Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Checagem

O enigma das vidas salvas pela Lei Maria da Penha

Senadora afirmou que entre 200 mil e 250 mil mulheres estão vivas hoje graças à lei, mas investigação mostra dificuldade em encontrar estatísticas sobre o tema

Checagem
8 de agosto de 2016
09:00
Este artigo tem mais de 8 ano

“Se nós pensarmos que isso pode representar algo em torno de 200 mil, 250 mil vidas poupadas, 250 mil mulheres que hoje estão vivas graças à eficácia da [Lei Maria da Penha], é muita coisa.” – senadora Simone Tebet (PMDB-MS), presidente da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, em entrevista à Agência Senado, no dia 3

Falso
Falso

A senadora Simone Tebet (PSDB-MT) afirmou que entre 200 mil e 250 mil mulheres tiveram suas vidas poupadas durante os dez anos de vigência da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340 de 2006). O número usado pela parlamentar impressiona. Mas será que é verdadeiro? Devido à importância do tema, o Truco no Congresso – projeto de fact-checking da Agência Pública, feito em parceria com o Congresso em Foco – resolveu investigar o dado usado pela peemedebista, presidente da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher do Congresso Nacional.

A estimativa que a senadora Simone Tebet apresentou na entrevista à Agência Senado foi retirada de um editorial do Correio Braziliense do dia 2 de agosto, segundo informou a assessoria da parlamentar. O editorial, entretanto, cita 300 mil vidas salvas, não 200 a 250 mil. O texto reapresenta dados publicados em reportagem do mesmo veículo, em 31 de julho. Acontece que quem apresenta na matéria o dado de “300 mil vidas salvas” pela lei é a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Questionada sobre a informação, a assessoria de Feghali encaminhou ao Truco no Congresso uma entrevista da ex-ministra da Secretaria de Política para Mulheres, Eleonora Menicucci, na qual a informação é mencionado. Segundo disse Menicucci em outubro de 2013, 300 mil medidas protetivas tinham sido expedidas com base na lei – “a lei já salvou mais de 300 mil vidas”, concluiu a ex-ministra.

Procurada, a secretaria disse desconhecer de onde a então chefe da pasta tirou os dados. E disse não possuir, hoje, nenhuma informação sobre número de medidas protetivas, nem mesmo de óbitos decorrentes de violência doméstica. A mesma resposta negativa foi recebida pelo Truco no Congresso do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quanto aos dados relativos a medidas protetivas.

Apesar de ter informado também não possuir dado algum, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) demonstrou ao menos estar no caminho para consegui-los. Começa a funcionar este ano o Cadastro Nacional de Violência Doméstica. O sistema coletará informações sobre número de inquéritos instaurados, com classificação pelos motivos do crime e pelo tipo de relação da vítima com o autor do crime, a distribuição geográfica, entre outras informações. Apesar de importante, a medida não é nada além do que já determina a própria Lei Maria da Penha, em seu artigo 26, desde 2006.

Embora a coleta e sistematização de dados estejam previstas na própria Lei Maria da Penha, mesmo depois de dez anos da sua entrada em vigor ainda não existem informações oficiais sobre quantas pessoas por ano fazem boletins de ocorrência devido a episódios de violência doméstica, ou quantas mulheres recebem medidas protetivas da Justiça, nem mesmo quantas são as vítimas fatais deste tipo de violência.

Dessa forma, por não ter encontrado amparo em nenhuma estatística oficial – que não existe –, a afirmação de Simone Tebet foi classificada como falsa e recebeu do Truco no Congresso a carta Blefe.

A senadora Simone Tebet (PMDB-MS), que usou dado não baseado em estatísticas oficiais
A senadora Simone Tebet (PMDB-MS), que usou dado não baseado em estatísticas oficiais. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Procurada novamente, a assessoria da parlamentar ressaltou que apesar da informação apresentada não possuir lastro em dados oficiais, Tebet reforçou na própria entrevista à Agência Senado que só se consegue combater a violência doméstica com a ampliação da coleta, sistematização e divulgação dos dados, um dos principais objetivos do Observatório da Mulher contra a Violência, encabeçado pela senadora.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Truco

Este texto foi produzido pelo Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública. Entenda a nossa metodologia de checagem e conheça os selos de classificação adotados em https://apublica.org/truco. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail truco@apublica.org e por WhatsApp ou Telegram: (11) 99816-3949. Acompanhe também no Twitter e no Facebook. Desde o dia 30 de julho de 2018, os selos “Distorcido” e “Contraditório” deixaram de ser usados no Truco. Além disso, adotamos um novo selo, “Subestimado”. Saiba mais sobre a mudança.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes