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2º dia Julgamento Bolsonaro: defesas atacam delação de Cid e negam golpe

Defesas exploram fragilidades da acusação, criticam Cid e minimizam minuta do golpe, maior prova contra Bolsonaro

Reportagem
3 de setembro de 2025
18:16
Gustavo Moreno/STF

No segundo dia do julgamento da trama golpista, com membros do núcleo 1, chamado de crucial, foi a vez dos advogados de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), dos generais, Walter Braga Netto e Augusto Heleno, além do ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira, se manifestarem. Eles negaram a participação dos réus na articulação do golpe, alegaram cerceamento de defesa — sob o argumento de que não houve tempo hábil para analisar o grande volume de material apreendido pela Polícia Federal (PF) — e questionaram a validade da delação premiada de Mauro Cid, considerada um dos pilares da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Homem de toga preta e barba fala ao microfone, no 2º dia julgamento STF.

Advogado de Augusto Heleno: 107 slides com os pontos da defesa

O primeiro a fazer a sustentação oral foi o advogado Matheus Mayer Milanez, que representa Heleno. Milanez destacou que o general, que foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo de Bolsonaro, se afastou do ex-presidente no final do governo e, por esse motivo, nunca teria conversado com Bolsonaro sobre qualquer tentativa de golpe. “Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos do Centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento da cúpula do poder”, ressaltou, apresentando ainda depoimentos de servidores do GSI e reportagens veiculadas na imprensa para corroborar com a tese.

O advogado também atacou a conduta do relator da ação penal, o ministro Alexandre de Moraes, e apresentou o número de perguntas no interrogatório. Segundo ele, Moraes formulou 302 indagações, enquanto a PGR apresentou 59. “Temos um fato curioso. Uma das testemunhas, o senhor Evaldo de Oliveira Aires, foi indagado pelo ministro relator sobre uma publicação feita em redes sociais que sequer consta dos autos. Ou seja, temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso? Qual é o papel do juiz? É julgador ou inquisidor? O juiz não pode, em hipótese alguma, se tornar o protagonista do processo”, pontuou.

Ao longo de sua sustentação, Milanez ainda contestou o uso, como prova, de uma agenda com a logomarca da Caixa Econômica Federal apreendida pela PF na casa do general Heleno. Segundo a PGR, o caderno continha anotações manuscritas que demonstrariam o planejamento da organização criminosa para questionar o sistema eleitoral e propondo que a Advocacia-Geral da União fizesse um parecer que desse respaldo ao descumprimento de ordens judiciais. Milanez rebateu: “O caderno era apenas um apoio à memória do general Heleno. Não há qualquer prova de que seu conteúdo tenha sido compartilhado com terceiros ou usado como base para qualquer ação prática.”

Enquanto Milanez questionava e tentava desacreditar as provas apresentadas pela PGR contra seu cliente, o subprocurador-geral da República, Paulo Vasconcelos Jacobina, que acompanhava a sessão, mantinha um leve e contido sorriso no rosto. Ao longo de sua sustentação, Milanez apresentou 107 slides de PowerPoint com os pontos da defesa. Diante da surpresa dos jornalistas com o volume de material usado na exposição, ele disse que o fato de ser professor o ajuda a organizar e sintetizar grandes quantidades de informação.

Advogados de Bolsonaro: “ex-presidente foi dragado para esses fatos”

A segunda sustentação oral do dia foi apresentada pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, conduzida pelos advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno. Eles também argumentaram que não houve tempo hábil para analisar as provas, negaram que o ex-presidente tenha atentado contra o estado democrático de direito, contestaram a validade da delação de Mauro Cid e ainda disseram que o ex-presidente não discutiu a minuta de golpe e não tem ligação com os atos do dia 8 de janeiro de 2023.

“Um processo com base em uma delação e em uma minuta encontrada em um celular de uma pessoa que hoje é colaboradora da Justiça. Esse é o epicentro, essa é a pedra de toque do processo. A minuta e a colaboração. Daí em diante, o que aconteceu com a investigação da Polícia Federal e, depois, com a denúncia do Ministério Público é, na verdade, uma sucessão inacreditável de fatos”, ressaltou Vilardi, que falou por 45 minutos, antes de passar a palavra para Bueno. Segundo o advogado, “não há uma única prova que atrele o presidente ao Punhal Verde e Amarelo, à Operação Luneta e ao 8 de janeiro” e que Bolsonaro “foi dragado para esses fatos”.

A denúncia da PGR diz que Bolsonaro liderou uma organização criminosa que praticou “atos lesivos” contra a ordem democrática e que estava baseada em um “projeto autoritário de poder”. Conforme destacou o coautor do livro Crimes contra o Estado Democrático de Direito, o advogado criminalista Rafael Borges, em entrevista à Agência Pública, em fevereiro, o principal mérito da denúncia foi ter conseguido provar a conexão entre os ataques do 8 de janeiro às movimentações golpistas anteriores que culminaram no ato.

Para Borges, a partir dessa narrativa, apresentada de “maneira minuciosa”, a PGR consegue sustentar que Bolsonaro praticou os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, tese que a defesa do ex-presidente tentou desmontar hoje.

