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Governo Federal nega acesso a peças de campanhas milionárias durante período eleitoral

Ministério das Comunicações barra Lei de Acesso à Informação com justificativa das eleições; Secretaria de Comunicação é oitavo maior anunciante de política no Facebook no país

Reportagem
15 de agosto de 2022
12:00
Este artigo tem mais de 1 ano

O Ministério das Comunicações está barrando o acesso a dados públicos e usando o período eleitoral como justificativa. Através da Lei de Acesso à Informação (LAI), a Agência Pública requisitou o acesso às peças produzidas nas campanhas “Governo Honesto, Trabalhador e Fraterno”. No início de agosto, revelamos que o governo pagou quase R$ 90 milhões neste ano para agências de publicidade realizarem as três campanhas.

O acesso às peças foi negado, segundo o Ministério, devido ao “período de defeso eleitoral”. Nas palavras do governo, o período “restringe a divulgação de material publicitário com assinatura/marca figurativa do governo federal”. 

A justificativa do governo, contudo, não tem fundamento na legislação que trata da divulgação publicitária no período das eleições, baseada na chamada Lei das Eleições, a 9.504/1997.

“A legislação eleitoral não impede o atendimento a pedidos de acesso à informação. Pelo contrário. É justamente em período eleitoral que o cidadão tem (ainda mais) direito a acessar informações públicas, mesmo se essas informações forem peças publicitárias feitas pelo órgão de comunicação”, explicou à reportagem Bruno Morassutti, cofundador e coordenador de advocacy da agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), Fiquem Sabendo.

A Pública apurou que a justificativa já foi utilizada outras vezes  pelo Ministério das Comunicações para negar acesso a dados públicos. Em julho, a pasta negou enviar as transcrições dos discursos do presidente Jair Bolsonaro (PL) usando o período de defeso como razão. Outro pedido, que requisitou o acervo dos vídeos publicados no canal do Planalto no YouTube entre 2018 e 2022 também foi negado com a mesma justificativa.

“Estamos em um momento particularmente sensível em relação às consequências da falta de informação. É sempre lesivo em uma democracia, há um dano difuso, quando não se cumpre a lei de acesso à informação. Mas em especial no período eleitoral essa informação é ainda mais relevante para que a população compreenda se o governo está fazendo propaganda institucional e quais os seus custos, ainda mais quando o chefe do poder é um dos candidatos”, explica o consultor da Transparência Internacional Brasil, Michael Mohallem. Na visão do especialista, quando órgãos públicos não cumprem com o acesso à informação e a transparência à utilização de recursos públicos, há mais brechas para corrupção e desvio da finalidade da máquina pública. “O não cumprimento pode caracterizar infração disciplinar de um agente político ou autoridade que decida pela não resposta. No limite, isso pode levar a um processo de improbidade administrativa”, explica.

Presidente da República, Jair Bolsonaro, recebe do Ministro das Comunicações, Fábio Faria o Prêmio Marechal Rondon de Comunicações
Presidente da República, Jair Bolsonaro, e o Ministro das Comunicações, Fábio Faria

Governo pagou R$ 89 milhões para seis meses de campanhas positivas

Os quase R$ 90 milhões pagos pelo Ministério das Comunicações para agências de publicidade realizarem as três campanhas “Governo Honesto, Trabalhador e Fraterno” foram atestados entre fevereiro e junho deste ano — justamente o período que antecedeu as restrições por causa das eleições. Desde o dia 2 de julho, a Secretaria Especial de Comunicação Social do Governo Federal (Secom) deletou os seus perfis nas redes sociais, tornando impossível acessar o conteúdo dessas campanhas. No período, é proibido qualquer ação de comunicação que possa configurar propaganda eleitoral ou desvio de finalidade — a legislação não cita a Lei de Acesso à Informação.

