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Agricultores no sul do Pará exigem criação de assentamento em fazenda localizada em terra pública; conflito violento expõe a negligência do Estado na destinação de terras

Reportagem
17 de outubro de 2016
12:17
Este artigo tem mais de 7 ano

São Félix do Xingu tem o tamanho da Áustria e o maior rebanho bovino do Brasil. Ostenta também um dos maiores índices de violência e desmatamento da Amazônia brasileira. Cerca, pasto, boi, madeira, violência e luta pela terra foram os ingredientes que levaram a reportagem a percorrer centenas de quilômetros até chegar às moradias de um acampamento de agricultores da zona rural do município. Desde 2008, eles aguardam a criação de um assentamento numa área pública também disputada por fazendeiros. A região conhecida como Complexo Divino Pai Eterno mantém um dos conflitos agrários mais tensos do país.

No decorrer desta história, dividida em três partes, a disputa pela terra serve de fio condutor para compreender como uma série de falhas do Estado brasileiro potencializa situações de conflitos envolvendo pistolagem e abre brechas para crimes ambientais.

“Quando vocês forem lá, pega essa câmera bonita e filma bem a cara do povo. Anota bem os nomes das pessoas, porque quando o povo continuar morrendo vocês pelo menos vão ter algum registro.” O interlocutor chora diante do repórter.

A fonte, que por questão de segurança não será identificada, se refere às 150 famílias de trabalhadores rurais do Complexo, que fica encravado em um imóvel rural de 9.700 hectares, área pouco maior que Vitória, a capital capixaba, no meio da zona rural do município xinguense. O acampamento Novo Oeste e os fazendeiros que disputam o território estão numa terra pública da União registrada como Gleba Misteriosa em 1983 pelo antigo Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), nos tempos em que a região recebia intervenção direta dos militares.

Mapa ilustrado da região do sul do Pará mostra o complexo e fazendas e a região do acampamento no Complexo Divino Pai Eterno (Arte: Caco Bressane)
Clique para ampliar o mapa da região do acampamento no Complexo Divino Pai Eterno visitado pela Pública (Arte: Caco Bressane)

A história que envolve o conflito agrário no Divino Pai Eterno é marcada por violência e medo. Desde 2008, quando os acampados passaram a pressionar as autoridades pela criação de um projeto de assentamento, seis trabalhadores perderam a vida de forma brutal. Essa contagem é dos moradores e das entidades que os auxiliam, caso da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Pará (Fetagri).

A Ouvidoria Agrária Nacional (OAN), órgão de mediação de conflitos agrários ligado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), contabiliza a metade das mortes. Procurados para falar do caso, autoridades do Incra, da Polícia Civil, do Ministério Público, do Programa Terra Legal e de outros órgãos relacionados à questão se recusaram a dar entrevistas ou a revelar seus nomes. Um funcionário do Incra foi bem claro: “Não quero morrer por uma entrevista”. Dos acampados, todos pediram sigilo.

A partir de Marabá, município no sudoeste paraense, até o acampamento, o caminho é pela estrada de chão batido do Rio Preto, que não possui iluminação artificial e esconde crateras respeitáveis. Com chuva, se torna um lamaçal, o que impede as diligências policiais no local. Mesmo assim, a estrada é repleta de caminhões que trafegam em alta velocidade, sobretudo os que carregam gado e produtos agropecuários.

A rodovia revela paisagens bem distantes de estereótipos. Esqueça as matas fechadas. Mesmo estando no meio da Amazônia, ao norte do Parque Nacional do Xingu, o que se vê é cerca, pasto e boi. No sudeste amazônico, São Félix ostenta, segundo o IBGE, mais de 2,2 milhões de cabeças de gado, o maior rebanho do Brasil.

Arco do desmatamento

Apesar da queda na última década, o desmatamento no município xinguense continua expressivo. A taxa anual de 2015 foi de 187 km², pouco mais de uma Aracaju por ano, e a pecuária é uma das principais causas do desmate.

Grandes áreas de terra são cada vez mais valiosas para a pecuária (Foto: José Cícero da Silva)

Não à toa, São Félix pertence à lista de municípios mais desmatadores da Amazônia elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) desde 2007. “Os pecuaristas desmatam muito a área dos pastos para não deixar sombra para o gado descansar. Com isso, o gado anda e fica musculoso, mais pesado. E os frigoríficos pagam o gado por peso”, explica Luís Nunes Lima Júnior, técnico em agropecuária da CPT.

