato que já foi questionado internacionalmente.

Evaldo Rosa passava com a família por uma travessa próxima à favela do Muquiço, no bairro de Guadalupe, no Rio de Janeiro, quando teve o carro alvejado por tiros de fuzil do Exército Brasileiro. Os soldados atiraram 82 vezes, acertando 62 vezes contra o carro de Evaldo, que morreu na hora. O catador de recicláveis Luciano Macedo, que tentou ajudar o músico, também foi fuzilado pelo Exército. Morreu 11 dias depois.

A esposa de Evaldo, Luciana Nogueira saiu correndo com o filho David Bruno, então com 7 anos,  para protegê-lo das balas. Antes disso, ela havia tentado acalmar o marido dizendo “Calma, amor, é o quartel”. Não acreditava que militares pudessem fuzilar uma família. O filho, hoje com 12 anos, ainda sonha ser militar da Marinha. 

Ambos estavam presentes na audiência desta quarta-feira (18), em Brasília.

“Eu quero estar frente a frente com eles”, disse Luciana, perguntada sobre por que fez questão de estar no julgamento. Ao lado do filho, David Bruno, ela se emocionou em diversos momentos durante as leituras de voto, indignou-se com as referências a traficantes, e encarou com dureza alguns membros do tribunal. Ela chegou a afirmar à Agência Pública que tinha “um tiquinho de esperança” de que veria uma punição justa.   

“Triste, lamentável”, disse, depois do veredicto. “O sentimento é de impunidade.” 

Para Luciana, o evento de hoje apenas confirmou o que ela pensava: seria difícil um veredicto justo se os militares “são julgados por eles mesmos”. “Eu não fui pega de surpresa, porque no Brasil em que nós vivemos não existe justiça, em especial para preto e pobre”, disse. 

 “Todos eles aqui são uma cúpula, votaram da forma que votaram pra limpar a imagem do Exército Brasileiro.”

Para ministra, caso Evaldo Rosa é exemplo de perfilamento racial: “execução”

Embora a vitória tenha sido da defesa, o julgamento de hoje não ocorreu sem turbulências. Na plateia, estavam representadas organizações da sociedade civil que têm atuado para apoiar a família de Evaldo, como a Conectas Direitos Humanos e a Justiça Global.

O julgamento foi retomado pelo voto da ministra Elizabeth Rocha, única mulher a integrar a corte. 

Antes de proferir seu voto, a ministra falou Luciana e beijou a face de David. Embora outros ministros tenham apertado as mãos da família, inclusive um militar, Rocha, futura presidente do STM, foi a única que disse “Sinto muito. Sinto muito, mesmo”.  

A ministra também foi a única a dizer em seu voto: “A grandeza humana de Luciano merece contar neste voto, merece reconhecimento, aplausos e dor!”.

Família de Evaldo Rosa foi ao STM, em Brasília, acompanhar o julgamento da apelação dos militares
Augusta Lunardi/Agência Pública

Citando pensadores como Jessé de Souza e até o rapper Emicida, Rocha tomou boa parte do tempo falando de como o caso reflete o racismo estrutural e o perfilamento racial dos moradores pobres do Rio de Janeiro por forças de segurança.  

Em um voto que abriu com detalhes técnicos, a ministra defendeu que os militares deveriam receber penas que variavam de 23 anos e 4 meses de reclusão a 31 anos e sete meses. 

Ao longo da leitura, que durou mais de três horas, ela se emocionou em diversos momentos. A viúva Luciana também lacrimejou quando o marido foi citado: “Na verdade, a pessoa alvejada pelos militares era um homem pobre, pardo, que trabalhava reciclando lixo e, ao ajudar um pai de família que fora atingido por um disparo de arma de fogo, foi concebido como um bandido e morto”, disse a ministra. 

O voto de Elizabeth Rocha foi duro em relação à tese que acabou prevalecendo, que dizia que os militares acreditavam estar agindo em legítima defesa. “Não há que se falar em combate quando se está diante de doze militares fortemente armados de um lado e um único homem do outro, um humilde catador de recicláveis desarmado, que, ainda se não fosse, encontrava-se encurralado pela tropa“, disse.

“O termo aqui utilizado, sem embargo de gerar contragosto a alguns, é ‘execução’, visto que restou sobejamente comprovado no processo qualquer resistência por parte dos vitimados, que foram alvejados, inclusive, com tiros pelas costas”, afirmou.

“Autorizar o disparo de fuzis, incessantemente, até a morte de meros suspeitos, em função da periculosidade de um local e em razão dos soldados supostamente já terem corrido o risco de morte em situação anterior e diversa da que se está vivenciando é colocar a população, sobretudo a que se encontra em locais considerados perigosos, em um risco iminente, o que é inaceitável em um Estado democrático de direito.”

Entendimentos diversos vão além da opinião pública

Logo depois, o relator o tenente-brigadeiro do ar Carlos Augusto Amaral Oliveira voltou a ler o seu voto, o qual defendeu que o primeiro tiro, que atingiu Evaldo nas costas, teria matado o músico instantaneamente. Ele defendeu que isso significa que não se pode dizer que os militares de fato o mataram quando o carro parou, pois ele já estaria morto, o que classificou como um “crime impossível”. 

O voto foi acompanhado por 8 ministros, formando maioria na corte.  

Algumas semanas antes, ele tinha negado a possibilidade da organização Conectas Direitos Humanos participar do caso como Amicus Curiae [instituição autorizada a ingressar na Corte para fornecer subsídios às decisões de tribunais] porque, segundo ele, não haveria “repercussão social” no caso, que caberia apenas às pessoas envolvidas. 

Não é o que acreditam as organizações de direito civil que participaram no julgamento. A advogada Caroline Leal Machado, da Conectas Direitos Humanos, afirmou ser “lamentável que o julgamento não tenha reconhecido que 257 tiros foram, de fato, um excesso”. Para ela, além disso, “o STM não ponderou que foi um caso de perfilamento racial”.

Segundo Machado, é possível que o caso seja levado ao STF e até em cortes internacionais, em que a competência da Justiça Militar para julgar crimes contra civis já seria questionada. Tudo depende da vontade da família. “Eu acho que, por mim, paro por aqui”, afirmou Luciana, desanimada. 

Questionado, o presidente do STM, Joseli Camelo, disse saber que o veredicto não agradaria à opinião pública. “Fica difícil para a população analisar, porque cada ministro analisa com uma visão militar, e analisa o contexto geral”, afirmou, lembrando que se tratava de “militares jovens”.

Fotógrafo: | Edição:
AF Rodrigues/Agência Pública

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