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Como o STF decidiu que uma terra em demarcação no Mato Grosso do Sul não era dos Kaiowá – e abriu as portas para outras decisões que podem impedir o direito territorial dos índios

Reportagem
8 de setembro de 2016
12:00
Este artigo tem mais de 7 ano

“Sou cacique Tito Vilhalva”, diz o senhor de 96 anos, forte, lúcido, em certo momento da entrevista, quando já estava avançado na narrativa de como sua comunidade Kaiowá alternou a vivência entre a terra conhecida como Guyraroká e outras localidades no suave relevo do cone sul, onde hoje está o estado do Mato Grosso do Sul, durante a primeira metade do século 20. Eram cerca de 1.500 pessoas vivendo em várias aldeias nas margens ou nas cabeceiras dos rios Ipuitã e Karaku, que, a partir de 1930, tiveram de deixar em vários momentos suas tekoha devido à aproximação hostil de novos moradores, que chegavam como proprietários daquelas terras. Tekoha é a palavra guarani para aldeamento, “um lugar onde se pode ser”, como dizem os entendidos dessa língua.

A tekoha em que seu Tito vive hoje, depois de muitas idas e vindas, ainda é em Guyraroká. Mas o ambiente mudou. Fica no meio de uma área inóspita para morada de um índio. Ocupando uma pequena parte da fazenda Lagoa de Ouro, no município de Caarapó, a cerca de 40 quilômetros de Dourados, o conjunto de meia dúzia de cabanas feitas com finos troncos, ramos e lona preta é cercado por extensas áreas plantadas com milho, cana e pasto. Às vezes soja. Distantes uns 200 metros dali, mais cabanas abrigam outra parte do grupo. Ao todo, umas 200 pessoas. Expulsos de suas terras originárias ao longo do século 20, a parentela de seu Tito resolveu, a partir de 1999, reocupar a área num movimento de pressão pela demarcação da Terra Indígena (TI) Guyraroká.

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A jovem kaiowá Erica exibe couro de sucuri caçada no Rio Ipuitã, uma das espécies que resistem ao desmatamento das fazendas que ocupam Guyraroká (Tânia Caliari / Agência Pública)

No cenário ambiental pouco diverso da produtiva Lagoa de Ouro, ainda é possível providenciar um tatu para o almoço. Érika, neta adolescente do cacique, aparece rindo com a carcaça do bicho recém-descarnada pelo seu Tito, encarregado de preparar a iguaria, pois dona Miguela, sua mulher, de 88 anos, está com o braço machucado. Empolgada com o sucesso da exibição do tatu, Érika corre e traz um couro de sucuri para mostrar. Opa! O monstro foi pego outro dia mesmo no Ipuitã, que corta a fazenda, e em cujas margens ficavam algumas tekoha da meninice de Tito.

Incrível como, mesmo com a retirada de praticamente todo o mato da região, a partir dos anos 1940, para a formação de fazendas, algumas espécies ainda resistem. Incrível também que haja ainda esperança no coração do velho Tito de ver Guyraroká ser demarcada em 11.404 hectares de terra, hoje ocupada por 26 fazendas tituladas em cartório.

A verdade é que não se sabe até quando a parentela indígena vai ficar na tekoha mal ajeitada no meio das plantações. Depois de quase 15 anos de tramitação, o processo de demarcação da TI Guyraroká foi interrompido no final de 2014 pela decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Os votos dos ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello favoreceram a demanda de um fazendeiro da região e anularam a portaria declaratória do Ministério da Justiça emitida em 2009, que determinava a colocação de marcos para delimitar a TI Guyraroká. A portaria do Ministério da Justiça é a penúltima etapa de um processo de regulação fundiária de uma terra indígena, fase anterior à homologação pela Presidência da República e de seu registro em cartório em nome da União para o usufruto dos índios (entenda o processo de demarcação aqui).

No início de junho deste ano, o caso foi transitado em julgado no STF. Quer dizer: não há mais recursos judiciais para salvar Guyraroká. Adeus, Guyraroká.

Seu Tito não sabe os detalhes do processo. Sabe, porém, que tudo aquilo estava demorando demais e apresentou os cantos que entoará se não conseguirem a terra. São rezas que evocam desastres naturais para matar o índio, mas também a todos, numa espécie de fim de mundo. É uma ameaça. Mais uma estratégia de resistência que Tito levanta em nome de sua terra.

Cacique Tito Vilhalva nasceu e resiste em Guyraroká, terra indígena transformada em fazendas e cuja demarcação foi anulada pelo STF (Tânia Caliari/ Agência Pública)
Cacique Tito Vilhalva nasceu e resiste em Guyraroká, terra indígena transformada em fazendas e cuja demarcação foi anulada pelo STF (Tânia Caliari/ Agência Pública)

Como a guerra pela demarcação virou caso de Justiça

A reversão pelo Supremo do processo de demarcação de terra indígena em estágio avançado foi feita com base no chamado marco temporal, critério estabelecido pelo próprio STF no julgamento da demarcação da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2008. O marco define como terra indígena somente aquela tradicionalmente habitada pelos índios no momento da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

Realmente, naquela época não havia mais tekoha em Guyraroká. Reunidos em reservas indígenas criadas pelo governo federal nos anos 1910 e 1920, ou dispersos pelo cone sul com o estabelecimento das fazendas, em 1988 os índios de Guyraroká frequentavam seu antigo território apenas para trabalhar como peões, dar um rolê atrás de tatu e outras caças, ou visitar, como intrusos, seus locais religiosos. Guyraroká em si é um nome religioso, como tantos outros que denominam terras Guarani e Kaiowá. Significa “pátio dos pássaros”, um local onde os bebês eram batizados, recebendo, segundo a tradição, o seu passarinho, sua alma.

O julgamento relativo a Guyraroká foi o primeiro que mudou o rumo de uma terra indígena por influência do resultado do julgamento da TI Raposa Serra do Sol. Mas não foi o único. Ainda no final de 2014, a mesma Segunda Turma anulou outros atos administrativos do Poder Executivo relativos à demarcação da TI Limão Verde, do povo Terena, também no Mato Grosso do Sul, e da TI Porquinhos, do povo Canela-Apãniekra, no Maranhão, com base em novas regras advindas do mesmo julgamento.

Essas decisões do STF, a mais alta corte do país, podem representar um tremendo baque nas esperanças de demarcação de outras terras indígenas pelo país afora. Muitos aldeamentos tradicionais foram extintos antes de 1988, e muitos processos de demarcação contestados na Justiça Federal – ramo do Judiciário que tem a competência para questões que envolvem direitos indígenas – poderão ser julgados sob a nova regra temporal criada pelo Supremo.

Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2015 havia 140 ações judiciais sobre demarcações de terras indígenas oriundas apenas do estado do Mato Grosso do Sul tramitando nas três instâncias da Justiça Federal.

O Mato Grosso do Sul, terra de Guyraroká, é o estado que abriga a segunda maior população indígena do Brasil, cerca de 74 mil índios, vivendo em 54 terras indígenas e reservas, mas também em áreas rurais, urbanas e em beiras de estradas. A grande maioria dos indígenas é da etnia Guarani, e os Kaiowá são os mais numerosos no estado. Mas há ainda os Guarani-Ñandeva e também povos das etnias terena, Kadiwéu, Guató, Ofayé, Kinikinawa e Atikum.

Das 54 terras indígenas do estado, segundo levantamento da ONG indigenista Instituto Socioambiental, 11 estão em fase de identificação, 4 já estão identificadas, 10 estão declaradas, e 23 foram homologadas. Seis das áreas já homologadas pela Presidência da República ou declaradas como terra indígena pelo Ministério da Justiça, fases finais da demarcação, estão sendo questionadas na Justiça, como foi Guyraroká. Isso representa 18% do total.

Mato Grosso do Sul é também território privilegiado do agronegócio, que cultiva sobretudo grãos, cana e carnes sobre grande concentração fundiária. De acordo com dados do IBGE divulgados em 2009, enquanto os estabelecimentos menores que 200 hectares representavam quase 62% das propriedades, mas apenas 4,11% da área, as propriedades acima de 2.000 hectares eram 7,14% do total, mas detinham 63,42% da terra. São terrenos que passam por grande valorização. Segundo corretores que comentavam um leilão de terras no site de notícias DouradosNews em agosto de 2014, o valor médio do hectare saltou de R$ 3 mil para R$ 10 mil entre 2002 e 2012, em grande parte do estado, superando a casa de R$ 30 mil em regiões como a Grande Dourados.

À primeira vista, Dourados é uma cidade agradabilíssima, plana, com edifícios baixos, e muito arborizada. Segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul, com 218 mil habitantes, tem comércio vigoroso e sofisticado, que se beneficia da renda do agronegócio. Nas ruas e lojas centrais praticamente não se veem índios, porque a maioria dos 18 mil indígenas da cidade vive na reserva de Dourados, distante alguns quilômetros do centro, atendida por um precário serviço de transporte público. Criada em 1928 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a reserva tem cerca de 3 mil hectares e recebeu durante décadas indígenas de vários aldeamentos da região, liberando as terras para serem vendidas pelo estado a particulares.

Do ponto de vista indígena, o que houve foi a progressiva transferência de sua população de um território amplo, que viabilizava seu modo de vida, sua subsistência e organização social, para pequenos espaços estabelecidos para educá-los, catequizá-los, transformando-os assim em pequenos produtores ou assalariados – fazendo parte, portanto, do projeto de nação do governo federal.

A grande quebra cultural, a crescente concentração populacional nas reservas, e o controle social exercido por diversas instituições e estatutos disciplinares resultaram em muitos problemas para os índios: alcoolismo, brigas familiares, suicídios, sobretudo entre os jovens. A transferência sistemática dos indígenas para as reservas resultou também na ausência dos parentes de Tito Vilhalva da terra Guyraroká em 1988.

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Cícero Alves Dias, advogado autor da primeira causa contemplada no STF pela regra do marco temporal, que anulou a demarcação da terra indígena de Guyraroká (Tânia Caliari / Agência Pública)

Um advogado no centro da disputa

É no centro de Dourados que vamos encontrar Cícero Alves da Costa, advogado responsável pela ação vencedora no STF que anulou a portaria declaratória de Guyraroká. Bem-humorado, e aparentemente curioso com a entrevista, o advogado fala em seu escritório dos dias em que chegou à cidade, em 1978, deixando um posto de funcionário da Kodak, no Vale do Paraíba, em São Paulo. “A reserva indígena era um lugar que todo mundo adorava ir visitar. A gente nunca tinha visto índio, e naquela época eles ainda viviam naquelas casas cobertas de sapé”, conta. Como advogado, Cícero foi pegar sua primeira causa envolvendo terras indígenas em 2001, para defender proprietários das fazendas que estavam no território que, três anos mais tarde, seria identificado pela Funai como TI de Guyraroká. Em 1999, o grupo de seu Tito já havia ocupado parte da fazenda Santa Claudina, do deputado estadual Zé Teixeira (DEM), e, convencido a sair numa negociação com o proprietário, se alojou depois na beira de estradas ali perto, marcando presença. Em 2004, os indígenas entraram finalmente na fazenda Lagoa de Ouro para ficar.

Enquanto isso, o processo de demarcação, iniciado em 2001 com os estudos antropológicos da Funai, corria na administração federal. Assim que o então ministro da Justiça Tarso Genro assinou, em outubro de 2009, a Portaria Declaratória 3.219, determinando que a Funai fizesse a demarcação administrativa de Guyraroká, dr. Cícero entrou com um mandado de segurança contra a portaria. Defendia Avelino Donatti, dono da fazenda Cana Verde, também em Guyraroká. Como sua ação contestava um ato ministerial, o mandado de segurança foi proposto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro adequado para causas contra atos de ministros de Estado.

Cícero da Costa, em seu escritório de arquitetura arrojada, com fachada de concreto armado, mas totalmente despojado de luxo, conta tudo isso didaticamente, explicando que, para essa ação judicial, havia estudado muitos casos de demarcação, chegando à conclusão de que não deveria discutir, no processo, provas antropológicas sobre a presença ou não dos indígenas na terra, e sim apontar o “direito líquido e certo” de seu cliente sobre as terras, que, afinal, estão registradas em cartório. O advogado explica que demonstrar um direito “líquido e certo”, observável “a olho nu”, é fundamental para a admissão de uma causa por mandado de segurança.

A petição de dr. Cícero apontava “imoralidade e ilegalidade” no procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas. “A Funai ou a União não podem usar a demarcação para transformar o título privado em título público”, diz. E cita o Código de Processo Civil, que determina, no artigo 946, que a demarcação é prerrogativa única e exclusiva do proprietário. “Se a União não é proprietária da terra, como ela ia ter o direito de demarcar? Outro ponto é que o registro pela União das terras em seu nome no cartório de imóveis cancela o domínio anterior. Ora, o cancelamento de um registro só pode ser feito por uma decisão judicial”, diz o advogado.

Já o marco temporal – motivo pelo qual sua demanda foi vencedora do STF –, dr. Cícero considera uma tese “meio burra”, pois, segundo ele, “dá com uma mão e tira com a outra”. Ele se refere ao “renitente esbulho” que consta no voto do então ministro Carlos Ayres Britto, relator do julgamento da TI Raposa Serra do Sol em 2008, que instituiu o marco temporal. Britto diz que “a tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios”. Ou seja, a terra continuará passível de demarcação se a ausência dos índios em 5 de outubro de 1988 no território for resultado de uma expulsão violenta e persistente.

