As imagens geradas por inteligência artificial têm bombado na internet. Seja em simulações realistas de como alguém será quando envelhecer ou em correntes como a que inundou as redes de imagens em “estilo Pixar” nas últimas semanas. Para os ilustradores, porém, a evolução da tecnologia que gera uma ilustração em segundos gera alerta — ainda mais quando a mesma se baseia em suas criações sem consentimento nem remuneração.
Por isso, representantes da categoria estiveram presentes na última reunião da Subcomissão de Inteligência Artificial (SUBIA), criada no âmbito da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados (CCULT), e pretendem acompanhar as discussões no Legislativo sobre o tema.
Para o ilustrador, Felipe Alencar, a ideia não é rechaçar a tecnologia, mas “pavimentar um caminho para a gente tentar regularizar essa ferramenta de alguma forma útil, prática e segura para a propriedade intelectual”. Ele teme que, sem uma regulamentação que considere as demandas das profissões afetadas, a IA gere “precarização da mão de obra de trabalho”.
“Elas [ferramentas de IA] meio que mastigam a propriedade intelectual de alguém, o trabalho criativo, e cospem ele como se fosse uma coisa criada do zero pela ferramenta, mas não é. Elas se alimentam de criatividade humana, de conhecimento humano”, explicou. “Se a gente não tiver organização, consciência e noção dos impactos da ferramenta, a gente vai ser sempre refém”, finalizou.
A ilustradora Clarissa Paiva, que esteve na Câmara, defende medidas como a identificação de todas as imagens geradas por IA e a necessidade de consentimento para uso dos trabalhos alheios: “não é nem aquela coisa de tipo ‘essa ferramenta vai substituir o meu trabalho’, a preocupação é que essa ferramenta vai emular o meu trabalho, vai pegar a identidade que o meu trabalho tem, que eu desenvolvi ao longo de vários anos de carreira, e conseguir fazer uma imitação, o suficiente para ser considerado plágio, o suficiente para realmente usurpar as nossas identidades em algo que a gente não concordou”.
O estudante de design da Universidade de Brasília (UnB), João Pedro Marques, presente no encontro ao lado de Alencar, ressaltou que é importante que a comissão escute, além das pessoas que estudam e trabalham com IA, aquelas “que estão tendo o seu trabalho usado para treinar as próprias inteligências”. A ida dos ilustradores foi organizada por meio de grupos nas redes sociais que envolvem profissionais do Distrito Federal e de outros estados brasileiros.
De olho no direito autoral
A reunião realizada nesta terça-feira (21) tinha como objetivo a divulgação do plano de trabalho da SUBIA, mas isso não ocorreu. Instalada no último dia oito, a subcomissão visa “debater os limites legais e éticos para o uso da inteligência artificial e possíveis parâmetros para sua regulamentação”.
“A ideia principal é a gente estabelecer uma análise, um diagnóstico da situação no Brasil. Não tem marcha ré, a inteligência artificial já está em pleno funcionamento, em diversas áreas, para o bem ou para o mal, vamos dizer assim. Nossa ideia é conhecer, diagnosticar em que estágio nós estamos, avaliar a legislação internacional que existe, e tentar construir uma proposta à Casa, articulando com ministérios, com entidades e com outros órgãos reguladores de gestão”, disse a deputada Jandira Feghali, presidente da subcomissão, no início da reunião.
Integrante da SUBIA e presidente da CCULT, o deputado Marcelo Queiroz ( PP – RJ) acrescentou que o grupo pretende abordar em especial assuntos ligados à cultura, como “a questão da dublagem, a questão da música, a questão do cinema, como o IA influencia, de quem ele toma espaço, como ele faz isso, quais são as consequências futuras, o que já aconteceu em outros países. Acho que esse é o nosso grande desafio num tema que está todo dia em evolução”, concluiu em entrevista à Agência Pública.
Além de Jandira Feghali e Marcelo Queiroz, também integram a comissão os deputados Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que é o relator; Aureo Ribeiro (SOLIDARIEDADE-RJ), vice-presidente; e Lídice da Mata (PSB-BA).
Compareceram ainda à reunião um representante da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e dois enviados de empresas de consultoria. Dos deputados, apenas Feghali e Queiroz estiveram presentes.
Debate sobre IA no Congresso se multiplicou
Desde o início de agosto, está em funcionamento no Senado Federal outra comissão sobre o tema: a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA), instalada a pedido do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa.
Porém, a temática em si já tem sido debatida no Senado desde o ano passado, quando foi criada uma comissão de juristas para análise e proposição de um modelo de regulação. Os juristas entregaram sua proposta de Marco Regulatório da IA no fim de 2023, mas Pacheco decidiu por uma nova análise dos resultados e ordenou a criação da comissão.
As redes sociais, grandes interessadas em uma regulação que favoreça suas iniciativas de IA, têm estado presentes nas discussões da CTIA, como revelou a coluna em agosto.
Além das comissões, existem projetos de lei já apresentados sobre o tema, como o PL 4025/23, de autoria do deputado Marx Beltrão (PP-AL), que exige autorização expressa das pessoas envolvidas para o uso de imagens e de obras por sistemas de IA e prevê a criação de um fundo para a remuneração dos detentores de direitos autorais de obras usadas no treinamento de ferramentas.
Questionada na reunião pela Agência Pública se haverá interlocução da SUBIA com a CTIA, Feghali disse que fará contato com os senadores responsáveis.