O presidente do União Brasil, Antonio Rueda, defende na Justiça a empresa de um magnata da mineração em uma disputa por área rica em minério de ferro no distrito de Camargos, em Mariana (MG). A Cedro Participações, controlada por Lucas Kallas, passou a ser representada pelo escritório de Rueda em fevereiro deste ano.
O processo que o escritório Rueda & Rueda atua se arrasta há cerca de cinco anos e trata de um terreno explorado pela companhia desde 2022, embora a posse da área ainda não tenha sido reconhecida legalmente. A empresa do dirigente do partido tem sede no Recife e tem como sócia a irmã do político, a advogada Maria Emília de Rueda, tesoureira nacional do União Brasil.
Rueda e Kallas transitam no mesmo círculo político-empresarial em Brasília e ambos frequentam eventos do grupo de lobby Esfera Brasil – do qual Kallas é membro desde fevereiro de 2024. A organização reúne empresários e autoridades públicas influentes.
Por que isso importa?
- A transparência sobre a aproximação e negócios entre lideranças políticas e empresas privadas é uma das formas de um sistema democrático buscar garantir que o bem estar coletivo se sobressaia em relação aos interesses individuais.
O União Brasil ocupa três ministérios no governo federal: Turismo (Celso Sabino), Comunicações (Frederico de Siqueira Filho) e Integração e Desenvolvimento Regional (Waldez Góes). A federação que o partido formou com o PP, oficializada em abril, tem a maior bancada na Câmara dos Deputados e, juntas, as siglas têm seis governadores e 1,3 mil prefeitos. A aliança começou a ser costurada em 2022 com o deputado federal Arthur Lira (PP/AL), com quem Rueda negociou gado, como já mostrou a Agência Pública.
Procurado, Antonio Rueda destacou, por meio de nota, que a atuação de seu escritório de advocacia “é guiada exclusivamente por critérios legais e técnicos, com absoluto respeito à ética profissional e total independência em relação a atividades político-partidárias eventualmente exercidas por qualquer de seus integrantes”.
Segundo ele, o Rueda & Rueda atua “há anos” em direito minerário e ambiental e “a contratação por parte da Cedro Participações ocorreu em um contexto jurídico e técnico anterior ao ano de 2018, quando nenhum de seus sócios exercia cargo de direção partidária”. Conforme informações da Receita Federal, a holding, no entanto, foi fundada por Kallas em junho de 2018.

A Pública questionou o motivo de o Rueda & Rueda só ter entrado no caso envolvendo a disputa de terras em Mariana em fevereiro de 2025, se, segundo o dirigente, há relação jurídica e técnica com o Grupo Cedro há mais de sete anos. Em levantamento realizado nos tribunais de Minas Gerais – onde estão a companhia e suas minas – a reportagem não localizou outra ação em que a empresa é representada pelo escritório. Não houve resposta sobre os fatos até o momento, nem ficou esclarecido o período em que o contrato entre ambas foi firmado.
A Cedro reforçou à Pública que “a contratação do escritório Rueda & Rueda, deu-se com base em critérios técnicos e trata-se de uma atuação em esfera estritamente privada, sem qualquer motivação de natureza política”.

Lucas Kallas e uma costura fina que envolve negócios e política
Kallas tem ampliado suas conexões políticas desde que passou a integrar o Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Presidência da República, por indicação do ministro de Minas e Energia, o também mineiro Alexandre Silveira (PSD/MG). O “Conselhão” foi criado em 2023 para assessorar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “na formulação de políticas e diretrizes destinadas ao desenvolvimento econômico social”.
A rápida expansão dos negócios do fundador da Cedro tem chamado atenção. Em outubro de 2024, ele conseguiu autorização da Agência Nacional dos Transportes (ANTT) para construir o primeiro ramal ferroviário privado do país — 26 km na Região Metropolitana de Belo Horizonte – e, em fevereiro de 2025, assinou o contrato de concessão de um terminal portuário no Porto de Itaguaí (RJ). Com isso, passará a controlar infraestrutura logística que pode escoar minério por dois meios.
O empresário também ganhou holofotes na imprensa ao virar alvo de investigação da Polícia Federal (PF) por suspeita de envolvimento em um esquema de extração ilegal de minério de ferro na Serra do Curral, em Belo Horizonte, que teria contado com a colaboração de servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Funcionários de carreira, Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, que era gerente regional do órgão em Minas Gerais, e o então superintendente substituto de segurança de barragens de mineração, Claudinei Oliveira Cruz, foram exonerados após a operação da PF em abril, sob a suspeita de “peculato, corrupção e/ou advocacia administrativa”.
A assessoria de imprensa da Cedro Participações informou à Pública que Lucas Kallas “nunca teve qualquer relação com os servidores da ANM citados”. “Lucas foi indevidamente incluído nessa nova investigação relacionada a fatos ocorridos principalmente nos anos de 2023 a 2025, quando já estava afastado há 8 anos do quadro de investidores, mas confia que tudo será oportunamente esclarecido nas vias adequadas”, acrescenta.