“Mas tudo isso precisa ser provado… Ora, nós temos dúvida de que quando Cabral chegou aqui só tinha índio? Eu não tenho”, diz dr. Cícero, para quem o problema é que basta constar no laudo da Funai que os índios foram expulsos de forma violenta para que o marco temporal caia. “O marco não é solução pra nada!”, diz.

Realmente, a tese foi usada sem grande destaque na petição inicial da ação de 2009, na qual o advogado afirmou que a terra em questão estava “totalmente desafetada da presença e da ocupação indígena” quando seu cliente comprou a fazenda em 1988 – e apontou o próprio laudo antropológico da Funai como prova disso.

Burra ou não, porém, a tese lhe seria muito útil. Toda a construção jurídica em torno do “direito líquido e certo” de seu cliente não passou no STJ. A relatora da ação, ministra Eliane Calmon, rejeitou o mandado de segurança em março de 2010. Dr. Cícero apresentou embargos de declaração, pedindo esclarecimentos. Perdeu. Recorreu então da decisão, e a ação foi bater no STF como Recurso Ordinário em Mandado de Segurança.

Por sorteio, o caso foi parar na Segunda Turma, formada pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Tofolli e Teori Zavascki. Em 2012, Lewandowski assumiu sua relatoria.

O andamento de um processo-chave

Na agenda do STF, a Segunda Turma se reúne às terças-feiras à tarde. A sessão é aberta para quem quiser acompanhar e estiver devidamente vestido, com traje social, e com um documento de identificação. É só chegar.

O pequeno anfiteatro do anexo II do Supremo é frequentado por estudantes de direito e interessados nas causas. Indo a uma, percebe-se que a maioria das sessões costuma ser absolutamente sem graça. Os ministros relatores vão falando rapidamente seus votos sobre as ações, já enviados por meio eletrônico aos outros ministros, que supostamente já os leram. Em geral não há debates, e os ministros acompanham a decisão do relator, dando um andar monótono ao expediente. Vez por outra, um ministro como o decano Celso de Mello, o mais antigo da corte, em deferência aos estudantes presentes, faz de um comentário uma verdadeira aula sobre habeas corpus, por exemplo. O ritmo dos julgamentos fica alucinante quando os ministros partem para as listas, que agregam vários casos para os quais os relatores vão negando ou admitindo recursos de baciada.

O julgamento da terça-feira, 19 de novembro de 2013, no entanto, não foi nada monótono. O ministro Ricardo Lewandowski levou a seus a pares seu voto sobre o caso de Guyraroká provavelmente certo de que sua decisão seria acatada por todos. Afinal, a jurisprudência do STF consolidava a ideia de que a demarcação de terras indígenas não era assunto para ser examinado por mandado de segurança, que não permite a apresentação de provas e contraprovas, essenciais num assunto tão complexo.

Lewandowski também colou em seu voto parte do posicionamento da Procuradoria- Geral da República, cabeça do Ministério Público Federal, que dizia que “(…) a Constituição Federal de 1988 reconhece, expressamente, o direito originário das comunidades indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas (…). Assim, ao criar espécie de posse normativa em favor dos povos indígenas, não erige como pressuposto a exatidão dos registros de ocupação anterior”. Isso posto, Lewandowski negou provimento ao recurso especial.

Confiante em seu voto, qual não deve ter sido a surpresa do futuro presidente do STF quando o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do voto, evocando o marco temporal e o papel do Supremo como criador de nova jurisprudência que a Funai deve seguir em seu rito de demarcação.

Lewandowski ainda retrucou: “Mas em sede de mandado de segurança, que tem angustos limites probatórios, eu não vejo como revolver toda essa documentação e declarar ilegal o ato do ministro de Estado da Justiça”. Gilmar evoca então o poder do STF em criar regras, muitas vezes contestado por juristas: “É só para deixar claro, ministro Lewandowski, o laudo da Funai é que tem que seguir a jurisprudência do Tribunal a propósito”.

Julgamento suspenso…

Suspense.

Gilmar Mendes e as liminares

Em Dourados , o procurador do Ministério Público Federal Marco Antônio Delfino gasta boa parte do seu tempo contestando decisões da primeira instância da Justiça Federal que vão contra os interesses das comunidades indígenas.

Ele avalia que os juízes de primeira instância agem muito sob a pressão local, assumindo geralmente o ponto de vista hegemônico da região, “que é a de que os índios não têm direito a essas terras”. Já as decisões do Supremo, ao contrário, têm sido a favor dos índios, diz ele. “Amplamente favoráveis porque essa é uma questão constitucional e os ministros estão longe das situações locais. Muitas vezes, os julgamentos em primeiro grau são muito apaixonados, num ambiente tenso nos casos de ocupação de fazendas, por exemplo. Se o caso chega ao Supremo, a questão está mais amadurecida. Imagina uma causa que demora 10 anos, 15 anos, para chegar ao STF, já deu uma pacificada, e os ministros têm mais condições de se ater aos direitos constitucionais”.

A advogada Erika Yamada, relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da organização Plataforma Dhesca, concorda. Ela destaca que, até as decisões da Segunda Turma em 2014 – incluindo a de Guyraroká –, o STF havia decidido apenas duas questões de mérito sobre demarcações, entre elas a da TI Raposa Serra do Sol. Isso quer dizer que a grande maioria das ações desse tipo nem chega a ter o mérito analisado, levando-se em conta o direito indígena, pois já são rejeitadas por questões processuais, como a inadequação do uso do mandado de segurança, por exemplo. E, nessas duas decisões de mérito, o Supremo reconheceu que o direito coletivo dos povos se sobrepõe aos títulos de propriedade de particulares. Um problema apontado por Erika, porém, são as decisões liminares, provisórias, concedidas no STF mesmo para ações em mandado de segurança, que suspendem por longos anos os processos de demarcação.

Só no seu mandato como presidente do Supremo, de 2008 a 2010, o ministro Gilmar Mendes proferiu monocraticamente oito decisões liminares suspendendo decretos presidenciais de homologação e portaria do Ministério da Justiça relativos a terras indígenas no Mato Grosso do Sul e em Roraima. Em janeiro de 2010, concedeu a liminar contra o ato do presidente da República que homologou a demarcação da TI Arroio-Korá, em Paranhos (MS), suspendendo a homologação até que se transite em julgado a ação que pede a total anulação do decreto. Resultado: a ação está parada, sem nenhuma movimentação, no gabinete da ministra Rosa Weber, relatora do processo, desde setembro de 2012.