Sob a lógica “quanto mais pasto, mais rebanho”, o técnico diz que essas grandes áreas de terra são cada vez mais valiosas para a pecuária extensiva. Em uma medição realizada por três ministérios em 2014, constatou-se que 60% da área desmatada na Amazônia Legal até 2012 serviu para a abertura de pastos. Economicamente, o agronegócio (do qual o boi é um produto elementar) tem incrementado a balança comercial brasileira desde 2011. Em 2015, por exemplo, 46% das exportações nacionais foram de produtos do agronegócio. A exportação de carne bovina ganhou tanta relevância que tornou o Brasil o maior exportador do mundo a partir de 2008.

“Falta morrer mais gente”

Duzentos e cinquenta quilômetros separam o centro de São Félix do Xingu da área rural do acampamento Novo Oeste. Ali, a pouca luz elétrica vem de geradores, não há água encanada e, no acesso ao local, nem sequer uma cerca protege os trabalhadores dos ataques de pistoleiros, muito comuns na região. Nos últimos 15 anos, a cidade liderou o ranking de assassinatos por conflitos agrários no estado (com 15% do total de mortes), segundo a OAN.

A caminho do acampamento a recomendação era não filmar (Foto: José Cícero da Silva)

Por segurança, a reportagem chegou ao acampamento a partir do apoio da CPT, que desde Marabá acompanhou os repórteres em outro carro. Nas proximidades da sede da fazenda, a equipe da pastoral orientou para evitar as filmagens. Vaqueiros e trabalhadores nos cantos das estradas fitavam a passagem da Pública desconfiados.

Depois de muitas horas, uma entradinha coberta por mato fechado abriu aos poucos a visão para as casas de madeira do acampamento. Uma comissão de trabalhadores esperava os visitantes. Um banho de caneca aliviou o calor implacável e a poeira grudada na pele. No jantar, galinha caipira, com arroz, feijão e macarrão. Nas noites passadas ali, o sono foi raridade: o barulho dos animais e do vento nas panelas  suscitava a sensação incômoda de que os pistoleiros podiam estar de tocaia.

Vinte e quatro horas antes da chegada ao local, a sede da CPT em Marabá estava movimentada. A todo momento chegavam lideranças dos assentamentos, dos sindicatos de trabalhadores rurais da região, dos movimentos sociais. Segundo a pastoral, existem pelo menos outras 140 ocupações de fazendas na área de Marabá. O órgão da Igreja auxilia também trabalhadores já assentados pelo Incra.

As prateleiras da CPT em Marabá guardam o valioso arquivo de conflitos agrários e suas paredes exibem imagens de líderes da luta agrária como Chico Mendes, Dorothy Stang, entre outros. Ali, a extensa documentação construída nas décadas de apoio à luta por reforma agrária ajuda a contar a história de cada conflito acompanhado pela CPT no sul e sudeste paraense.

A consultora jurídica da entidade, a advogada Andréia Silvério, aguardava a entrevista com semblante cansado após mais um dia de trabalho. “Na minha opinião, esse é o conflito mais complicado que a gente acompanha”, diz.

Durante a entrevista, a reportagem presenciou uma conversa ao telefone na qual a advogada era avisada de uma nova ameaça aos acampados. “Acabou de passar gente lá dizendo que falta morrer mais gente”, comunicou. Segundo ela, os ameaçados seriam três trabalhadores ligados ao comando da Associação Terra Nossa, entidade associativa dos agricultores da área que foi presidida por Ronair José de Lima, 41 anos.

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O líder sem terra morreu numa emboscada há 60 dias (Foto: José Cícero da Silva)

O assassinato de Ronair, morto há 60 dias após ter sido baleado em uma emboscada numa estrada vicinal que beira o acampamento Novo Oeste, abriu uma cratera de incertezas na realidade da população local. Considerado a grande liderança dos acampados e chamado de “pai” por muitos dos trabalhadores, era Ronair quem liderava reuniões com o Incra, com a CPT e outros órgãos envolvidos na questão fundiária.

A reportagem esteve no local onde Ronair foi baleado. Eram duas trincheiras construídas no meio do mato fechado da estrada vicinal que liga a sede do acampamento ao lote onde ele morava. Com vista estratégica e forquilhas para apoiar as armas de cano longo, a emboscada na vicinal não dá a quem passa nenhum sinal das trincheiras. Baleado no tórax às oito da manhã, o agricultor ainda conseguiu guiar a moto em que estava até a casa de um vizinho. A longa espera por transporte aéreo até a área urbana de São Félix o fez perder muito sangue. Ronair morreu quando chegou ao hospital da cidade.