O Ministério informou à reportagem que as três campanhas milionárias levaram à produção de filmes para TV, Internet e plataformas de vídeos curtos, spot, posts e banners para redes sociais, peças para digital out of home (DOOH), mobiliário urbano (MUB), vinhetas, anúncio para jornal e revista, adesivo e minidoor.

Ainda segundo o governo, apesar dos pagamentos terem ocorrido apenas neste ano, as peças foram veiculadas desde 18 de dezembro de 2021. A última veiculação teria ocorrido em junho de 2022, totalizando pouco menos de seis meses de campanhas. Em média, isso equivale a um gasto de mais de R$ 504 mil por dia para a veiculação.

Secretaria de Comunicação é 8º anunciante do Facebook no Brasil em temas políticos

O Governo Federal, através da Secretaria Especial de Comunicação Social, já gastou mais de R$ 896 mil em anúncios nas redes do Facebook/Meta desde agosto de 2020. O gasto coloca a Secom como o oitavo maior anunciante na plataforma dentre todos os anúncios marcados como temas sociais, eleições ou política. O primeiro lugar é ocupado pela Brasil Paralelo.

Segundo os dados do Facebook, a Secom gastou em média R$ 32 mil para cada anúncio. Ao todo, foram 28 anúncios.

Um dos exemplos é de um anúncio sobre o Auxílio Brasil, ainda com o valor de R$ 400. A postagem, veiculada no Facebook e Instagram entre 25 e 30 de junho, custou entre R$ 80 mil e R$ 90 mil. Ela rendeu mais de 1 milhão de impressões, a maior parte vista por mulheres entre 25 e 34 anos, que acessaram do estado de São Paulo.

Publicação do Governo Federal sobre o Auxílio Brasil
Publicação do Governo Federal sobre o Auxílio Brasil

Além disso, o Governo Federal gastou outros R$ 500 mil em anúncios que não foram veiculados com o rótulo da Secom. Ao todo, o Governo gastou mais de R$ 1,3 milhão em anúncios nas redes do Facebook.

Ministério das Comunicações diz que não impulsiona conteúdo nas redes

Apesar de ser um dos maiores anunciantes do Facebook em temas políticos, a Secretaria de Comunicação do Governo Federal tem dificultado o acesso às informações sobre esses impulsionamentos. Isso porque, em resposta a um pedido de acesso à informação, o Ministério das Comunicações  — estrutura da qual a Secom faz parte — afirmou que “não houve nenhuma publicação impulsionada” nas redes gerenciadas pelo Ministério. “Nosso tráfego em todas as redes sociais é adquirido 100% de forma orgânica”, acrescentou a pasta. 

Contudo, segundo dados do Governo, a Secretaria Especial de Comunicação Social do próprio Ministério pagou quase R$ 30 milhões para agências de publicidade realizarem campanhas em redes sociais durante a presidência de Jair Bolsonaro. 

A maior parte desse valor foi paga para as agências realizarem ações no Facebook, mais de R$ 15,8 milhões. Outros R$ 11,3 milhões foram pagos para campanhas no Twitter, R$ 2,5 milhões no Linkedin e R$ 286 mil no Tik Tok.

Esses valores foram pagos a quatro agências de publicidade e propaganda que têm contratos com o governo: Calia/Y2, Artplan, Nova S/B e PPR. Dos R$ 30 milhões pagos pelo governo a essas empresas, R$ 25,6 foram repassadas às plataformas — parte do dinheiro que o governo gasta fica com as próprias agências, que cobram pelo trabalho de anunciar em redes sociais, TVs, rádios e outras mídias

Questionado pela reportagem, o Ministério das Comunicações informou que não responde pelas redes da Secom. Já a assessoria de imprensa da Secom não respondeu aos questionamentos da reportagem e orientou que os pedidos fossem realizados via Lei de Acesso. Os pedidos via LAI, contudo, precisam ser direcionados ao Ministério das Comunicações no sistema do governo, desde a recriação do Ministério, que ocorreu em julho de 2021.

Alan Santos/PR
Reprodução

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