A suspensão do rito da demarcação pelas liminares tem efeitos nefastos na vida dos indígenas e até dos fazendeiros que aguardam o seu destino da terra. No caso de Arroio-Korá, Kaiowás e Ñandevas ocuparam as terras reivindicadas e foram ameaçados a balas pelos fazendeiros, resistindo por anos com mulheres, velhos e crianças em acampamentos precários.

Comprar ou desapropriar a terra?

No seu escritório, entre uma explicação e outra, dr. Cícero lança à repórter: “Eu vou te fazer uma pergunta que sempre quis fazer para quem gosta dessa questão. Se um índio desses invadisse uma propriedade sua, você o aceitaria, sairia de lá com uma mão na frente outra atrás, diria ‘pode ficar que é seu’, e tchau, tchau? Você faria isso? Os apaixonados por essa questão fazem essa apologia da terra ao índio com o patrimônio alheio”.

O parágrafo 6o do artigo 231 da Constituição diz que os títulos de propriedade não têm validade alguma diante do reconhecimento de que uma terra pertence aos índios. A indenização, nesses casos, cobre apenas as benfeitorias, e não paga a terra nua.

Discorrendo com propriedade sobre o assunto, a subprocuradora geral da República Deborah Duprat, até recentemente à frente da 6a Câmera de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, dedicada a garantir direitos de indígenas e de populações tradicionais, diz que grande parte das decisões que favorecem os fazendeiros é inspirada no “mito da propriedade privada”. Mito, porque geralmente essas decisões confundem o direito constitucional à propriedade com o direito civil relativo a certa propriedade.

O direito à propriedade aparece de fato no artigo 5o da Constituição como um dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro, assim como o direito à vida, à liberdade e à segurança. “O que constituições de países capitalistas inscrevem como direito fundamental é o direito de todos a serem proprietários. Nesse sentido, não há como se recusar o caráter universal e inviolável de tal direito. Diferentemente, contudo, é o direito a uma propriedade em si, que, por sua própria natureza de poder ser vendida, alienada ou dividida, não pode ser concebido como fundamental”, ensina Duprat.

O apelo do dr. Cícero quanto ao direito de seus clientes às suas propriedades remete ao complexo quadro histórico fundiário da região, onde as terras começaram a ser vendidas a particulares na primeira metade do século 20 pelo então estado de Mato Grosso. Segundo o relatório produzido pela Comissão sobre a Questão Indígena em Mato Grosso do Sul, criada no âmbito do Fórum de Assuntos Fundiários do Conselho Nacional de Justiça, em 2011, o Estado brasileiro seria o grande responsável pela expropriação do território indígena, devendo hoje demarcar as terras dos índios, mas também indenizar o proprietário detentor dos títulos de propriedade, pagando pela terra nua.

A Comissão concluiu que o modelo demarcatório não poderia ser o único instrumento para transferir terras para as comunidades indígenas e propõe, entre outras medidas, que o governo federal arque com “recursos orçamentários para garantia de transferências de terras para as comunidades indígenas, inclusive com a adoção e a divulgação imediata de um cronograma claro e objetivo para a solução dos conflitos em cada terra indígena”. O relatório recomenda também que juízes e tribunais de todo o país deem prioridade aos processos judiciais envolvendo demarcações de terras indígenas. Por ora, porém, o receituário do CNJ permanece letra morta.

Construção histórica

“A questão das demarcações não é uma questão só do presente, mas uma questão construída ao longo do processo histórico”, diz o professor Levi Marques Pereira, da Universidade Federal da Grande Dourados, responsável pelo laudo antropológico da área de Guyraroká. Segundo ele, no começo do século 20 a atividade de exploração da erva-mate nos mais de 5 milhões de hectares da área de concessão dada a uma empresa extrativista acomodava bem a presença indígena, porque não existia uma disputa pela terra. A maior parte das comunidades permaneceu e viveu por décadas conciliando autonomia comunitária com o trabalho na erva. Tudo mudou com uma lei de 1915, que permitiu a venda da terra a particulares, iniciando o processo de implantação de fazendas.

Foi também em 1915 que o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910 pelo marechal Cândido Rondon, estabeleceu a primeira reserva indígena na região. “Percebendo que o processo de compras das terras ia avançar até o último hectare do território, atropelando as comunidades, o SPI requereu alguns espaços para que os índios tivessem um refúgio”, diz Levi Marques. Foram oito as reservas demarcadas entre 1915 e 1928 no cone sul: Caarapó, Dourados, Ramada ou Sassoró, Porto Lindo ou Jacarey, Amambai, Limão Verde e Pirajuí.

A chegada dos não índios à região não passou despercebida pelo cacique Tito, que risca na terra vermelha o trajeto que fez ainda menino com sua parentela no início dos anos 1930 fugindo da “guerra de Getúlio Vargas” e da captura violenta para retirada dos índios do território.

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Crianças kaiowá brincam na ocupação de área da Fazenda Lagoa de Ouro, que um dia foi a Guyraroká de seus antepassados. (Tânia Caliari / Agência Pública)

Depois de sair e voltar para Guyraroká várias vezes, o grupo do seu Tito foi avisado pela liderança da reserva de Caarapó que deveria voltar à sua terra, pois havia “um fazendeiro, esse que vem de outro país, que vai tomar a aldeia”. A narrativa e a linguagem do cacique são cativantes:

“Aí, um dia sábado, mais ou menos um sábado por aí, ele chegou. O nome dele é Ilson Galvão, e falou: ‘eu comprei essa fazenda aqui, 7 mil alqueires.’ Então aí, ele falou: ‘quantos índios tem aqui?’ Como ficou parte lá em Tey´ikue [reserva de Caarapó], então tinha uns 300, 400. Aí ele falou: ‘então eu venho avisar vocês que se quiserem morar aqui mora, se não quiserem tem que sair’. Aí quando foi de tarde, no outro dia à tarde, chegou, o nome dele Antônio Albuquerque, e já vem com espingarda nas costas assim. E já não fala mais ‘quanto índio que tem?’ Fala ‘bugre!’. ‘Quantos bugres tem aqui?’. Aí quando foi de madrugada mais ou menos, por aí assim, estourou aquele tiro. ÓOOOO. A bala vinha e nós corremos tudo embaixo do cocho. Aí então quando amanheceu o dia, três mulheres, mataram elas, pegou a bala, né?”

