O subcomandante-geral da Polícia Militar do Maranhão (PMMA), coronel Francisco Wellington Silva Araújo, proibiu que fossem cedidos documentos e informações à imprensa que não sejam sobre conteúdos operacionais, divulgados pelas próprias equipes envolvidas, e sem autorização prévia de seus comandantes.
Esse é um dos primeiros atos de Araújo na função. Ele substituiu o ex-subcomandante coronel Nilson Marques de Jesus Ferreira, exonerado pelo governador do Maranhão Carlos Brandão (PSB), em 2 de janeiro, 14 dias após a Agência Pública ter trazido a público a informação de que estaria parada, desde 9 de julho, a investigação interna que apurava a conduta de 54 policiais militares suspeitos de se beneficiarem de forma ilegal da isenção de impostos na compra de veículos.
A ordem ocorre numa época em que o alto-comando e policiais da corporação são alvos de denúncias envolvendo o esquema ilícito – incluindo o ex-comandante-geral, o coronel Paulo Fernando Moura Queiroz. Segundo as denúncias, os policiais usariam alvarás de taxistas, emitidos pela prefeitura de Bacabal, município a 240 quilômetros da capital São Luís. A decisão ocorre também após a reportagem do Fantástico que revelou o esquema, publicada em 14 de dezembro. O ofício foi publicado em 6 de janeiro.
Por que isso importa?
- Segundo a denúncia do Ministério Público, motoristas teriam deixado de pagar R$ 40 milhões em impostos com as isenções ilegais.
- Reportagem da Pública mostrou que a investigação contra os PMs estava parada.
A proibição de contato com a imprensa é justificada no ofício porque o comando está “visando padronizar o comportamento no relacionamento com a mídia, em especial quanto à concessão de entrevistas ou ao fornecimento de dados para a imprensa”.
Um dos trechos do ofício destaca que as informações encaminhadas à imprensa devem ser somente sobre o conteúdo operacional da equipe envolvida, e não “sobre assuntos ou matérias atinentes a outros conteúdos, especialmente quando envolvam outras instituições ou Poderes de qualquer esfera”.
Questionada pela Pública, por meio de nota a polícia militar do Maranhão informou que “o ofício em questão apenas regulamenta portaria emitida em agosto de 2022, com o objetivo de padronizar o relacionamento com veículos de comunicação, em especial quanto à concessão de entrevistas com posicionamentos oficiais”.
O ato de regrar as informações que serão levadas à imprensa veio logo após a abertura de uma apuração interna sobre a conduta do ex-subcomandante-geral, o coronel Nilson Ferreira, e o encerregado de colher depoimentos e analisar o envolvimento dos 54 policiais no suposto esquema ilegal de isenção de impostos para veículos, o coronel Marcos Aurélio Lindoso de Brito.
Coronéis investigados
A demora dos coronéis Nilson Ferreira e Marcos Brito em publicar a conclusão da investigação tornou-se alvo de uma sindicância interna da corporação.
O pedido de investigação preliminar contra os 54 PMs foi recebido pelo encarregado, o coronel Marcos Brito, somente no dia 2 de dezembro de 2024, e concluída somente em 20 de dezembro, descumprindo, em tese, o disposto no § 2º do art. 6º da Portaria nº 076/2015-GCG, de 3 de dezembro de 2015”, escreveu o atual comandante-geral da PMMA, o coronel Pitágoras Mendes Nunes, em seu pedido de investigação, obtido com exclusividade pela Pública.
Segundo o documento citado pelo comandante, “a investigação preliminar deverá ser concluída e entregue à autoridade militar delegante, no prazo de 15 (quinze) dias corridos, a contar da data de publicação da portaria”.
Em 4 de junho de 2024, a promotora de Justiça Especializada de Bacabal do Ministério Público do Maranhão (MPMA), Klycia Luiza Castro de Menezes, pediu investigação interna sobre a suposta participação de 54 policiais militares no esquema ilegal de placas de táxis. O documento foi endereçado ao então comandante da corporação, o coronel Paulo Fernando Queiroz, que era um dos investigados no caso.
No entanto, em 9 de julho, um mês depois, o ex-subcomandante-geral, o coronel Nilson Ferreira – e braço-direito de Queiroz -–, foi quem assinou o pedido de investigação e designou o coronel Marcos Brito para que entregasse um relatório conclusivo sobre a investigação.
Contudo, somente em 20 de dezembro, mais de cinco meses depois da assinatura do pedido de investigação e um dia após a veiculação da reportagem da Pública, foi publicado o relatório conclusivo sobre a investigação preliminar acerca da conduta dos 54 policiais militares envolvidos no esquema. Apenas seis PMs foram ouvidos pelo coronel Marcos Brito, encarregado da apuração do caso.
Investigação preliminar isenta policiais de culpa
Em seus depoimentos, os seis policiais ouvidos pelo coronel Marcos Brito alegaram que desconheciam o esquema fraudulento e que já tinham exercido a função de taxistas paralelamente.
Os depoimentos, colhidos pelo coronel Marcos Brito, foram o suficiente para que ele entendesse que os policiais não teriam agido de má-fé e tampouco infringido o estatuto dos policiais militares, que prevê a dedicação integral à corporação.
“Constatou-se que não há indícios de autoria e materialidade dos fatos por parte dos investigados, no que se refere a cadastro irregular como taxistas na Secretaria de Finanças de Bacabal, bem como o descumprimento de deveres [do] policial militar”, defendeu o coronel Marcos Brito.
O texto conclusivo diz também que “não houve má-fé na aquisição de veículos para o exercício da atividade de taxista, vez que os documentos exigidos para a concessão de alvará foram devidamente apresentados e que os benefícios concedidos decorreram do exercício da referida atividade”.
Ao final, o coronel pede que a investigação preliminar se torne uma sindicância, que é uma apuração mais aprofundada sobre a conduta dos servidores públicos envolvidos.
Após ter tido acesso à conclusão da investigação conduzida pelo coronel Marcos Brito, o atual comandante da PMMA avaliou que não era necessária uma investigação preliminar, mas sim um processo disciplinar adequado.
Segundo o coronel Nunes, o argumento jurídico utilizado para justificar a sua análise e que coloca em dúvida a conduta do coronel Marcos Brito é que os policiais militares envolvidos já são alvos de uma investigação conduzida pelo Ministério Público, logo, não é necessário que a corporação faça uma outra.
“Considerando que os indícios acerca da sua existência já se encontram nos autos da investigação ou do processo criminal, devendo-se instaurar o processo disciplinar adequado à apuração da falta”, escreveu Nunes para justificar o pedido de sindicância contra os outros dois coronéis.