Sua morte é tratada pela CPT como uma tragédia anunciada: em fevereiro, ele já havia sido baleado em uma primeira tentativa de homicídio em companhia da esposa, Joaquina Guimarães. Um morador do acampamento foi detido por porte de arma de fogo, José Rodrigues da Silva, vulgo “Zé Tocantins”, mas foi solto por falta de provas mais consistentes.

Ronair já havia registrado na polícia ameaças de um fazendeiro do Complexo. Segundo o boletim de ocorrência, Edson Coelho dos Santos (o “Cupim”) e seu irmão, José Coelho dos Santos, ameaçaram o agricultor à mão armada por causa da ocupação da fazenda. Há menos de duas semanas, no entanto, a polícia deflagrou uma operação que prendeu três trabalhadores do acampamento acusados de serem os autores.

Para a polícia, foram esses trabalhadores que se entrincheiraram por dias à espera do momento certo de atirar no agricultor. Zé Tocantins está, novamente, entre os suspeitos.

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A emboscada para Ronair que levou um tiro no tórax (Foto: José Cícero da Silva)

A reportagem apurou que Ronair tinha pretensões políticas. Segundo a polícia, no dia de sua morte, ele registraria sua candidatura a vereador. A situação teria desagradado outro vereador da região, conhecido como Sílvio “Sem Terra”, reeleito pelo PDT.

Depoimentos de trabalhadores ouvidos no inquérito policial dizem que, ao saber da candidatura de Ronair, Sílvio teria dito que “lavaria as mãos” em relação à demanda dos acampados e que ajudaria a fazenda. Para a polícia, porém, a participação dos fazendeiros no crime ainda não está demonstrada, por isso não foi descartada. “Essa [a participação dos fazendeiros] não é a nossa principal linha de investigação”, afirma o delegado Pedro Henrique Andrade, superintendente da Polícia Civil do Alto Xingu, responsável pela apuração do caso. “Foram vários fatores que influenciaram no homicídio do Ronair, de forma que penso que existem algumas pessoas, no plural, mandantes desse crime.”

Quando houve a prisão dos trabalhadores, a polícia procurou o vereador para tomar seu depoimento no inquérito, mas não o encontrou. A Pública também não conseguiu contato com Sílvio “Sem Terra”.

Estrada da discórdia, gatilho da ocupação

A estrada do Rio Preto, inaugurada em 2008, tem relação direta com a história da ocupação do Complexo Divino Pai Eterno. “Na época, não tinha estrada que ligasse o distrito da Sudoeste, em São Félix do Xingu, a Marabá. Meu irmão queria fazer a estrada e, pelo projeto, ela cortaria 25 km dentro de uma fazenda, o que desagradava o fazendeiro, que temia invasões da terra”, relata Sercino Cristo, recém-eleito vereador pelo PT.

Caminhões carregam gado e produtos agropecuários (Foto: José Cícero da Silva)

O irmão de Sercino, Gérson Cristo, morto em 2006, foi quem insistiu até obter um acordo com o fazendeiro Joaquim Gonçalves Montes, vulgo Joaquim do Tato, para construção da estrada. Joaquim era o detentor das fazendas que atualmente formam o Complexo Divino Pai Eterno. Gérson, que à época também era vereador pelo PT, comprometeu-se a negociar com trabalhadores da região a não ocupação da área.

O sequestro da filha de Tato em junho de 2006, no entanto, agravou a situação, pois ele acusou Gérson de ser o mandante. Não se sabe se o fazendeiro foi convencido ou se sabia de alguma informação que ligasse o vereador ao sequestro. A Pública não conseguiu ouvir Tato nem seus advogados.

Segundo a Polícia Civil, Gérson foi assassinado por pistoleiros contratados por Joaquim e seu filho, Ézio Gonçalves Montes. Ambos respondem em liberdade pelo homicídio qualificado do ex-vereador. Joaquim também já foi acusado pelo MPF do Tocantins de integrar uma organização criminosa que aliciava trabalhadores para trabalhar em fazendas em condições análogas à escravidão.

O assassinato de Gérson Cristo, dizem os moradores do acampamento Novo Oeste, foi o gatilho da ocupação das terras detidas por Joaquim. “A gente veio pra cá depois que o fazendeiro mandou matar o Gérson. Foi aí que a gente revolucionou tudo e começou a montar o acampamento”, conta um deles. “Depois que meu irmão morreu, o movimento ocupou a fazenda e a área ficou muito conflituosa. Foi quando o Joaquim a vendeu para outros fazendeiros de Goiás e saiu de lá”, confirma Sercino.

