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Checagem

Corrente no WhatsApp usa dados errados para criticar impostos

Texto compartilhado em redes sociais baseia-se em números falsos ao defender que o Brasil tem a maior carga tributária do mundo

Checagem
12 de julho de 2017
12:52
Este artigo tem mais de 6 ano
Sonegômetro instalado na área central de Brasília aponta a evasão de impostos no país desde o início do ano
Sonegômetro instalado na área central de Brasília aponta a evasão de impostos no país desde o início do ano. Foto: José Cruz/Agência Brasil

“Os 10 países onde MAIS se trabalhou em um ano para pagar impostos:

1. Brasil: 2.600 horas (é mais que o dobro do 2º colocado!)
2.
Bolívia: 1.080 horas
3. Vietnã: 941 horas
4.
Nigéria: 938 horas
5.
Venezuela: 864 horas
6.
Bielorrússia: 798 horas
7.
Chade: 732 horas
8.
Mauritânia: 696 horas
9.
Senegal: 666 horas
10.
Ucrânia: 657 horas
Fonte: Banco Mundial

“O Brasil tem a maior carga tributária do mundo, para pagar a MAIOR CORRUPÇÃO DO MUNDO”

Tributos no Brasil – uma vergonha!!!

Medicamentos 36%
Luz 45,81%
Telefone 47,87%
Gasolina 57,03%
Cigarro 81,68%

PRODUTOS ALIMENTÍCIOS BÁSICOS
Carne bovina 18,63%
Frango 17,91%
Peixe 18,02%
Sal 29,48%
Trigo 34,47%
Arroz 18,00%
Óleo de soja 37,18%
Farinha 34,47%
Feijão 18,00%
Açúcar 40,40%
Leite 33,63%
Café 36,52%
Macarrão 35,20%
Margarina 37,18%
Molho tomate 36,66%
Biscoito 38,50%
Chocolate 32,00%
Ovos 21,79%
Frutas 22,98%
Álcool 43,28%
Detergente 40,50%
Sabão em pó 42,27%
Desinfetante 37,84%
Água sanitária 37,84%
Esponja de aço 44,35%

PRODUTOS BÁSICOS DE HIGIENE
Sabonete 42%
Xampu 52,35%
Condicionador 47,01%
Desodorante 47,25%
Papel Higiênico 40,50%
Pasta de Dente 42,00%

MATERIAL ESCOLAR
Caneta 48,69%
Lápis 36,19%
Borracha 44,39%
Estojo 41,53%
Pastas plásticas 41,17%
Agenda 44,39%
Papel sulfite 38,97%
Livros 13,18%
Papel 38,97%

BEBIDAS
Refresco em pó 38,32%
Suco 37,84%
Água 45,11%
Cerveja 56,00%
Cachaça 83,07%
Refrigerante 47,00%

Sapatos 37,37%
Roupas 37,84%
Computador 38,00%
Telefone Celular 41,00%
Ventilador 43,16%
Liquidificador 43,64%
Refrigerador 47,06%
Microondas 56,99%
Tijolo 34,23%
Telha 34,47%
Móveis 37,56%
Tinta 45,77%
Casa popular 49,02%
Mensalidade Escolar 37,68% (ISS DE 5%)

ALÉM DESTES IMPOSTOS, VOCÊ PAGA

– DE 15% A 27,5% DO SEU SALÁRIO A TÍTULO DE IMPOSTO DE RENDA;
– PAGA O SEU PLANO DE SAÚDE,
– O COLÉGIO DOS SEUS FILHOS,
– IPVA,
– IPTU,
– INSS,
– FGTS
– ETC.

DIVULGUE !

—————

Falso

Uma longa mensagem com críticas aos impostos cobrados no Brasil tem circulado pelo aplicativo WhatsApp e aparecido também em páginas no Facebook. Apesar de o texto trazer algumas variações, a corrente tenta provar que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo”. O conteúdo lista as taxas supostamente cobradas em produtos diversos e também faz um ranking com os dez países onde mais se trabalharia para pagar tributos. Argumentos como esses têm servido para contestar o valor dos impostos no país, classificados como muito altos diante da qualidade dos serviços públicos oferecidos.

O Truco – projeto de checagem da Agência Pública – procurou a origem dos números citados, com o objetivo de analisar a veracidade da mensagem. A reportagem concluiu que a maioria dos dados está errada. Por isso, a corrente foi classificada como falsa. A autoria do texto é desconhecida, ou seja, não é atribuída a nenhum tipo de grupo ou organização. O Banco Mundial, contudo, aparece como fonte de alguns dos números usados.

