“Essa (…) gravação, totalmente ilegal, pois não tinha autorização judicial, agora está sendo defendida [pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson] Fachin como sendo uma prova legal de obstrução da Justiça.” – Trecho de corrente sobre delação de Joesley Batista, dono da JBS, que circula pelo WhatsApp.
Em março deste ano, o empresário Joesley Batista, dono da JBS, gravou, por conta própria, conversas com o presidente Michel Temer (PMDB), o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Os diálogos foram usados para dar início às negociações de um acordo de delação premiada e foram entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR) no mês seguinte. A divulgação da delação ocorreu em 17 de maio, quando o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, publicou reportagem sobre o conteúdo dos áudios comprometedores.
Já no dia seguinte à publicação da reportagem, o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, homologou a delação de Batista. Um dia depois, em 19 de maio, o ministro autorizou a abertura de uma investigação sobre os três políticos implicados nos áudios. Apesar disso, a gravação feita pelo dono da JBS gerou polêmica. Uma corrente de WhatsApp afirma que o procedimento adotado pelo empresário foi totalmente ilegal, por não ter sido autorizado por um juiz.
Além da discussão em torno do conteúdo da gravação, tema de outra checagem do Truco – projeto de verificação de fatos da Agência Pública –, existe a controvérsia jurídica a respeito da legalidade da prova obtida pelo empresário. Juristas e especialistas em direito constitucional têm questionado a validade dos áudios feitos por Joesley, como mostra reportagem do Consultor Jurídico. Alguns alegam que a situação em que foram obtidos se assemelha a um flagrante preparado, ou seja, um contexto no qual o agente é instigado a confessar ou praticar um crime.
A partir da análise de dados e da consulta a especialistas, o Truco verificou a frase que define as gravações como totalmente ilegais e diz que Fachin estaria “defendendo a gravação como uma prova legal de obstrução da Justiça”. A reportagem conclui que a afirmação que circula no WhatsApp é falsa. Não é necessário ter autorização judicial para gravar uma outra pessoa. A jurisprudência do STF – ou seja, o resultado de julgamentos em a questão foi analisada pelo tribunal – define que gravações feitas por um dos interlocutores são válidas, mesmo que não haja autorização de um juiz.
Isso é mencionado no despacho de Fachin que autoriza a abertura do inquérito. A decisão citada, de 2009, é creditada ao então ministro do STF Antonio Cezar Peluso. Nela, Peluso deliberou que “é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”. No mesmo documento em que cita a decisão de Peluso, Fachin destaca que “somente depois será examinado se existem ou não indícios mínimos suficientes a embasar pleito de promoção da ação penal cabível”.
Além disso, a determinação de que a gravação é prova de obstrução de Justiça só pode ser feita no final do julgamento, que sequer teve início. Não há nenhum trecho do documento de autorização de abertura do inquérito no qual a gravação é “defendida por Fachin como sendo uma prova legal de obstrução da Justiça”, como diz a corrente que circula no WhatsApp. Na verdade, o ministro relembra, em sua decisão, que o que deve ocorrer agora é apenas a “apuração de fatos sob suspeição”. No documento, Fachin ressalta que “não há nada que nesse passo corresponda a mais que investigar fatos que serão ou não comprovados” e também que “ainda que a instauração de inquérito se destine a apurar fatos sobre os quais recai suspeita de tipicidade, isso não implica (…) qualquer responsabilização do investigado”.
Na verdade, Fachin apenas aceitou as gravações feitas com Loures, Temer e Aécio como possíveis provas. Definir se o áudio é uma prova legal e se comprova uma situação de obstrução de Justiça são decisões que competem ao plenário do STF, ao fim do julgamento. Por isso, não há como avaliar a legalidade dos áudios antes dessa análise. Ainda que as gravações sejam consideradas ilegais, será por motivos diferentes daqueles afirmados na frase que circula na corrente de WhatsApp.
Segundo Humberto Fabretti, professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, não há consenso jurisprudencial e doutrinário sobre a legalidade da prova. “Se o interlocutor faz com que o agente pratique o crime, ou seja, não há crime e ele só acontece por conta da instigação, essa prova não é válida, pois há flagrante preparado, que não é admissível pela jurisprudência do STF. Agora, se o crime já existia, e houve apenas a produção da prova do crime, então seria válida, pois o crime já estaria consumado anteriormente”, explica.
Para Heloísa Estellita, professora de direito penal na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, é necessária a conclusão da perícia técnica nos áudios antes de qualquer avaliação sobre sua validade. “Acho indispensável que se aguarde a perícia para podermos falar da ilegalidade ou não da prova. O mínimo que se espera é que as autoridades responsáveis tomem cuidado com a validade e idoneidade dessa prova”, avalia.
Doutora em direito penal pela USP, Estelitta avalia que a instauração do inquérito e a citação da jurisprudência no despacho não demonstram que o ministro Edson Fachin faz juízo sobre a validade da prova. “Não é possível afirmar, diante disso, que ele assume a prova como legal ou ilegal. Não há nenhum parecer atual nesse sentido.”