Documentos do Incra indicam que as primeiras transmissões de posse são de outubro de 2007. Um dos primeiros beneficiados com a área pública foi o fazendeiro José Iris de Souza Nunes.

Saga judicial, pistolagem à solta

Em novembro de 2008, José Iris de Souza Nunes entrou na Justiça paraense com um pedido de interdito proibitório, ou seja, uma ação judicial de caráter preventivo pedia a proteção da posse da área. Ele requereu a reintegração de todos os mais de 9 mil hectares do Complexo. Um juiz da comarca de São Félix do Xingu deferiu o pedido, possibilitando a reintegração de posse em favor dos fazendeiros.

Após o despejo das famílias acampadas, a Ouvidoria Agrária comunicou à Justiça que a região em disputa era alvo de um conflito coletivo pela posse da terra. O Incra, chamado a se manifestar no processo, concluiu que a fazenda estava em área pública e era, portanto, insuscetível à regularização fundiária. Além disso, classificou a posse dos fazendeiros como “mera detenção”. Abria-se, então, um novo capítulo na disputa judicial.

Com a posterior derrubada da liminar dos fazendeiros, os trabalhadores puderam voltar ao local do acampamento. O processo foi, então, enviado à Vara Agrária da cidade de Redenção, especializada em conflitos agrários. Em junho de 2010, um acordo judicial entre uma comissão de trabalhadores e os fazendeiros determinou que os primeiros ficariam na sede do acampamento à espera do fim da discussão judicial levantada pelo Incra.

A partir disso, foi iniciada uma longa discussão sobre quem teria competência de julgar a ação. O imbróglio se encerrou em 2012, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o processo pertencia à Vara Agrária de Redenção. Mas longe dos gabinetes dos tribunais a tensão aumentava dia a dia.

Incomodados com a lentidão judicial, alguns agricultores descumpriram o acordo firmado com os fazendeiros. Esses trabalhadores deixaram a sede do acampamento, a vila das casas de madeira, e passaram a plantar os roçados dentro da área detida pelos fazendeiros. Nas reuniões da OAN, Sílvio Bezerra, o advogado que representa os latifundiários, protestou contra o avanço dos agricultores e acusou a CPT de estimular as ações.

Os trabalhadores que falaram à Pública justificam as medidas tomadas por alguns colegas de acampamento. Disseram que à época sobreviviam apenas de doações de cestas básicas (situação registrada em atas da OAN). Afirmaram ainda que, para além da pressão para agilizar o processo, a formação das roças serviu para a subsistência. “A gente não aguentava viver esperando cesta básica”, resume um agricultor.

Enquanto isso, casos emblemáticos de pistolagem levaram à operação policial “Oração ao Divino Pai Eterno”, que prendeu uma quadrilha de pistoleiros que atuava no Complexo em 2011. O clima tenso está registrado num documento do próprio Incra que afirma que servidores desistiram de vistoriar a área por causa da presença de pistoleiros.

Nos documentos da operação obtidos pela reportagem, os trabalhadores acusam a quadrilha de torturar pessoas, incendiar barracos, destruir os roçados e manter alguns deles em cárcere privado. Um dos trabalhadores registrou em B.O. que os pistoleiros estavam a mando de fazendeiros do Complexo.

Durante a operação, a polícia foi recebida a tiros na sede de uma das fazendas. Cinco pessoas foram presas. Entre elas, estava Eloir Rosa da Silva, o “Carlão”, apontado em investigações posteriores como gerente de algumas áreas do Complexo.

Foram apreendidos 200 cartuchos de munição, quatro espingardas calibre .12, uma carabina calibre .44 e uma arma de fabricação caseira. O MP denunciou os detidos, e a maioria responde em liberdade.

Galeria de imagens

Três meses, três mortes

Andréia Silvério, a consultora jurídica da CPT, afirma que “é natural que o conflito cresça, inclusive entre os próprios acampados”, quando o Estado deixa uma área de terra pública descoberta, mesmo sabendo das ameaças de morte. “A ineficiência do Estado começa a ser vista como uma ineficiência da liderança dos trabalhadores”, avalia.

Enquanto a OAN fazia o trabalho de mediação do conflito e acompanhava a discussão jurídica na Vara Agrária de Redenção, os fazendeiros e os acampados concordaram que o Incra fizesse a vistoria dos imóveis do Complexo para aferir se os pecuaristas teriam direito à regularização fundiária. A competência de vistoriar a área seria do Terra Legal, órgão do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário (atual Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário).

