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2023 foi de fato o ano mais quente. Por que isso importa?

Temperatura média do planeta foi 1,48ºC superior à pré-industrial, se aproximando do limiar de 1,5ºC do Acordo de Paris

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12 de janeiro de 2024
06:00

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Era uma bola mais do que cantada, que vinha sendo prevista pelas organizações meteorológicas bem antes de 2023 acabar, mas mesmo assim, quando a confirmação chegou, ela não deixou de vir com uma dose de espanto. O ano passado não foi apenas o mais quente do registro histórico. Foi muito mais quente. De longe. 

A temperatura média do planeta foi de 14,98 °C, 0,17 °C acima do recorde anterior, de 2016, de acordo com anúncio feito na terça-feira (9) pelo Copernicus, serviço de monitoramento das mudanças climáticas do programa espacial europeu. E superou em 1,48 °C a temperatura média da Terra registrada no chamado período pré-industrial (de 1850 a 1900), quando a humanidade começou a usar intensivamente os combustíveis fósseis. 

É principalmente a queima deles (carvão mineral, petróleo e gás natural) que emite os gases que formam uma espécie de cobertor ao redor da Terra – retendo o calor e bagunçando as condições climáticas. 

Esse nível de aquecimento se aproxima perigosamente do limite proposto pela ciência como aquele que deveríamos nos esforçar muito para não ultrapassar – o tal 1,5 ºC estabelecido no Acordo de Paris, considerado o limiar mais seguro. Na realidade, essa marca já deve estar prestes a ser alcançada. O Copernicus estima que o período de 12 meses que se encerra em janeiro ou fevereiro já vai ultrapassar 1,5 ºC

Nesta sexta-feira (12), a Organização Meteorológica Mundial (OMM) também divulgou um comunicado confirmando o recorde de 2023, a partir de dados de outras organizações, como Nasa e Noaa. Para eles, a temperatura foi levemente mais baixa, cerca de 1,45ºC acima do período pré-industrial, mas é igualmente o mais quente desde o início dos registros. Com um agravante: a OMM estima que em 2024 a situação deve ficar ainda pior.

“2023 foi uma antevisão do futuro catastrófico que nos espera, se não agirmos agora. Devemos responder aos aumentos recordes de temperatura com ações pioneiras”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, diante do anúncio da OMM.

É um alerta vermelho. O começo de uma nova era, de “ebulição global”, como o próprio Guterres já havia definido anteriomente.

Se nas condições atuais já estamos vendo um aumento de ondas de calor e de eventos extremos letais por todo o mundo, como as chuvas intensas no Sul do Brasil no ano passado e a seca na Amazônia, a previsão dos cientistas é que, quanto maior for o aquecimento do planeta, mais frequentes e mais intensas serão essas ocorrências, comprometendo a vida humana e de outras espécies, inclusive as culturas agrícolas. Cada fração de grau a mais faz diferença, alertam os cientistas. E, quanto mais quente, mais difícil e mais caro será lidar com as consequências.

De acordo com a análise do Copernicus, pela primeira vez, em 2023, todos os dias do ano excederam em 1 ºC a temperatura do período pré-industrial. Cerca de metade deles foi mais de 1,5 ºC mais quente. E nos dias 17 e 18 de novembro, pela primeira vez no registro histórico, a temperatura foi 2 ºC mais alta que a média de 1850 e 1900! 

Ou seja, a temperatura média anual mais alta não se deu por causa apenas de picos promovidos pelas muitas ondas de calor que a humanidade vivenciou no passado. Diariamente já estamos vivendo em uma condição mais acalorada.

Isso fica claro também em outros recordes registrados pelo monitoramento. A partir de junho, todos os meses foram os mais quentes que os mesmos períodos correspondentes em qualquer ano anterior, sendo que julho e agosto foram os dois meses mais quentes de todo o registro.

Não quer dizer, ainda, que essa temperatura mais alta vai se estabelecer, digamos assim, como o novo normal. Para isso seria necessário ficar nesse limiar por alguns anos seguidos. Por enquanto, o recorde de 2023 e mesmo a eventual ultrapassagem do limite de 1,5 ºC – caso de fato a previsão do Copernicus se confirme – tendem a ser temporários. 

A situação extrema de 2023 se deveu ao processo de aquecimento global, claro, mas foi impulsionada pela ocorrência do El Niño, fenômeno natural de aumento da temperatura das águas do oceano Pacífico, que começou a se manifestar por volta de julho e foi se intensificando ao longo do ano. O recorde anterior, de 2016, também tinha se dado em um ano de El Niño. 

Espera-se que o fenômeno cíclico enfraqueça nos próximos meses, o que deixaria a Terra em torno de 1,2 ºC a 1,3 ºC mais quente “apenas” que no período pré-industrial. É preocupante, no entanto, que os oceanos como um todo se aqueceram de uma maneira sem precedentes em 2023, o que não pode ser explicado apenas pelo El Niño, alerta o Copernicus. 

E a gente, como humanidade, segue promovendo todas as condições para que a temperatura do planeta permaneça subindo. Continuamos, acima de tudo, nos relacionando com os combustíveis fósseis como se não houvesse amanhã. O que nos deixa com muita chance de atingir o 1,5 ºC de modo mais consistente já no fim desta década. Pior: rumamos em velocidade de cruzeiro para um aumento de até quase 3 ºC até o fim do século. 

A única coisa que poderia evitar isso de acontecer, de acordo com o IPCC, o painel científico da ONU, é reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa em 43% nos próximos seis anos. Mas, por mais que haja esforços para aumentar a oferta de energias renováveis no mundo, até o momento a curva de emissões continua crescente.

A 28ª Conferência do Clima da ONU, realizada em Dubai no fim do ano passado, trouxe pela primeira vez uma sinalização de que é preciso fazer uma “transição para a saída dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos” a fim de se conter o aumento da temperatura a 1,5 ºC. 

Esse palavrório todo foi interpretado como “o começo do fim dos combustíveis fósseis”. Bom que isso tenha sido dito, porém é ainda muito, muito pouco para o tamanho do problema. A verdade é que não está ali, com todas as letras, que os fósseis devem ser eliminados. Nem como, muito menos quando.

Enquanto isso, há países e corporações no mundo inteiro, inclusive no Brasil, cheios de planos para continuar explorando o ouro negro até a última gota, com teorias vazias de que é isso que vai garantir uma transição energética. A quebra de recorde de 2023 mostra que não há tempo para esse joguinho.

* Atualizada em 12/1, às 16h, para inclusão dos dados da OMM.

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