A vigésima edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país, começou nesta segunda-feira (22) em Brasília com pedidos aos três poderes da República, mas com cobranças mais incisivas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A carta, que acaba de ser divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora da reunião, contém 25 demandas endereçadas separadamente ao Executivo, Legislativo e Judiciário. O eixo central das reivindicações é o avanço nas demarcações dos territórios, cujo ritmo moroso tem sido criticado pelo movimento indígena.
À Presidência da República, a entidade pede a homologação – etapa final do rito demarcatório, que depende da assinatura presidencial – de quatro terras indígenas. Elas fazem parte de uma lista de 14 territórios cujos processos foram apontados como prontos para conclusão ainda em 2022, pelo grupo de transição de governo.
Em 2023, o governo Lula entregou apenas oito dessas homologações. Na última quinta-feira (18), na cerimônia de encerramento da primeira reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), havia a expectativa de que o presidente assinasse as seis homologações que faltavam. Na última hora, entretanto, houve um recuo, e apenas duas áreas tiveram seus procedimentos finalizados, o que frustrou indígenas de todo o país reunidos no evento.
Na ocasião, o petista se justificou dizendo que os governadores dos três estados onde se localizam os territórios – Santa Catarina, Paraíba e Alagoas – “pediram tempo” para definir o que fazer com os ocupantes não indígenas.
“Mas e o nosso tempo, os tempos dos povos indígenas? Nosso tempo é agora, urgente e inadiável”, destaca a carta. “Enquanto se discute marcos temporais e se concede mais tempo aos políticos, nossas terras e territórios continuam sob ameaça, nossas vidas e culturas em risco e nossas comunidades em constante luta pela sobrevivência.”
O documento ainda cobra do governo a conclusão dos processos de demarcação de outras 23 terras indígenas que aguardam apenas a publicação da portaria declaratória pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública – a segunda fase do procedimento de reconhecimento territorial. Segundo o texto, esses processos chegaram à pasta já no ano passado.
A Apib solicita também que o governo Lula como um todo se empenhe na articulação política para barrar a “agenda anti-indígena” no Congresso Nacional.
Lideranças indígenas ouvidas pela Agência Pública nos últimos meses se queixam de que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) frequentemente atua sozinho para tentar impedir o avanço dessas pautas no Congresso. Exemplo é o Projeto de Lei 2.903/03, que institui, entre outros pontos, o marco temporal para as demarcações. Patrocinada pela bancada ruralista em confronto com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a tese jurídica em setembro, a proposta se transformou na Lei 14.701, que já atrapalha novas demarcações.
Além disso, a carta questiona a fala do presidente na inauguração de uma planta da JBS no Mato Grosso do Sul no último dia (12). O petista pediu ao governador do estado, Eduardo Riedel (PSDB), também presente ao evento, que encontrasse terras para que pudessem “salvar os Guarani”, povo indígena que protagoniza conflitos históricos com fazendeiros. “Você pode me telefonar a hora em que você encontrar as fazendas para comprar, que nós vamos comprar essas fazendas”, afirmou Lula.
De acordo com a Apib, a proposta de comprar terras para assentar os indígenas “afronta o direito originário de ocupação tradicional assegurado pela Constituição Federal de 1988”.
A carta também insiste que o STF julgue como inconstitucional a Lei 14.701 em consonância à tese fixada pela mesma Corte contra o marco temporal. Tramitam no Supremo três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) com essa finalidade, uma delas apresentada pela Apib junto a partidos políticos.
Ao Congresso, a entidade pede sobretudo o arquivamento de quatro Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que pretendem modificar o artigo 231 da Carta Magna, que trata dos direitos indígenas. Essa tem sido uma estratégia da bancada ruralista para fazer avançar suas pautas em relação às demarcações, como mostrou reportagem da Pública.
O lançamento da carta no início do ATL é uma novidade: normalmente, ela é publicada apenas nos últimos dias. A Apib decidiu mudar a estratégia para aumentar a margem de cobrança sobre as autoridades ao longo da semana, segundo explicaram suas lideranças em coletiva de imprensa nesta manhã.
O documento deve ser entregue a representantes dos três poderes. No caso da Presidência, o movimento tenta viabilizar um encontro com Lula no Planalto durante a semana. Ainda não há confirmação de que a agenda vai de fato acontecer.