A lei que criou o Terra Legal em 2009 deu a ele responsabilidade de regularização fundiária de ocupações sobre áreas da União situadas na Amazônia Legal, exatamente o caso do Complexo, totalmente incidente sobre a Gleba Misteriosa, arrecadada e matriculada pela União desde 1996.

O Terra Legal é responsável por regularizar terras da União (Foto: Divulgação)

É muito comum a detenção de áreas públicas na Amazônia Legal, o que, aliás, motivou a criação do Terra Legal. No caso das ocupações da Gleba Misteriosa por grandes fazendeiros, o Incra de Marabá fez um mea-culpa à Pública ao afirmar que “não possuía quadro funcional nem equipamentos para vigiar as glebas públicas a fim de evitar a ocupação destas numa área de aproximadamente 30 milhões de hectares”, referindo-se à área de jurisdição da superintendência de Marabá, a SR-27.

Para dar início à regularização, os acampados concordaram em deixar as áreas de lavoura e voltar à sede do acampamento. Antes disso, porém, passaram a brigar com o então presidente da Associação Terra Nossa, criada pelos trabalhadores nos primórdios do assentamento. Geraldo Pereira Cardoso, o Geraldinho, foi acusado de fazer jogo duplo a favor dos fazendeiros, o que provocou sua expulsão da associação.

Em reuniões da OAN, Geraldinho relatou ameaças de morte de outros acampados contra ele. Na esteira desse novo impasse, ocorreram três mortes em três meses no acampamento. Acampados e fazendeiros colocaram a culpa uns nos outros.

Paulada, facada, tiros

O primeiro trabalhador a ser assassinado foi Rogério de Jesus Ferreira, morto a pauladas na Vila Sudoeste, distrito da área rural de São Félix, em abril de 2012. A morte não foi esclarecida até hoje. Como ocorre em muitos casos de assassinatos no meio rural paraense, a Polícia Civil obteve mais depoimentos do que provas.

Na sequência, Jocelino Braga da Silva foi morto a facadas dentro de sua casa, no acampamento. Jocelino, conhecido como “Mineiro das Roças”, era membro da Associação Terra Nossa e morreu em junho do mesmo ano. O caso não foi esclarecido.

Dias depois foi a vez de Francisco Leite Feitosa, vulgo Preto. “A suspeita que surgiu foi que o Preto mais o Geraldinho estavam tentando negociar alguma coisa com os fazendeiros. E, de repente, foi morto”, afirma o delegado titular da Delegacia de Conflitos Agrários de Redenção, Valdivino Miranda. Como os casos anteriores, o inquérito criado para apurar a morte de Preto não foi além dos depoimentos.

Preto foi morto a tiros em uma vicinal na área da fazenda, o que foi registrado em boletim de ocorrência de poucas linhas. Há registros de ameaças a ele por pistoleiros supostamente ligados aos fazendeiros. O advogado dos fazendeiros, Sílvio Bezerra, nega. Segundo ele, a morte está ligada à insurreição contra Geraldinho.

Nesse período de violência, a vistoria da área pelo Incra, prometida para ser concluída até o final de 2012, foi adiada para o ano seguinte. Na Justiça, o processo aguardava o Terra Legal decidir se a área do Complexo poderia ou não ser regularizada em nome dos fazendeiros. Nas reuniões da OAN, o advogado Sílvio Bezerra insistia que os acampados estavam descumprindo o acordo de permanecer na área do acampamento, fato negado pelo órgão.

Com a expulsão de Geraldinho da associação, Ronair José de Lima assumiu a presidência. Somente em setembro de 2013, após um longo procedimento técnico, os peritos do Terra Legal foram a campo fazer a vistoria do Complexo, o que seria o passo final para a regularização da área.

“O intuito é burlar a lei”

Para a vistoria, quatro policiais federais de Redenção acompanharam os peritos do Terra Legal. A conclusão dos técnicos apontou uma série de obstáculos que contrariavam o pleito dos fazendeiros. O primeiro deles: a ausência de posse mansa e pacífica, um requisito previsto na Lei 11.952/2009 para a regularização de ocupações de área da União na Amazônia Legal.

Os técnicos notaram também que as supostas fazendas que constavam nos pedidos de regularização não tinham divisões entre si. Para eles, houve um fracionamento da área, ocorrido em março de 2012, logo após o acordo de vistoria ter sido firmado. Com documentos suspeitos, os fazendeiros criaram fazendas inexistentes, dizem os peritos do Terra Legal.