Com o ataque, os índios foram para a reserva de Caarapó, mas seu Tito retornou a Guyraroká com um pequeno grupo ainda nos anos 1930. “Aí tinha um pedacinho em Guyraroká, que era Passo Fundo o nome do lugar lá. Aí nós voltemos, mas nós voltemos na base de uns 40, 50 pessoas, mais um pouco.” Em todo o território do cone sul, vários grupos continuaram morando nas matas que ainda não haviam sido transformadas em fazendas. “Não tinha tecnologia, então o cara abria um pedaço, plantava, passavam anos, abria outro pedaço, vendia… Para vender, não queriam índios ali, e pediam para os chefes das reservas ou agentes do SPI tirar os índios”, diz Marques.

As reservas foram se enchendo nos anos 1970 e 1980, em plena ditadura militar, com a chegada da agricultura mecanizada e a ocupação mais intensa das terras. Algumas demarcações de territórios tradicionais aconteceram só depois de um episódio de grande repercussão: em 1978, sem conseguir um acordo com os índios, a Funai retirou-os da propriedade dos herdeiros da companhia Matte Larangeiras, no município de Laguna Carapã, e os levou para o Paraguai, criando um incidente diplomático. A demarcação das terras indígenas Rancho Jacaré e Guaimbé só saiu em 1983. “A notícia dessa demarcação correu entre os índios, e várias comunidades que viviam nas fazendas não aceitaram mais a remoção”, diz Marques.

A demarcação seguinte ocorre em 1985, depois que um grupo de indígenas inicialmente isolados num fundo de fazenda reuniu guerreiros de várias comunidades e resistiu à tentativa de remoção, resultando na homologação da TI Pirakuá, no município de Campestre. A partir da crescente organização dos indígenas em assembleia de lideranças, a chamada Aty Guaçu, uma das ações adotadas passou a ser a ocupação de terras tradicionais, as chamadas “retomadas”. O movimento é apontado pelos ruralistas como o “estopim” para um quadro violento no estado, sobretudo no final dos 1990.

Diante das retomadas, os fazendeiros aumentaram sua influência e atuação política, elegendo vários parlamentares, e passaram a questionar judicialmente os processos de demarcação.

Mas, para além das ações parlamentares e dos “data venia” dos tribunais, a ação direta de fazendeiros e seguranças armados já deixou pelo menos 12 lideranças indígenas mortas entre 1983 e 2016, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que denuncia que nenhum mandante das mortes foi responsabilizado e punido (leia a reportagem Os jagunços cercam os guaranis). No final de 2013, a organização dos fazendeiros chegou ao requinte de promover o que chamaram de “leilão da resistência”, com objetivo de arrecadar fundos para contratar serviços de segurança para suas fazendas.

A morte mais recente foi de Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 26 anos, no dia 14 de junho de 2016, em Caarapó, num ataque feito por cerca de 70 fazendeiros e pistoleiros contra a ocupação por 300 índios Kaiowá de parte da fazenda Ivú, que, com outras 86 propriedades rurais, incide sobre uma área de 55 mil hectares em processo de demarcação pela Funai. A ação deixou outros seis indígenas feridos à bala, na cabeça, coração, abdômen e braço. O Brasil já foi denunciado e cobrado internacionalmente pela violência contra os indígenas no Mato Grosso do Sul, como em outubro de 2015 na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O jogo político

Diante da violência e da morosidade dos processos de demarcação, o MPF conseguiu que a Funai assinasse em 2007 um Compromisso de Ajustamento de Conduta (CAC) para iniciar os estudos de demarcação reivindicados por várias comunidades indígenas do cone sul. Foram formados seis grupos de trabalho encarregados de identificar e delimitar terras em 26 municípios.

Em meio à papelada em seu escritório em Dourados, o antropólogo Marcos Homero Ferreira Lima, veterano analista pericial do MPF, observa que, num processo de regularização fundiária das terras indígenas, o papel do Judiciário é importante, mas o que determina realmente o avanço ou o recuo desse processo são ações políticas de grupos que apoiam ou contestam as demarcações.

Cada vez mais organizados, os indígenas e seus aliados fazem protestos locais e em Brasília, bloqueiam estradas, ocupam fazendas, visitam autoridades, discutem em universidades, expõem suas reivindicações em campanhas nacionais e internacionais.

Da parte dos ruralistas, exponencialmente mais poderoso economicamente, além da ação política de vereadores, deputados estaduais e 207 deputados federais da bancada ruralista (leia mais: as bancadas da Câmara) – que querem passar no Congresso propostas como o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas –, há a construção cotidiana de um discurso hostil aos índios, disseminado entre a população ao longo dos anos com base muitas vezes em desinformação.

Segundo Homero, a celebração do CAC entre Funai e MPF, por exemplo, originou o boato de que os 26 municípios “desapareceriam” com a demarcação das terras indígenas. “Outra estratégia dos segmentos anti-indígenas é atacar a moral dos atores sociais envolvidos na regularização fundiária, como antropólogos, a Funai e seus apoiadores como o Cimi”, diz. O Cimi foi recentemente alvo de uma CPI na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, cujo relatório final responsabiliza a entidade católica por organizar e incitar os índios para enfrentamentos.

Deputado ze teixeira
O deputado Zé Teixeira

O deputado Zé Teixeira (DEM) é uma das principais vozes políticas de contestação do processo de regularização fundiária no Mato Grosso do Sul. O deputado é diretamente afetado, pois foi em sua fazenda Santa Claudina que houve a primeira retomada do grupo do seu Tito nas terras de Guyraroká. Ele conta que chegou rapazinho a Dourados, em 1964, e trabalhou com seu pai comprando e vendendo terras. Diz que, se os índios têm história, ele também tem. “Sempre labutei com a terra”, diz. “A gente comprava fazenda de mato, a gente derrubava o mato e depois vendia.” Fala dos índios de forma camarada, como sua mão de obra. “Muitas vezes eu ia na reserva e contratava 20, 30, 40 índios para ir derrubar mato para gente. Muitas matas de fazendas que eu abri aqui foi com os índios, que derrubavam a machado, que não tinha motosserra.”