A reportagem entrou em contato com a sede do Banco Mundial no Brasil para verificar o envolvimento da organização com o ranking que inicia a corrente. A entidade afirma não ter lançado nenhum estudo específico sobre o tempo que uma pessoa gasta trabalhando para pagar seus impostos recentemente. O Truco localizou, no entanto, um estudo da empresa de consultoria PwC feito em parceria com o Banco Mundial em 2015. Nesse documento aparece o dado de 2.600 horas trabalhadas para pagamento de impostos. No entanto, o número é relativo à quantidade de horas empregadas por uma empresa para o pagamento de tributos no ano de 2013. Assim, o número não se refere às horas trabalhadas pelo cidadão para o pagamento de tributos, como sugere a corrente. Trata-se de uma estimativa do gasto anual das empresas com impostos.

Além disso, o ranking citado está desatualizado, uma vez que a PwC já divulgou a edição de 2016 do estudo. O Truco verificou o total de horas empregadas pelas empresas no pagamento de impostos nos dez países citados pela corrente, utilizando o relatório mais recente da PwC, publicado no ano passado e baseado em dados de 2014. Dos dez números indicados na mensagem, apenas um está correto: o total de horas empregadas com tributos no Chade. Veja, nas tabelas a seguir, os números indicados pela corrente e os valores atualizados de acordo com o relatório.

Ranking original da mensagem –

“Os 10 países onde MAIS se trabalhou em um ano para pagar impostos”

PaísTotal de horasPosição
Brasil 2.6001
Bolívia1.0802
Vietnã9413
Nigéria9384
Venezuela8645
Belarus7986
Chade7327
Mauritânia6968
Senegal6669
Ucrânia65710
Fonte: Mensagem do WhatsApp
Tabela segundo a PwC –

Número de horas empregadas no pagamento de tributos por empresas no mundo

PaísTotal de horasPosição
Brasil 2600 1
Bolívia10252
Vietnã7706
Nigéria9083
Venezuela7925
Belarus176Não consta nas 10 primeiras posições
Chade7328
Mauritânia7347
Senegal62010
Ucrânia350Não consta nas 10 primeiras posições
Fonte: Relatório Paying Taxes 2016 da PwC

Outras acusações

A mensagem alega ainda que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo”. No entanto, a afirmação é falsa. De acordo com o mesmo relatório da PwC, a carga tributária para as empresas no Brasil fica em torno de 69,2% – esse porcentual representa o Índice Total de Impostos, dado calculado pelo estudo para cada país analisado. O número é muito inferior ao adotado por países como a Argentina, com tributação de 137%, e Eritreia e Bolívia, com tributação de 83% cada. Também é inferior ao da Colômbia, com 69,7%, e muito próximo da porcentagem de países europeus desenvolvidos, como a Itália, onde a taxa é de 64,8%, e da França, com 62,7%.

Portanto, o Brasil não é o país com a mais alta carga tributária do mundo, como afirma a mensagem. Na verdade, o país que tem a maior carga tributária do mundo é Comores, pequena república insular no Oceano Índico, onde a porcentagem é de 216%, segundo o estudo da PwC.

Também está errado dizer que a carga tributária serve para pagar “a maior corrupção do mundo”. De acordo com o Índice de Percepção de Corrupção de 2016, elaborado pela Transparência Internacional, o Brasil ocupa o 79º lugar entre 176 países. Está localizado no meio do ranking, com 40 pontos, igualmente distante tanto dos primeiros como dos últimos colocados. No levantamento de 2015, o país somou 38 pontos e ocupou o 69º lugar (quanto menor a pontuação, maior é a corrupção percebida). Logo, o Brasil está longe de ser o país mais corrupto do mundo.

Outro trecho incorreto da corrente é o que alega que “de 15% a 27,5%” do salário do brasileiro é destinado ao Imposto de Renda. Na verdade, a menor faixa do IR no Brasil é de 7,5%. Esta alíquota incide sobre rendimentos até R$ 2.826,65 mensais. Quem ganha menos do que isso está isento.

Logo depois, a mensagem informa ainda que o brasileiro se compromete com outras despesas como plano de saúde, mensalidade escolar, IPVA, IPTU, INSS e FGTS. No entanto, essas contribuições são facultativas, vinculadas à propriedade de um bem, como imóvel ou veículo, ou pagas apenas por aqueles que contratam funcionários, o que demonstra outro erro.

