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Mais de 2 mil famílias serão removidas por obras da Copa na cidade, diz geográfa, que constatou outras violações de direitos por parte do poder público nos preparativos do evento

Entrevista
7 de agosto de 2012
12:00
Este artigo tem mais de 12 ano

Fernanda Keiko Ikuta é professora no departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), e membro do Comitê Popular da Copa de Curitiba. Há mais de dez anos, Fernanda pesquisa o problema de moradia em diferentes cidades e contextos. Seu último trabalho “Moradia popular na ‘cidade-modelo’ em tempos de Copa”, ainda em curso,  mapeia a cidade de Curitiba e mostra como as pessoas serão afetadas pelos preparativos para a Copa do Mundo de 2014. Em entrevista ao Copa Pública, ela diz que seu trabalho está sendo dificultado pelo poder público, que se nega a dar dados precisos, principalmente sobre remoções: “Assim como não há dados oficiais precisos sobre as remoções no país, em Curitiba o poder público também se nega a informar com exatidão as áreas e o número de famílias que pretende remover de suas casas. Sem essas informações em mãos, a população não consegue alavancar um processo de organização e enfrentamento às intervenções urbanas que têm se apresentado de forma arbitrária” E calcula que cerca de 2.000 a 2.500 famílias deverão ser removidas de suas casas por conta de obras para a Copa em Curitiba e região metropolitana.

Fale um pouco sobre sua pesquisa: Por que escolheu este tema? Do que ela trata?

Essa pesquisa faz parte de um estágio de pós-doutorado na Universidade Federal do Paraná, vinculado ao Grupo de Estudos sobre Dinâmicas Metropolitanas (GEDiMe) e ao Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles (IPPUR-UFRJ/FASE), e vem consolidar e atualizar nossos conhecimentos e atuação sobre a luta pela moradia popular. Nossa ênfase é no processo de expansão do capital no urbano e seu projeto de cidade no contexto dos megaeventos a partir da análise da dinâmica da moradia popular em Curitiba durante as ações preparatórias para a Copa de 2014. Na prática, a proposta da pesquisa é identificar os processos de remoção e reassentamento habitacional, verificando os casos de violação do direito à moradia, os processos de ampliação da segregação urbana e da desigualdade socioespacial e eventuais reações contrárias aos impactos das intervenções em curso. É importante esclarecer que entendemos que a população de baixa renda, historicamente, tem sofrido com as desigualdades e a espoliação urbana, mas, nas últimas décadas, a expansão do capital no urbano e, de forma geral, o desenvolvimento com suas diversas práticas e discursos, têm incrementado a pobreza urbana, a desigualdade e o surgimento de novas formas de exclusão sócio-espacial. A apropriação da cidade por interesses empresariais implementada via “grandes projetos de desenvolvimento urbano” é o eixo estrutural da expansão do capital que tem se dado por meio da difusão do planejamento estratégico, um modelo neoliberal de gestão empresarial da cidade, possível graças a ampla coalizão de interesses do poder público (nas esferas federal, estadual e municipal) e de empresas privadas. Neste contexto, a realização de megaeventos esportivos, que vem ganhando cada vez mais espaço na agenda urbana das metrópoles contemporâneas como um grande projeto de desenvolvimento urbano, é uma das expressões das mutações do capital para a exploração de novas fronteiras até então não incorporadas em sua lógica. A partir desses pressupostos, a pesquisa em Curitiba se baseia em investigar um dos aspectos da desigualdade sócio-espacial resultante da expansão do capital no urbano hoje: mapear as intervenções e conflitos na Região Metropolitana de Curitiba relacionadas à dinâmica da moradia popular em curso neste momento de preparação para a Copa de 2014.

Ela ainda está em andamento, certo? O que já pode ser percebido com relação a mudanças na cidade e na vida das pessoas?

Sim, a pesquisa ainda está em andamento. Aliás, gostaria de denunciar aqui que o levantamento de dados e informações oficiais é deliberadamente dificultado pelo poder público local, em especial no que diz respeito às remoções. 