Da narrativa de fatos longínquos, Teixeira passa a questionar abertamente a reivindicação dos índios durante a entrevista. “Isso é uma utopia, isso é uma utopia jurídica! Só que o Ministério Público, as ONGs internacionais, parte do Cimi, parte grande do Partido dos Trabalhadores fomentam na cabeça do índio que ele tem o direito de reivindicar e retomar”, diz. O deputado justifica sua participação no “leilão da resistência”, para o qual doou gado. “Se o dinheiro é meu, e eu quero dar pelo seguinte: todo produtor rural é tido como um bandido, é tido como pessoa nociva à sociedade. A sociedade não entende que é o produtor rural que sustenta o Brasil de pé, que põe alimento na mesa, topa com uma política desastrosa e tem que conviver com as condições climáticas, tem que cumprir leis, tem que ter reserva legal na propriedade, tem que ter isso, tem que ter aquilo…”

O “leilão da resistência” ocorreu em 7 de dezembro de 2013 na Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), em Campo Grande, capital do estado. Senadores como Waldemir Moka (PMDB-MS) e Kátia Abreu (PMDB -TO), além dos deputados federais Ronaldo Caiado (DEM-GO), Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e Fábio Trad (PMDB-MS), e estaduais como Zé Teixeira, Mara Caseiro (PTdoB-MS), Jerson Domingos (PMDB-MS), entre outros, estiveram presentes. Foram leiloadas 674 cabeças de gado e vendidas mais de 3 mil sacas de cereais. Segundo o presidente da Acrissul, Francisco Maia, o objetivo do leilão foi arrecadar recursos para ações de mobilização dos produtores, de logística, para o pagamento de honorários de advogados, para a divulgação do movimento e também para contratação de segurança para as propriedades. O deputado Zé Teixeira foi mais explícito. Disse, em um discurso, que pouco importavam o leilão e o dinheiro arrecadado: o mais importante era fazer com que os produtores defendessem suas propriedades. “Há anos os produtores gastam com invasões. Se o banco tem um segurança na porta, por que a fazenda não pode ter? Esse leilão é um alerta para mostrar que o setor produtivo não vai esperar pelo poder público e precisa de segurança”, afirmou, segundo reportagem do site MidiamaxNews.

A visão de Zé Teixeira, para quem a produção agrícola do estado é ameaçada pela demarcação de terras indígenas, é um tanto exagerada. Os Kaiowá, o maior grupo indígena no estado, com 46 mil habitantes, ocupam 35 mil dos 35 milhões de hectares do Mato Grosso do Sul (0,1%) e reivindicam, segundo estudos do Cimi, outros 900 mil hectares, menos de 2,5% do território estadual.

No STF, Gilmar evoca Copacabana e vira relator

De volta ao STF, ao caso de Guyraroká, o suspense permaneceu por um bom tempo.

O ministro Gilmar Mendes não cumpriu o prazo de 30 dias para proferir seu voto. Depois de mais de seis meses, em 24 de junho de 2014, diante da Segunda Turma, divergiu da decisão do relator Lewandowski de negar provimento ao recurso do fazendeiro. Logo na parte inicial de seu voto, Mendes pinça no laudo da Funai a prova de que a parentela de seu Tito não vivia em Guyraroká: “Após precisa análise, verifico que o relatório indica que a população Kaiowá residiu na terra reivindicada até o início da década de 1940 e que, ‘a partir dessa época, as pressões dos fazendeiros que começam a comprar as terras na região tornaram inviável a permanência de índios no local’”, diz, citando textualmente o laudo. “Vê-se, pois, que o laudo da Funai indica que há mais de 70 anos não existe comunidade indígena e, portanto, posse indígena”, conclui Gilmar. “Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário e concedo a segurança para declarar a nulidade do processo administrativo de demarcação de TI Guyraroká, bem como da Portaria n. 3.219, de 7.10.2009, do Ministro de Estado da Justiça”, votou.

Como se vê, o direito do cliente do dr. Cícero tornou-se “líquido e certo” apenas sob a lente do marco temporal.

Em resposta, Lewandowski repetiu que não se pode usar mandado de segurança nessa causa, afirmando ainda que o precedente da Raposa Serra do Sol não tem efeito vinculante sobre as outras decisões sobre o tema. “Nós sabemos que o que está havendo, hoje, em todo o Brasil, lamentavelmente, é um novo genocídio de indígenas, em várias partes do país, em que os fazendeiros, criminosamente, ocupam terras que eram dos índios, e posse dos índios, os expulsam manu militari, e depois os expedientes jurídicos, os mais diversos – depois de esgotados os expedientes, evidentemente, ilegais e até criminosos –, acabam postergando o cumprimento desse importante dispositivo constitucional”.

Gilmar Mendes não se abalou. Defendeu os efeitos do julgamento da Raposa Serra do Sol e, pontuando que no “Mato Grosso do Sul estão fazendo demarcação de áreas altamente produtivas”, evocou o argumento extremo: e se os índios quiserem reaver Copacabana? “Copacabana certamente teve índios, em algum momento; a avenida Atlântica certamente foi povoada de índio. Adotar a tese que está aqui posta nesse parecer, podemos resgatar esses apartamentos de Copacabana, sem dúvida nenhuma, porque certamente, em algum momento, vai ter-se a posse indígena.”

Um pedido de vista pela ministra Cármen Lúcia suspendeu novamente o julgamento, que foi retomado em 9 de setembro de 2014, com seu voto desconcertante contra os indígenas. “Pedi vista dos autos por reconhecer a gravidade da situação fundiária há muito instaurada no estado de Mato Grosso do Sul”, diz a ministra para mais adiante detalhar: “O agravamento do conflito fundiário envolvendo índios e não-índios na região tem sido noticiado regularmente pelos veículos de comunicação, que relatam a crescente hostilidade entre índios e proprietários/posseiros e denunciam atos de barbárie ali havidos”. A ministra fala ainda do desassossego de saber da dificuldade em se compor, judicialmente, “uma solução que atenda igualmente aos anseios da comunidade indígena, há muito desapossada de suas terras, e do produtor rural, que, determinado a trabalhar para desenvolver economicamente o interior do país, confiando legitimamente na validade do título de domínio que lhe fora outorgado pelo Poder Público, se vê atualmente ameaçado de perder o que por décadas vem construindo”. Apesar de suas ponderações, Cármen Lúcia anuncia que vota com Gilmar Mendes por entender que deve seguir o julgado da Raposa Serra do Sol.

O ministro Celso de Mello votou com os dissidentes; o ministro Teori Zavascki estava impedido de votar por pertencer à turma do STJ que negou o mandado de segurança à época que o caso foi julgado lá; e o ministro Tofolli estava ausente da sessão. Assim, o voto de Lewandowski foi vencido pelos pareceres dos que se agarraram ao marco temporal, sem considerarem o histórico de expulsão dos índios. Houve ainda embargos declaratórios impostos pelos perdedores da causa, como a União, mas Gilmar, que passou a ser o relator do recurso, rejeitou a todos.

O antropólogo Levi Marques ficou bem chateado ao saber que seu laudo, feito em 2002 relatando a trajetória dos Kaiowá de Guyraroká, foi usado como prova que desfavoreceu os indígenas. Ele diz que, assim como foi pinçado do documento que os índios não tinham aldeamentos ali desde os anos 1940, os ministros poderiam ter considerado também as informações sobre os expedientes usados por eles para se fazerem presentes na terra. “Eu digo no relatório que eles se metamorfosearam, assumiram a condição de peão, porque essa era a condição de permanência deles lá”, explica. “Eu não tenho a mínima dúvida que existiu uma comunidade no Ipuitã, que essa comunidade sofreu um processo de expropriação que durou vários anos. Nesse processo, foram expulsando as famílias, retirando as pessoas, e encurtando cada vez mais a vivência comunitária. Houve tiroteio, houve mortes, houve violação das mulheres, e o grupo se esparramou. Porque não estavam lá em 1988? Porque eles foram expulsos, removidos.”