Antes do fracionamento, o Complexo Divino Pai Eterno era composto por cinco fazendas (Divino Pai Eterno, Água Boa, Rodeio, São José e Sombra da Mata). Após março de 2012, o Complexo passou a ser composto por oito fazendas – Rancho Preto, Rancho Alegre, Recanto, Vista Alegre, Goiânia, Mata Linda, Sombra da Mata e Boa Vista.

Em campo, os técnicos notaram ainda a existência de uma nona fazenda, a Flor da Mata III, que também fazia parte de um único imóvel rural de mais de 9 mil hectares.

O fazendeiro tocantinense Edson Coelho dos Santos, apelidado “Cupim” (Foto: Polícia Civil Pará)

A gestão da área estava a cargo de dois fazendeiros: o tocantinense Edson Coelho dos Santos, conhecido como “Cupim”, e o goiano Bruno Peres de Lima. O fracionamento teria sido a solução encontrada pelos requerentes para ganharem a posse, já que o Terra Legal regulariza ocupações de até 15 módulos fiscais ou menores que 1.500 hectares. Como a área contínua do Complexo não se encaixava nas medidas, o território foi fracionado na tentativa de burlar o processo.

Outras inconsistências foram encontradas. Segundo informações do próprio Bruno Peres de Lima, todo o rebanho bovino presente na área, aproximadamente 3 mil cabeças de gado, pertencia a outro fazendeiro de Marabá. Para os técnicos, a situação vai contra outro requisito para a regularização: a exploração direta da área.

Chamou atenção dos técnicos uma Certidão de Matrícula apresentada por Edson Coelho dos Santos para justificar a propriedade da Flor da Mata III, a nona fazenda. O documento dizia que o imóvel estava situado em outro lugar e que a matrícula apresentada havia sido bloqueada em 2006 por determinação do Tribunal de Justiça paraense.

A comprovação da transferência da posse das áreas do outro gestor, Bruno Peres de Lima, eram documentos forjados, dizem os técnicos do órgão. Todos os papéis de Cessão de Direitos Possessórios, com datas entre março e maio de 2006, citavam ainda a lei que criou o Terra Legal, de 2009. Ficou a dúvida: como um documento de 2006 poderia falar de uma lei aprovada três anos depois? O advogado dos fazendeiros não respondeu.

Documento de transmissão de posse é datado de 2006 e cita lei aprovada em 2009 (Documentos do processo administrativo do Terra Legal)
Documento de transmissão de posse é datado de 2006 e cita lei aprovada em 2009. Outros cinco documentos têm a mesma informação. (Fonte: Terra Legal)

Após a vistoria do Terra Legal, foram mais dois anos até a conclusão do processo administrativo. Apesar de os próprios fazendeiros terem requerido a vistoria, foram à Justiça pedir a sua suspensão.

A Advocacia-Geral da União (AGU) recomendou o indeferimento do recurso e a remessa do processo ao Ministério Público Federal (MPF). “Os requerentes estão postulando indevidamente áreas menores da Fazenda Pai Eterno, com o claro intuito de burlar a lei, restando, assim, claro o fracionamento da área maior. Trata-se de procedimento fraudulento que pode caracterizar, inclusive, ilícito de natureza penal”, conclui o documento.

O ministro do Desenvolvimento Agrário à época, Miguel Rossetto, negou o recurso e o pedido de reconsideração proposto pelos fazendeiros.

Cowboy, o pistoleiro

Em campo, o indeferimento motivou nova reação dos acampados. Já liderados por Ronair José de Lima, eles decidiram deixar a área do acampamento para voltar a fazer a demarcação e ocupação das lavouras do Complexo. “Quando a gente soube que a terra era pública, a gente saiu do acampamento e viemos embora trabalhar nos roçados, cada qual no seu lote”, diz um trabalhador rural.

A divisão dos lotes e das lavouras foi identificada pela Pública durante a visita. Nas roças, os agricultores plantam cacau, arroz, mandioca, feijão e milho. Há criação de galinhas, patos, codornas e pequenos animais. “Hoje, com toda a dificuldade, mesmo sem estar regularizado, a gente já vive da própria terra”, diz outro agricultor.

Sob a liderança de Ronair, o grupo ocupou outras áreas da fazenda. Currais e benfeitorias dos fazendeiros foram destruídos e trabalhadores a serviço dos latifundiários, expulsos da área. Segundo a Delegacia de Conflitos Agrários, Ronair arrendou gado na área ocupada e chegou a ser denunciado pelos fazendeiros por ameaça, estelionato e esbulho possessório. O agricultor morreu sendo réu de parte das acusações.

