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Marcelo Simão (PMDB) é dono de imobiliária em São João de Meriti (RJ), junto com José Carlos Reis Lavouras e família. O deputado comanda a Comissão de Transportes da Assembleia Estadual há dez anos.

Reportagem
4 de julho de 2017
11:39
Este artigo tem mais de 6 ano

Quatro anos após enfrentarem os protestos dos manifestantes nas ruas, alguns dos maiores empresários de ônibus do Brasil tornaram-se alvo da Polícia Federal, que cumpriu 12 mandados de prisão na segunda-feira passada em mais uma fase da Operação Lava Jato. Desde o início do ano, a Pública investiga os negócios do setor para um especial a ser lançado no final do mês e adianta fatos que ainda não vieram à tona. É o caso dos negócios da família Lavouras com o deputado Marcelo Simão (PMDB), que praticamente desde 2007 preside a Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa (ALERJ).

Apontado pelo Ministério Público como o organizador da distribuição da propina entre os políticos investigados, José Carlos Reis Lavouras ocupa desde 1988 o alto escalão da administração da Fetranspor. Hoje, está foragido. A defesa alega que o empresário encontra-se em Portugal e volta ao Brasil no próximo sábado.

Quem também está fora do país é Marcelo Simão, sócio de José Carlos na imobiliária New Way Administração de Bens Próprios. Segundo sua assessoria, o deputado viajou com a família para o exterior devido ao recesso parlamentar, mas retornará no dia 17 de julho.

Simão começou em 1996 como vereador em São João de Meriti, onde atuou até 2007, quando foi eleito deputado estadual pelo PHS (Foto: ALERJ)

De acordo com as investigações sobre a cúpula do transporte intermunicipal no Rio de Janeiro, em troca de benefícios, os empresários pagaram propina a gestores públicos, durante o governo de Sérgio Cabral. A “caixinha da propina” movimentou cerca de meio bilhão de reais entre 2010 e 2016, de acordo com um dos delatores.  

Para o procurador Eduardo El Hagi, os desvios na área de transporte são “um dos esquemas mais antigos no Rio e, ao mesmo tempo, um dos mais maléficos porque prejudica principalmente a população mais carente”. Já o procurador José Augusto Vagos assegurou que o pagamento de propina aos agentes públicos “não tinha outra finalidade senão a que eles [empresários] obtivessem benefícios fiscais e tarifários em relação à atividade de transporte público”.

No legislativo estadual, cabe à Comissão de Transportes se manifestar sobre os critérios adotados nas tarifas dos serviços públicos de transporte, além de apreciar toda e qualquer matéria relacionada ao tema. Como presidente, Marcelo Simão dá o ritmo dos trabalhos: pode convocar reuniões e distribuir pareceres para os projetos de lei entre os deputados. Além do presidente, o PMDB tem mais um deputado na comissão. O PSDB, PP e PHS ocupam as outras três vagas.

“As comissões na ALERJ, ao contrário da Câmara dos Deputados, não possuem poder de veto. Mas podem atrapalhar ou ajudar bastante. Eles podem sentar em cima de um projeto de lei ou acelerar a tramitação”, analisa Roberto Gevaerd, coordenador de incidência política da Casa Fluminense.

Também constam no quadro de sócios da New Way dois irmãos de José Carlos, Sérgio Luiz dos Reis e Armando Roberto dos Reis Lavouras, ambos no controle de empresas de transportes no estado. Tanto o deputado, quanto os empresários e a New Way são de São João de Meriti, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Sérgio Luiz dos Reis Lavouras e o deputado Marcelo Simão são proprietários do imóvel de uma agência da Caixa Econômica Federal no centro daquela cidade, graças a um contrato obtido por dispensa de licitação e válido até 2018, ao custo mensal de R$ 45 mil. O deputado também já alugou outro imóvel lá para a União, por meio da Procuradoria da República do Estado do Rio de Janeiro.

Evento da Fetranspor, 2012. Da esquerda para a direita (ao fundo): José Carlos Reis Lavouras, Lélis Teixeira, presidente da Fetranspor, Júlio Lopes, ex-secretário de transporte do estado e Alexandre Sansão, ex-secretário de transporte do município. À frente: Fernando Avelino, ex-presidente do DETRAN. (Foto: DETRAN)

Os negócios da família Lavouras formam o Grupo JAL, que atua na Baixada Fluminense. Eles incluem algumas empresas conhecidas, como as de transporte coletivo (Flores, Acari, Real Rio, Planalto, Brazinha, Rio d’Ouro, Mageli, Beira Mar, Ponte Coberta), turismo e fretamento (Três Amigos) ou talvez ainda a concessionária da Mercedes-Benz (Miriam), que vende ônibus, vans e caminhões.

Porém, outros empreendimentos do grupo passam incógnitos entre viajantes dos ônibus fluminenses. Apesar de ter sido criada em 1989, por exemplo, a New Way até hoje não disponibiliza um telefone, site ou qualquer contato público. Os Lavouras possuem ainda três holdings, uma corretora de seguros e outra imobiliária.