Um dos pontos mais delicados do advento do marco temporal é o entendimento relativo ao “renitente esbulho”, ou a expulsão reiterada.

Indígenas protestam contra ações do Supremo - Fábio Nscimento Mobilização Nacional Indígena
Indígenas protestam diante do Supremo Tribunal Federal – Fábio Nascimento Mobilização Nacional Indígena, 2015

Outra demarcação interrompida pelo STF

Pouco depois da virada promovida por Gilmar Mendes, coube ao ministro Teori Zavascki a relatoria do caso de outra terra indígena, a TI Limão Verde, que pedia a anulação da homologação daquela terra, também no Mato Grosso do Sul.

Em seu voto na Segunda Turma, o ministro não considerou a expulsão dos Terena ao longo dos anos como renitente esbulho. “Há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual (vale dizer, a data da promulgação da Constituição de 1988)”, determinou.

Para o ministro, a expulsão violenta só se configura se houvesse lutas e conflitos à época da promulgação da Constituição, ou uma ação na Justiça dos índios contra os fazendeiros. Ele desprezou em seu voto manifestações dos indígenas perante os órgãos oficiais, coisa rara na época: uma carta enviada em 1966 ao SPI; um requerimento apresentado à Câmara Municipal de Aquidauana, cartas enviadas pelo cacique Amâncio Gabriel à Funai, denunciando violência contra os indígenas.

Para estudiosos, a visão de Zavascki pode abrir uma jurisprudência que desconsidera formas de resistência de baixo confronto desenvolvidas por populações oprimidas em todo o mundo ao longo dos séculos, como as estudadas pelo antropólogo americano James Scott: a dissimulação, a falsa submissão, as sabotagens, a ignorância fingida, a presença pela perambulação, o “corpo mole”. Por isso, logo depois do voto, a psicanalista Maria Rita Kehl, que trabalhou no capítulo sobre povos indígenas do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), enviou uma carta aos ministros do STF apontando o equívoco da tese do “marco temporal” e o entendimento “enviesado” do que significa “o renitente esbulho”. A psicanalista destaca que o Mato Grosso do Sul foi uma das regiões amplamente estudada pela CNV e onde se pode comprovar a responsabilidade direta do Estado brasileiro no processo de confinamento territorial imposto aos indígenas.

Na carta, ela analisa os julgamentos de Guyraroká e Limão Verde: “Preocupa-me, especialmente, a forma mecânica através da qual a 2a Turma do STF buscou aplicar o chamado ‘marco temporal de 1988’, em sede de mandado de segurança, e, portanto, sem a possibilidade de produção de provas e tampouco análise pormenorizada das situações concretas em jogo. E considero arriscada a concepção do que foi considerado ‘esbulho renitente’ em voto do eminente Ministro Teori Zavascki, no recurso impetrado contra a demarcação da Terra Indígena Limão Verde”.

Até a Constituição de 1988, os índios eram tutelados e, portanto, não podiam “entrar na Justiça” sem a ação da Funai. Além disso, viviam sob pesada repressão da ditadura militar (saiba mais nesta reportagem).

A subprocuradora geral da República Deborah Duprat cita o relatório da CNV e também o Relatório Figueiredo, produzido pelo procurador Jader Figueiredo em 1967, sobre a violência e corrupção dos funcionários do SPI ao longo dos anos. O Relatório Figueiredo descreve castigos físicos, como espancamentos de rotina que geravam invalidez ou morte, cárcere privado, apropriação do trabalho e colheita dos índios, doação criminosa de terras, e até mesmo a crucificação de indígenas, entre outros crimes. “Quais as possibilidades reais de resistência dos indígenas?”, pergunta a procuradora durante entrevista à Pública em seu escritório, em Brasília.

“Numa sociedade normativamente plural, como ocorre com a brasileira, as possibilidades de resistência a uma situação de injustiça devem ser aferidas concretamente, e não a partir de um modelo ideal. E a resistência possível aos Terena de Limão Verde foi aquela descrita no acórdão: requerimento aos órgãos de Estado, em especial os tutelares, para que agissem na defesa de suas terras. Além de incursões permanentes àquele território, para realização de caça e coleta, superando as cercas que ali foram erguidas”, escreve Duprat num artigo sobre a decisão sobre a TI Limão Verde. Para ela, apesar das decisões da Segunda Turma, a tese do marco temporal ainda não está consolidada no Supremo. Falta passar pelo crivo de julgamento no Plenário, com o posicionamento dos 11 ministros.

Sobre Guyraroká, a Procuradoria-Geral da República estuda pedir a anulação do julgamento, alegando que os indígenas não foram citados para serem ouvidos como parte da causa, o que é determinado pela jurisprudência do STF.

Gilmar Mendes, ao julgar os embargos de declaração, rebateu essa reclamação pontuando que a Funai, que foi admitida, representou o povo de Guyraroká. Esqueceu que o artigo 232 da Constituição revogou a tutela indígena pela qual o Estado era o responsável pelo índio – e que isso aconteceu em 1988.

Quem é Gilmar Mendes

Voto decisivo no caso de Guyraroká, Gilmar Mendes é certamente o ministro mais polêmico do STF, seja por suas declarações à imprensa sobre processos em andamento, seja pela postura abertamente antipetista ou por sua proximidade com políticos do PSDB.

Formado em Direito pela UnB no final dos anos 1970, Mendes começou sua carreira como membro do Ministério Público Federal, órgão designado pela Constituição a defender os direitos indígenas nos tribunais. Antes mesmo dessa atribuição ao MP, Mendes, como procurador da República, escreveu a contestação apresentada pela União na Ação Cível Originária no 362 proposta pelo seu estado natal, o Mato Grosso, que reivindicava terras do Parque Nacional do Xingu. Na peça, Mendes destaca o direito dos índios sobre as terras por eles ocupadas, numa defesa vitoriosa da causa.

A partir dos anos 1990, Mendes passa a atuar em vários cargos jurídicos vinculados à Presidência da República, como o de consultor jurídico da Secretaria-Geral da Presidência do governo de Fernando Collor de Mello, tendo feito parte da equipe de advogados que defendeu o ex-presidente em seu processo de impeachment em 1992.

No primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, Mendes foi assessor técnico no Ministério da Justiça, na gestão de Nelson Jobim, ministro que estabeleceu o atual rito para a demarcação de terras indígenas – que passou a contemplar, com o Decreto 1.775/96, o direito dos não índios de contestar administrativamente os laudos da Funai. Para muitos defensores da causa indígena, como o jurista Dalmo Dallari, o novo rito representava um risco às demarcações. Dallari chegou a usar o episódio para criticar em artigo a indicação de Mendes para o STF em 2002.

Como ministro do Supremo, Gilmar Mendes votou favoravelmente à demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2008, e desde então se apegou ferrenhamente ao marco temporal e às 19 condicionantes impostas pela corte nesse julgamento, como o veto à ampliação de áreas indígenas já demarcadas.

Depois de ter liderado o voto que anulou a demarcação de Guyraroká, Mendes afirmou no 4o Fórum Nacional de Agronegócios, em setembro de 2015, que as condicionantes têm sido desconsideradas pela Funai. “Temos que encerrar o capítulo das demarcações. O próprio direito de propriedade como tal precisa ser afirmado”, disse.

A família de Gilmar Mendes se destaca na política em Diamantino (MT), sua terra natal, desde os anos 1970, tendo seu pai sido prefeito pela Arena, partido dos militares na ditadura. Nos anos 2000, Gilmar Mendes colocou seu prestígio federal na campanha política de seu irmão, eleito prefeito com o apoio do setor ruralista local.

Quem é Ricardo Lewandowski

O ministro Ricardo Lewandowski sai da presidência do Supremo Tribunal Federal sendo considerado por muitos como “amigo dos índios”.

Além de ter rejeitado mandado de segurança no julgamento de Guyraroká, emitiu várias decisões favoráveis aos indígenas ao longo dos anos que esteve no cargo. Advogado e professor da USP, Lewandowski ingressou em 1990 na magistratura como juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo.

Promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo em 1997, foi nomeado ministro do STF em 2006 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lewandowski foi mais de uma vez identificado como um ministro “petista”, sobretudo por seu posicionamento durante o julgamento do chamado mensalão, no qual questionou a falta de materialidade dos crimes pelos quais lideranças do PT foram condenadas.
Em 2015, já como presidente do Supremo, Lewandowski rejeitou a proposta formulada pelo ministro Gilmar Mendes de converter em súmula vinculante o enunciado da Súmula 650, que determina que terras de aldeamentos extintos não pertencem mais à União. O STF já havia negado demanda semelhante feita pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA em 2011. Através de concessão de liminares, que suspenderam reintegração de posse de terras em processo de demarcação e ocupadas por indígenas, Lewandowski evitou o despejo de centenas de famílias enquanto as questões judiciais referentes a demarcações não se resolvessem.

Esses pedidos são apresentados às vésperas das ações de reintegração já combinadas com forças policiais quando se percebem riscos à integridade da comunidade e consequências sociais graves com a expulsão. Em janeiro e fevereiro deste ano, Lewandowski suspendeu duas reintegrações só no Mato Grosso do Sul: de uma área da fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Caarapó, ocupada por indígenas da Tekoha Te´yi Jusu, e da fazenda A Santa Helena, em Douradina – ambas em processo de demarcação

A construção e a contestação do marco temporal

De onde teria vindo a ideia de que as terras só podem ser consideradas indígenas se estivessem ocupadas pelos índios em determinado momento da história do país?

A subprocuradora geral da República Deborah Duprat explica que a preocupação do Judiciário em determinar uma data para estabelecer o direito dos povos indígenas é antiga. “Essa tese vem desde a Constituição de 1946, sempre com uma preocupação de estabelecer uma data para evitar o tal do ‘efeito Copacabana’”, diz Duprat, referindo-se ao argumento usado por Gilmar Mendes no STF. Nos anos 1970 e 1980, algumas decisões do STF expressaram essa preocupação, citando textualmente a ameaça de que os índios retomassem a famosa orla do Rio de Janeiro.

No final dos anos 1990, duas decisões no STF sobre a posse de aldeamentos extintos anteciparam a tese do marco temporal e gerariam, inclusive, a Súmula 650, editada em 2013. A súmula é um enunciado que consolida a interpretação de um tribunal a respeito de um tema específico. Ela determinou que as áreas de aldeamentos que deixaram de existir não seriam mais bens da União, como determina o capítulo 20 da Constituição Federal a respeito das terras indígenas.

Em 2008, a questão do marco temporal ressurge durante o julgamento da ação que pedia a nulidade da demarcação da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima. Os indígenas saíram vitoriosos da ação, mas o voto do relator Carlos Ayres Britto, então ministro do STF, introduziu no rito de demarcação de terras indígenas a exigência de que os índios deveriam estar sobre ela em outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição Federal, salvo se tivessem sido expulsos de forma violenta. A decisão gerou reações na sociedade.

Em novembro de 2015, juristas e organizações como Associação Juízes para a Democracia (AJD), Instituto Socioambiental (ISA), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), a Faculdade de Direito e o Centro de Estudos Ameríndios da USP organizaram em São Paulo o seminário “Direitos dos povos indígenas em disputa no STF”. O jurista José Afonso da Silva, especialista em direito constitucional, apresentou um parecer sobre o marco temporal em que rebate veementemente a constitucionalidade da tese. Ele alega que a Constituição de 1934 foi a primeira a dar uma nova configuração jurídico-formal ao direito indígena à terra, “retirando-os das vias puramente ordinárias para consagrá-los como direitos fundamentais dotados de supremacia constitucional”.

Segundo o jurista, a Constituição de 1988 acrescentou importantes direitos aos indígenas, mas, diz o parecer, “no que tange aos direitos originários sobre terras indígenas, a Constituição de 88 não inovou, porque, no essencial, já constavam das Constituições anteriores, desde a de 1934. Então, se há um marco temporal a ser assinalado este é o da data da promulgação da Constituição de 1934, qual seja 16 de julho de 1934.”

Tendo sido um dos assessores na Assembleia Nacional Constituinte em 1987, José Afonso questiona a ideia de que o constituinte pensava numa data para validar o direito dos índios à terra. Sobre o acórdão do julgamento da TI Raposa Serra do Sol, o jurista destaca: “Diz o texto que a ‘Constituição trabalhou com data certa, a de sua promulgação de 5 de outubro de 1988’. Onde está isso na Constituição? Como pode ela ter trabalhado com essa data, se ela nada diz a esse respeito nem explícita nem implicitamente? Nenhuma cláusula, nenhuma palavra do artigo 231 sobre os direitos dos índios autoriza essa conclusão”.

Esta matéria é resultado do concurso de microbolsas para reportagens investigativas sobre o Poder Judiciário promovido pela Agência Pública com o apoio do Instituto Betty e Jacob Lafer.

Tânia Caliari/Agência Pública

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