O ano de 2014 foi marcado por mais mortes violentas no acampamento Novo Oeste. Félix Leite dos Santos, da Associação Terra Nossa, também foi assassinado. Meses antes, o agricultor Lourival Gonçalo de Sousa, conhecido como Índio, levou cinco tiros em uma tentativa de homicídio, mas sobreviveu. Também o casal Agenor e Nena foi alvo de disparos quando voltavam de seu roçado. Há registros de um episódio de tortura praticado contra outros dois trabalhadores. Na maioria dos casos, Jeferson da Silva Conceição, o Cowboy, um temido pistoleiro da região, é citado como um dos responsáveis, história contada em detalhes na segunda parte da reportagem – A terra das mortes sob encomenda. O fazendeiro Cupim chegou a ser preso preventivamente acusado de envolvimento nos crimes de Cowboy, mas foi solto em seguida por falta de provas.

Longe do fim, sem respostas

Enquanto a violência aumentava, a discussão pela posse da terra ganhou novos capítulos. Após uma nova inspeção judicial na área, o juiz Amarildo José Mazzuti, da Vara Agrária de Redenção, decidiu, em março do ano passado, negar o pedido de interdito proibitório dos fazendeiros proposto na Justiça paraense. Entre os argumentos, ele rechaça a legitimidade na posse dos fazendeiros. “O autor da ação [um dos fazendeiros da área, José Iris de Souza Nunes] não mantém nenhuma atividade produtiva na área, não há gados, criações, plantios, não há movimentação de empregados e o único imóvel existente trata-se da sede, que, pela estrutura, foi construída há menos de um ano”.

Já os acampados, segundo a inspeção judicial, “estão cultivando e sobrevivendo da colheita do cacau, banana, mandioca, abacaxi, hortaliça… e alguns animais domésticos”. Os fazendeiros recorreram da decisão, mas em dezembro do ano passado o pedido foi negado e o processo segue seu trâmite na Justiça estadual.

Casa de madeira no acampamento Novo Oeste (Foto: José Cícero da Silva)

Uma nova vitória para os acampados ocorreu em julho de 2015. O então ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, determinou a desafetação das fazendas do Complexo e a destinação delas ao Incra. A autarquia federal já havia declarado esse interesse na área para reforma agrária fazia uma década, a partir de um estudo que concluiu que era viável assentar 192 famílias num projeto de assentamento.

Com a desafetação e a transferência ao Incra, o sonho do assentamento estava mais próximo: restava ao órgão federal reintegrar para si a posse do imóvel rural e dar andamento aos procedimentos técnicos.

Para isso, era necessário ajuizar uma ação civil pública contra os fazendeiros do Complexo na Vara Agrária Federal de Redenção, o que ocorreu em outubro do ano passado. A ação foi proposta em conjunto com o MPF.

Um mês depois de a petição do Incra ser oficializada, nova morte no Complexo. Dessa vez, a vítima foi Osvaldo Rodrigues Costa, morto em novembro do ano passado. Segundo relatos, pistoleiros chegaram caracterizados como policiais procurando por membros da Associação Terra Nossa para cumprir a reintegração de posse.

Familiares foram feitos reféns. Os acampados tentaram resgatá-los: troca de tiros deixou dois baleados, entre eles Osvaldo, que não resistiu. A Delegacia de Conflitos Agrários de Redenção concluiu que o pistoleiro Romério Roberto de Araújo teria sido contratado pelos fazendeiros para coordenar a ação dos pistoleiros.

“A gente chegou à conclusão que o fazendeiro chamado Bruno Peres o teria contratado”, afirmou à Pública o delegado Valdivino Miranda, da Polícia Civil. “Nós apuramos que ele vinha fazendo contato pelo WhatsApp e contratando os pistoleiros para ameaçar os acampados. Mas naquele dia a situação saiu do controle”, explica.

Bruno Peres de Lima se tornou réu na ação de homicídio qualificado de Osvaldo e teve a prisão decretada. É considerado foragido.

Em outra decisão, o juiz Victor Curado Ferreira concedeu a liminar de reintegração de posse ao Incra e determinou a desocupação da área pelos fazendeiros. Em março passado, o órgão sobrevoou a área por duas horas sem localizar as sedes declaradas nos processos de regularização fundiária. “Possivelmente não foram identificadas as sedes porque, provavelmente, elas não existam”, disse o diretor de Obtenção de Terras do Incra, Zacarias Costa.