Um dos argumentos usados por Vilardi, é de que Bolsonaro determinou e autorizou a transição de governo, ajudando o novo ministro da Defesa, indicado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ser recebido pelos comandantes militares. “Todas as testemunhas confirmaram que a transição ocorreu”, disse.

O advogado também tentou descredibilizar a delação de Mauro Cid. Vilardi disse que o ex-ajudante de ordens foi pego “na mentira pela enésima vez”, rompendo com o acordo de colaboração. “O próprio Ministério Público e a Polícia Federal apontaram inúmeras omissões e contradições do colaborador. Ele mudou de versão diversas vezes”, observou.

Homem de toga preta e óculos gesticula diante do microfone, no 2º dia julgamento STF.

Advogado de Braga Netto: “delação mentirosa e oito prints adulterados”

O advogado José Luiz de Oliveira Lima, que defendeu o general da reserva Walter Braga Netto, também atacou a confiabilidade da delação de Mauro Cid, apontando suas múltiplas versões. “Walter Souza Braga Netto é inocente — não sou eu quem entende isso como advogado, mas sim os atos, as testemunhas, todo o conteúdo dos autos”, disse. Braga Netto está detido desde dezembro do ano passado, por ordem de Moraes, após a PF apontar que ele havia tentado obter informações da delação premiada de Cid.

Além de citar “vícios” no acordo de colaboração, Lima disse que o ex-ajudante de ordens teria sido “coagido durante a investigação para mudar seus depoimentos” como uma forma de implicar Braga Netto em crimes. “É apenas uma narrativa, uma narrativa que a Polícia Federal fez com que ele tivesse e que o Ministério Público abraçou de todas as formas”.

Lima também questionou a negativa do ministro Alexandre de Moraes para gravação da acareação entre Braga Netto e Mauro Cid. “Com a máxima vênia, com o máximo respeito, não existe fundamento legal para isso, não existe”, afirmou. Ele destacou ainda que, apesar do volume de documentos apreendidos, nada foi produzido que comprove a participação de seu cliente em planos golpistas. “E o que tem contra o Walter de Souza Braga Netto é esta delação mentirosa e oito prints, oito prints adulterados, e eu vou dizer isso e vou provar isso, já provamos nos áudios. É absolutamente só”, afirmou. “Se a denúncia for aceita da forma como foi proposta pelo Ministério Público, este homem, que tem 69 anos, passará provavelmente o resto da sua vida no cárcere”, concluiu.

Homem de toga preta fala em pé no plenário do STF, com microfone à frente, no 2º dia julgamento STF.

Advogado de Paulo Sérgio Nogueira: “Ele atuou ativamente para demover o presidente da República”

O advogado Andrew Fernandes Farias, apresentou uma estratégia diferente dos outros advogados, ao defender o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira. Ao invés de invalidar a delação de Mauro Cid, usou partes do depoimento a favor do seu cliente. Segundo ele, Cid indicou que o grupo de Nogueira era contrário ao golpe. “O delator afirmou que o outro grupo entendia que não havia nada a ser feito diante do resultado das eleições, e que qualquer ação em sentido contrário configuraria um golpe armado — grupo esse totalmente contrário a essa ideia”, afirmou o advogado. “A delação e o depoimento da principal testemunha de acusação, o comandante da Força Aérea brigadeiro Batista Júnior é contundente, acachapante”, destacou ainda Fernandes.

O advogado também sustentou a tese de inocência de Nogueira, alegando que ele teria tentado dissuadir Jair Bolsonaro de adotar qualquer medida de exceção. “Ele atuou ativamente para demover o presidente da República de qualquer iniciativa nesse sentido”, reforçou o advogado. “Ele assessorou o presidente da República [no sentido] de que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições. É o que diz o delator. Se posicionou totalmente contrário a qualquer medida de exceção”, completou.

Ainda segundo Farias, membros da organização que orquestrava o golpe atuavam para retirar Paulo Sérgio do cargo e que o ex-ministro também foi atacado nas redes sociais. “Pera lá. Como é que ele fazia parte da organização criminosa? É a prova dos nove. Se estavam lutando para tirá-lo?”, questionou.

Ao final de sua manifestação, a ministra Cármen Lúcia pediu esclarecimentos: “Eu copiei aqui cinco vezes. Disse que o réu, neste caso, o cliente de vossa senhoria, ‘estava atuando para demover o presidente da República’. Demover de quê? Porque até agora todo mundo disse que ‘ninguém pensou’ (em ato golpista).” Em resposta, Farias afirmou: “Claro, Excelência. Demover de adotar qualquer medida de exceção, atuou ativamente, e é a prova dos autos.”

O julgamento será retomado na terça-feira da próxima semana, 9 de setembro, com os votos dos ministros da 1ª Turma do STF. A previsão de encerramento com verídico de condenação ou absolvição será, pelo cronograma da Corte, no dia 12 de setembro.

Edição:
Rosinei Coutinho/STF
Rosinei Coutinho/STF
Rosinei Coutinho/STF
Rosinei Coutinho/STF
Rosinei Coutinho/STF

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