Carga tributária dos produtos

Em outra parte, a mensagem compartilhada no WhatsApp lista diversos produtos e a carga tributária que incidiria sobre eles no Brasil. O Truco entrou em contato com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) para verificar os números indicados na mensagem. O instituto é reconhecido por estudar, desde sua criação, em 1992, o impacto dos tributos na atividade empresarial brasileira.

A tabela abaixo mostra a carga tributária de cada produto segundo a corrente de WhatsApp e o valor apurado pelo IBPT, atualizado em junho de 2017. Dos 60 produtos incluídos na mensagem viral, nenhum estava com a porcentagem igual à indicada pelo instituto.

ProdutoCarga tributária segundo a correnteCarga tributária segundo o IBPT
Carne bovina18,63%17,47%
Frango17,91%16,80%
Peixe18,02%34,48%
Sal29,48%15,05%
Trigo34,47%17,34%
Arroz18,00%17,24%
Óleo de soja37,18%26,05%
Farinha34,47%17,34%
Feijão18,00%17,24%
Açúcar40,40%30,60%
Leite33,63%18,65%
Café36,52%19,98%
Macarrão35,20%16,30%
Margarina37,18%35,98%
Molho tomate36,66%36,05%
Biscoito38,50%37,30%
Chocolate32,00%38,60%
Ovos21,79%20,59%
Frutas22,98%21,78%
Álcool43,28%32,77%
Detergente40,50%30,37%
Sabão em pó42,27%40,80%
Desinfetante37,84%26,05%
Água sanitária37,84%26,05%
Esponja de aço44,35%40,62%
Sabonete42%37,09%
Xampu52,35%44,20%
Condicionador47,01%37,37%
Desodorante47,25%37,37%
Papel Higiênico40,50%39,94%
Pasta de Dente42,00%34,67%
Caneta48,69%47,49%
Lápis36,19%34,99%
Borracha44,39%43,19%
Estojo41,53%40,33%
Pastas plásticas41,17%40,09%
Agenda44,39%43,19%
Papel sulfite38,97%37,77%
Livros13,18%15,52%
Papel38,97%Não consta
Refresco em pó38,32%36,30%
Suco37,84%36,21%
Água45,11%45,55%
Cerveja56,00%55,60%
Cachaça83,07%81,87%
Refrigerante47,00%46,47%
Sapatos37,37%36,17%
Roupas37,84%34,67%
Computador38,00%33,62%
Telefone Celular41,00%39,80%
Ventilador43,16%34,30%
Liquidificador43,64%43,54%
Refrigerador47,06%36,98%
Microondas56,99%54,98%
Tijolo34,23%34,17%
Telha34,47%33,95%
Móveis37,56%Não consta
Tinta45,77%36,17%
Casa popular49,02%48,30%
Mensalidade Escolar37,68%26,32%
Fonte: IBPT

Apesar de nenhum dos dados de carga tributária indicados pela corrente estar correto, de acordo com os últimos levantamentos do IBPT, muitos deles chegam perto dos indicados pelo instituto, o que demonstra que a origem da corrente pode ser um compilado de dados desatualizados. Dois produtos genéricos citados na corrente, papel e móveis, não constam na apuração do IBPT.

Conclusão

Não foi possível localizar a origem de todos os dados indicados na mensagem que se espalhou pelo WhatsApp. No entanto, fontes como PwC e IBPT mostram erros nos números citados na corrente. Além disso, a mensagem inclui informações incorretas acerca do Imposto de Renda, da carga tributária brasileira e do nível de corrupção em relação a outros países do mundo. Diante das evidências encontradas pelo Truco, a corrente foi classificada como falsa, já que a análise dos dados e de outras fontes comprova diversos erros do texto.

Corrente no WhatsApp sobre impostos no Brasil.
Corrente no WhatsApp sobre impostos no Brasil. Reprodução.

Atualização (12/07, às 13h15): Incluída explicação sobre o Índice Total de Impostos, taxa calculada pelo estudo da PwC.

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Este texto foi produzido pelo Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública. Entenda a nossa metodologia de checagem e conheça os selos de classificação adotados em https://apublica.org/truco. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail truco@apublica.org e por WhatsApp ou Telegram: (11) 99816-3949. Acompanhe também no Twitter e no Facebook. Desde o dia 30 de julho de 2018, os selos “Distorcido” e “Contraditório” deixaram de ser usados no Truco. Além disso, adotamos um novo selo, “Subestimado”. Saiba mais sobre a mudança.

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