No transporte público carioca, o grupo Lavouras controla a Viação Acari, que opera no Consórcio Internorte e Transcarioca. Junto com Jacob Barata Filho, Sergio Luiz dos Reis Lavouras é um dos sócios da empresa de vigilância que opera no BRT e em outros ônibus cariocas. Já José Carlos Reis Lavouras integra o conselho de administração do VLT carioca e da Riopar, responsável pela bilhetagem eletrônica do transporte rodoviário.

Patrimônio de Simão triplicou em dez anos

Nos últimos anos, enquanto ocupava cargos públicos, Marcelo Simão viu seu patrimônio subir consideravelmente. Em 2006, na sua primeira candidatura à ALERJ, declarou possuir R$ 2,4 milhões. Dez anos depois, informou ao Tribunal Superior Eleitoral R$ 9 milhões em bens, concentrados principalmente em recursos financeiros e em imóveis no Rio e em São João de Meriti.

Eleito como suplente em 2014, Marcelo assumiu seu mandato de deputado estadual após Rafael Picciani (PMDB) deixar o seu cargo. Filho do presidente da Assembleia, Jorge Picciani (PMDB), ele saiu da ALERJ para assumir a Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro, no governo de Eduardo Paes (PMDB).

Depois de 2014, Marcelo Simão entrou na mira do Ministério Público Eleitoral, que o denunciou por abuso de poder econômico e utilização da Associação de Moradores União Del Castilho para fins eleitorais. Porém, no ano passado, ele foi inocentado pelo Tribunal Regional Eleitoral neste caso.

Por mais de uma vez, Marcelo Simão usou seu mandato para prestar homenagens aos Lavouras. É o caso do Diploma Cristo Redentor concedido em 2007 a uma empresa da família (Três Amigos). Ou das honras feitas no mesmo ano, com a concessão do título de benemérito a Isa Bragança Lavouras, cardiologista e sócia de imobiliárias da família Lavouras. A médica também é locatária de imóveis onde operam 4 zonas eleitorais em Belford Roxo, cidade vizinha de São João de Meriti.

Em 2016, Marcelo Simão concorreu à prefeitura de São João de Meriti. Mais antigamente, em 2010, também se candidatou a uma vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Não teve sucesso em nenhuma das empreitadas.

Baratas, Lavouras & Cia

Parte da Lava Jato no Rio, a Operação Ponto Final foi deflagrada na manhã da última segunda, 3 de julho. Além de José Carlos Lavouras, outros grandes empresários de transporte e políticos receberam sentenças de prisão temporária e preventiva. Jacob Barata Filho foi o primeiro. O primogênito do ‘Rei do Ônibus’ foi preso no aeroporto no domingo de noite, antes de embarcar para Portugal.

Até o momento, as prisões autorizadas pela Justiça Federal foram focadas em empresários e membros do governo Cabral que estão sem foro privilegiado. É o caso do presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, ou de Rogério Onofre, ex-presidente do DETRO, órgão responsável por autorizar o reajuste da tarifa intermunicipal.

Investigados com foro privilegiado, como deputados, respondem em outros processos. Isto não impediu de Jorge Picciani ter sido conduzido coercitivamente em março a prestar esclarecimentos, após denúncias envolvendo pagamento de propina da Fetranspor a conselheiros do Tribunal de Contas do Estado.

A Polícia Federal apreendeu ontem R$ 2,3 milhões, 17 mil euros e 8 mil dólares, além de jóias, relógios e documentos em cofres. (Foto: Polícia Federal)

A família Lavouras foi mencionada por dois operadores da organização criminosa do governo Cabral, denunciada pelo Ministério Público. Em maio, Luiz Carlos Bezerra – operador financeiro do ex-governador – alegou em depoimento que recolhia dinheiro de propina nas empresas de ônibus do grupo.

Antes disto, Cláudio José dos Reis Lavouras já havia aparecido em uma outra investigação da Polícia Federal, como um dos destinatários de um e-mail recebido por Hudson Braga, ex-secretário de obras apontado como operador administrativo do esquema criminoso, preso desde novembro de 2016. A mensagem tratava da compra de peças para um helicóptero utilizado por Hudson.

Comandada por Cláudio Lavouras, a imobiliária CJRL Administração de Bens consta como uma das proprietárias da aeronave, junto com a B&A Participações, Projetos e Consultoria, empresa de Sergio Benincá. Outra firma de Benincá foi uma das beneficiadas de um contrato de R$ 96 milhões para implementar 4 mil postes com energia solar, ao longo dos 72 km do Arco Metropolitano.

Segundo as normas federais, por se tratar de uma rodovia federal, não havia necessidade dos postes. E, em caso de alta circulação de pessoas no local, essa iluminação seria responsabilidade das prefeituras. Não foi o caso do Arco. Bancado pelos cofres estaduais, ele tem um poste a cada 17 metros, enquanto a média de avenidas de grande circulação da cidade fica entre 40 ou 50 metros.

Dada a extensão dos negócios da família Lavouras e dos demais empresários de ônibus com os políticos cariocas, a Operação Ponto Final será apenas o início de uma série de descobertas sobre as entranhas do transporte público carioca. Até o fim de julho, a Pública vai lançar uma série de reportagens especiais com mais fatos inéditos para jogar luz sobre esses negócios obscuros que afetam a vida de milhões de moradores do estado do Rio de Janeiro.

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