Área sem propriedade esclarecida já está em exploração
A área conhecida como Tesoureiro Macacos, ocupada hoje pela Cedro em Mariana, é alvo de uma ação de usucapião desde 2010, movida por Genielzio Messias Pereira, que diz ser dono do terreno desde janeiro de 2000, por meio de contrato de compromisso de compra e venda. A disputa envolve também Marco Antonio Amorin, que alega ter adquirido a área em 2015, também por meio de contrato de compra e venda. Até o momento, não há sentença que reconheça a posse ou a propriedade do imóvel rural.
O Código da Mineração (Decreto n.º 9.406/2018) estabelece que, na ausência de acordo com o proprietário do solo, os trabalhos de pesquisa ou lavra só podem ser iniciados mediante depósito prévio de indenização em juízo. A legislação permite a exploração em área de domínio privado, mas condiciona a atividade ao pagamento de renda pela ocupação e à reparação de eventuais danos ao proprietário ou posseiro.
A ANM informou à Pública, por meio de nota, que não é de sua competência buscar soluções de conflitos existentes entre minerador e superficiário, ou de questões relativas ao contrato firmado para uso e ocupação do solo. Segundo o órgão, conflitos de natureza privada são discutidos no âmbito do poder judiciário.
À frente de cargos de gestão na própria ANM, em Minas Gerais, Leandro Carvalho e Claudinei Cruz atuaram diretamente no processo que resultou na outorga concedida à Cedro Participações, em setembro de 2021, para exploração da área sob disputa em Mariana. A agência destacou que, de acordo o artigo 73 do Código da Mineração, “as informações trazidas aos autos de processo minerário são de inteira responsabilidade da titular e do profissional legalmente habilitado que constar como responsável técnico”.
Um ano depois da outorga, o empresário Marco Antonio Amorin — que reivindica a posse do terreno ocupado pela Cedro — informou à ANM que a área é alvo de litígio possessório e contestou a informação prestada pela Cedro, de que seria a proprietária do imóvel. Novas reclamações foram encaminhadas à agência em setembro de 2023 e abril de 2025 e só tiveram retorno em maio deste ano, com a resposta de que a nova gerente regional, Luciana Cabral Danese, “encaminhou os autos para análise da Divisão de Fiscalização de Lavra daquela unidade”.

Sobre a impugnação apresentada por Amorin, a ANM informou que após a leitura do último documento, não aprovou o pedido de servidão requerido pela Cedro Mineração juntamente com requerimento de alteração de plano de aproveitamento econômico. “Os requerimentos foram analisados com publicação de exigências. Em 6 de maio de 2025, o processo foi despachado para análise do cumprimento das exigências publicadas, mas devido à grande demanda do setor, o processo está aguardando análise”, acrescentou.
O empresário também questiona o licenciamento ambiental concedido à Cedro pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). Segundo sua denúncia, parte da área oferecida como compensação ambiental, além de estar em litígio, se sobrepõe ao direito minerário de sua empresa, a Rio Abaeté.
Em resposta a Amorin, a pasta reconheceu que a titularidade do terreno “não está claramente definida”, mas sustentou que isso “não interfere” no processo de licenciamento, pois a Cedro apresentou documentação e informações sobre as ações judiciais em andamento. “Não cabe ao órgão ambiental manifestar-se acerca da natureza da posse”, argumentou o órgão em janeiro de 2024. A reportagem procurou a Semad, mas não obteve resposta até o momento.
A Cedro Participações informou que suas operações seguem “licenças e exigências ambientais e minerárias”, que “não há qualquer irregularidade ou impedimento legal quanto à realização de compensações ambientais sobre áreas com sobreposição a direitos minerários de terceiros” e que “áreas de compensação ambiental podem ser relocadas mediante autorização”.