Assim como não há dados oficiais precisos sobre as remoções no país, em Curitiba o poder público também se nega a informar com exatidão as áreas e o número de famílias que pretende remover de suas casas. Sem essas informações em mãos, a população não consegue alavancar um processo de organização e enfrentamento às intervenções urbanas que têm se apresentado de forma arbitrária.

Muitos moradores desconhecem até mesmo se suas casas estão ou não na mira das remoções previstas ou de outros impactos das obras da Copa. É ilustrativa a mobilização ocorrida no bairro São Cristóvão em São José dos Pinhais, que é um município da Região Metropolitana de Curitiba, contra a construção de uma trincheira, uma obra viária, que consta no projeto Aeroporto/Rodoviária (Avenida das Torres), como obra do PAC da Copa. A obra vinha sendo imposta de forma autoritária, sem consulta prévia à comunidade e sem levar em conta o impacto de vizinhança que provocaria. Os moradores não tomaram conhecimento do projeto pelo poder público. O mesmo acontece com o projeto de construção da terceira pista do aeroporto onde moradores da área a ser atingida estão pedindo, sem sucesso, as informações da área e o número de famílias que serão removidas. O processo tem sido esse: as pessoas sequer são informadas da existência dos projetos e de que sua comunidade irá sofrer alterações. O descumprimento do dever do poder público em informar devida e antecipadamente a população sobre os impactos das intervenções urbanas somado aos atrasos no início das obras, mostram uma estratégia de protelação da intervenção que serve para minar possíveis embates. Ou seja, o impacto maior, as mudanças maiores na cidade e na vida dos curitibanos, infelizmente, ainda estão por vir e se depender do poder público virão sem aviso prévio.

Como está a questão das remoções em Curitiba? Já é possível estimar quantas famílias deverão deixar suas casas por conta de obras relacionadas à Copa?

Em Curitiba, poucas obras foram iniciadas e os projetos definitivos ainda não foram divulgados, portanto, apesar de que em várias obras estejam previstos processos de desapropriação, os mesmos ainda não se iniciaram na atual fase de preparação da Copa de 2014. Somente 11 imóveis, predominantemente residenciais, que envolvem asobras de adequação do estádio Joaquim Américo Guimarães, do Clube Atlético Paranaense, que sediará a Copa de 2014 em Curitiba, estão em processo de desapropriação. Com base em trabalhos de campo, projeções de dados oficiais, mapeamentos e estudos analíticos, foi possível realizar um levantamento preliminar, grande parte dele elaborado junto ao Comitê Popular da Copa de Curitiba, do qual participamos, das principais remoções previstas e identificar processos em vias de implementação que já nos permitem verificar os casos de violação do direito à moradia, as localidades e a população afetada.

Cerca de 2.000 a 2.500 famílias, em sua maioria de baixa renda, estão ameaçadas de remoção pela Copa em Curitiba e sua região metropolitana, como é possível verificar no mapa da população ameaçada de remoção (no final da matéria), só a obra de requalificação de vias do Corredor Metropolitano poderá remover ao menos 1000 famílias.

Como estas remoções estão sendo feitas? Os direitos das pessoas têm sido respeitados?

Como expliquei antes, grande parte das obras ainda não foram iniciadas e as remoções ainda não estão acontecendo. Mas já temos sinais claros de que os rumos da ação pública é a violação dos direitos para este caso. A própria ausência de publicização dos projetos oficiais já é uma violação de direitos. As famílias que estão na mira das desapropriações não estão sendo informadas e consultadas conforme exige o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que é o marco internacional de direitos humanos aplicável aos megaeventos. Temos acompanhado, junto ao Comitê Popular da Copa de Curitiba, a mobilização dos moradores da Vila Nova Costeira, um dos bairros a serem afetados pela implantação de uma nova pista de pousos e decolagens do Aeroporto Internacional Afonso Pena (localizado em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba). Embora esta obra não conste da Matriz de Responsabilidades, que define as obras da Copa do Mundo de 2014, a vinculação da construção da terceira pista aos preparativos para a Copa existe. O secretário especial para Assuntos da Copa, Mário Celso Cunha, manifestou, em reportagem para o jornal O Estado do Paraná do dia 25 de março de 2011, acreditar na possibilidade da obra ficar pronta até 2014. Divulga-se que 321 famílias terão seus imóveis desapropriados, o que totalizaria cerca de mais de 1.000 pessoas, ao longo de 280 lotes. Apesar da iminente ameaça de remoção, as famílias não estão vendo suas reivindicações de informações, junto aos órgãos responsáveis, da área precisa a ser afetada, serem atendidas. Da mesma maneira, os moradores do entorno do estádio, muitos deles residentes no local há mais de 30 anos, também foram vítimas da desinformação durante toda a fase de medição e apuração técnica dos valores de mercado a serem indenizados.