Em posse de outro documento falso, a procuradoria do Incra bloqueou a matrícula de uma das fazendas do Complexo, a Rancho Alegre, por ser ela “decorrente de falsificação”. O pedido de regularização havia sido feito pela mãe de Cupim, Belcina Coelho dos Santos.

Em Brasília, a história não passou despercebida. No ano passado, o filho da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), Irajá Abreu (PSD-TO), fez um Pedido de Fiscalização e Controle (PFC) ao TCU enquanto presidia a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara Federal. O requerimento instou o TCU a fiscalizar as ações do antigo MDA e do Terra Legal nos processos de regularização fundiária do Complexo Divino Pai Eterno.

Em acórdão de agosto deste ano, o ministro relator Augusto Sherman indeferiu o pedido por não constatar ilegalidades nos procedimentos de regularização. O pedido de fiscalização continua ativo na comissão sob a relatoria do deputado Roberto Balestra (PP-GO).

Últimos fatos

Reunião no barracão do Novo Oeste realizado pela Comissão Pastoral da Terra (Foto: José Cícero da Silva)

O último ato jurídico do caso foi favorável aos fazendeiros. Nele, a Vara Agrária de Redenção suspendeu a reintegração de posse pelo Incra. Sem previsão de fim, o impasse agrário segue na Justiça Federal.

A última decisão evidenciou o desânimo no rosto de quem chegava ao barracão de eventos na entrada do acampamento, no início do mês passado, para uma reunião com a CPT. Um poema de Brecht irrompeu o silêncio. “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”.

Ao som da canção Wigwam, de Bob Dylan e interpretada por Zé Ramalho, um grupo de assentados exibiu fotos de líderes da luta pela terra. A foto de Ronair carregada por uma trabalhadora foi a última a entrar. Ao ler a biografia do líder, os trabalhadores gritaram “Presente!” mais alto do que os líderes anteriores.

Durante três horas, a CPT informou a comunidade sobre o andamento dos vários procedimentos judiciais, como a ação dos fazendeiros, o pedido de reintegração de posse do Incra, o andamento dos processos criminais e o inquérito da morte de Ronair.

A pauta, construída coletivamente em algumas cartolinas à frente do barracão, tinha uma questão incluída por um agricultor logo no início: “Como podemos cultivar nossas roças com tanta violência?”. Pouco antes da publicação da reportagem a Pública continuava a receber relatos de ameaças de pistoleiros no Complexo Divino Pai Eterno.

Fazendeiros não falam

A reportagem fez contato com os fazendeiros envolvidos no conflito agrário por meio do advogado que os representa, Sílvio Bezerra. Numa entrevista antes da viagem, Bezerra afirmou que o cliente Bruno Peres de Lima falaria com a Pública, o que não aconteceu. Um “dossiê” sobre o caso foi prometido pelo advogado. Sem sucesso, a reportagem contatou todas as empresas registradas em nome dos fazendeiros.

Em uma única oportunidade, Edson Coelho dos Santos, o Cupim, atendeu o telefone e desligou quando o repórter fez um primeiro questionamento. Em nova tentativa, o advogado informou que nenhum deles falaria. Mesmo assim, um e-mail com 38 questionamentos sobre o caso foi enviado a Bezerra. Não houve resposta.

Na única conversa que teve com a Pública, Bezerra fez considerações sobre “as ilegalidades e arbitrariedades que vêm ocorrendo no caso”. Entre elas, citou a omissão do governo e da União em não fazer valer seu direito de propriedade antes da ocupação dos fazendeiros há 20 anos. Alegou também que os clientes possuem Cadastros Ambientais Rurais (CARs) na área, georreferenciamento, recolhimento de Imposto Territorial Rural (ITR), protocolos de regularização fundiária e “mais de 20 anos de cadeia possessória”.

Bezerra alega que o estado do Pará “tem uma postura corporativista” e que o Poder Judiciário é “omisso” por se negar a cumprir o Código de Processo Civil “no que concerne à posse”. A crítica se refere ao fato de o processo ter sido remetido à Vara Agrária de Redenção. “É uma questão de lei. O que ocorre hoje é um estímulo à criminalização. O cara invade a sua casa, te expulsa da cozinha, tá mandando você sair do quarto e ele é um coitadinho. Cabe ao Poder Judiciário te proteger”, afirmou.

Bezerra negou qualquer ligação de seus clientes com os episódios de violência. Para ele, a violência na região é fruto de uma disputa interna por poder na Associação Terra Nossa.

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