Quais são as principais violações aos direitos humanos que estão acontecendo neste processo?

Para os casos que estudamos, focando o direito à moradia adequada, além das remoções que se encaminham para acontecer de forma forçada, há outros impactos e violações acontecendo. Se retomamos o caso da obra do aeroporto, temos, no mínimo, o isolamento dos moradores do entorno do aeroportocom a construção da terceira pista (a obra fecha ruas que hoje fazem a interligação entre bairros da região e o Centro de São José dos Pinhais) e o aumento do nível de ruídos e tremores provocados pelos aviões, intensificando os problemas auditivos e de comprometimento da estrutura material das casas. Mas há uma série de violações aos direitos humanos que estão na iminência de se efetivar, como a proibição de venda ou mesmo exposição de qualquer mercadoria nas áreas de restrição comercial que não obtenham permissão expressa da FIFA, que afetará aos vendedores ambulantes, assim como a proibição às profissionais do sexo de trabalharem emalgumas ruas que estão dentro da zona de exclusão imposta pela FIFA.

Falando sobre a questão urbanística, Curitiba tem os títulos de potencial construtivo que estão sendo usados como moeda para a construção do estádio. O que isso significa para uma cidade modelo? Foi feito um planejamento urbanístico para comportar todas estas mudanças que, imagino, não serão poucas? (Nós falamos sobre isso aqui)

Essa engenharia financeira para favorecer a iniciativa privada é a expressão máxima da apropriação da cidade por interesses empresariais via as parcerias público-privadas. E esse é um dos princípios para que se cumpra a aspiração por ser uma “cidade modelo”. A flexibilização da norma urbanística é um dos elementos que denota a planejada intensificação das desigualdades sócioespaciais ou, como analisa o sociólogo Francisco de Oliveira, o planejamento que enquadra a exceção e a transforma em norma, no seio das intervenções urbanas acionadas para a realização dos megaeventos esportivos. Tudo isso amparado pelo forte instrumento simbólico do city marketing que constrói a imagem da “cidade modelo”, que, em tempos de Copa, significa ser uma cidade que se prepara, a qualquer custo, para ser uma cidade capacitada técnica e infra-estruturalmente para receber os megaeventos.

Você acredita que estas mudanças serão benéficas para a vida de quem mora em Curitiba?

O projeto de cidade em curso em Curitiba já apresentava sua faceta baseada nas desigualdades socioespaciais.

Se a capital paranaense também replicar o que tem sido padrão na implementação dos megaeventos esportivos, o que nos fica é dívida pública, expulsões e despejos forçados, sobretudo das famílias de baixa renda, concentração de infraestrutura e projetos de renovação urbana que priorizam o embelezamento urbano em detrimento das necessidades dos moradores locais e que, em geral, buscam eliminar toda e qualquer manifestação de pobreza, além de punir e discriminar grupos marginalizados e considerados indesejáveis socialmente.

Na pesquisa você coloca o questionamento: Como ficam os pobres e os sem teto da “cidade-modelo” em tempos de Copa? Já é possível responder esta pergunta?

Acreditamos que em uma cidade cujo planejamento e gestão tem se baseado, nos últimos anos, numa proposta de cidade-empresa-mercadoria, a Copa potencializa os rumos que já vinham sendo tomados pela política urbana e, neste sentido, não só o acesso à terra e à moradia, mas a existência de serviços, equipamentos e tudo o que condiz ao urbano, pertence cada vez menos ao morador de baixa renda e cada vez mais à valorização capitalista do espaço. Mas, a organização popular pelo Brasil a fora tem demonstrado ter força para frear ou, no mínimo, amenizar este processo perverso. Levantar e disseminar esse debate é um primeiro passo nessa contra-direção!

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