O passado do porto do Rio é tão rico que é chocante o quão pouco se faz para resgatá-lo. Mistura de gamificação, sensibilidade e informação, o Museu do Ontem, primeiro app da Pública, traz um pouco dessa história

O passado do porto do Rio é tão rico que é chocante o quão pouco se faz para resgatá-lo. Mistura de gamificação, sensibilidade e informação, o Museu do Ontem, primeiro app da Pública, traz um pouco dessa história

29 de junho de 2017
17:58
Este texto foi publicado há mais de 5 anos.

Na sexta-feira passada (23), a Pública lançou seu primeiro aplicativo, o Museu do Ontem (saiba mais aqui), um game que mistura exploração urbana, arte e jornalismo pra desconstruir (ou construir) o significado do porto do Rio pra nossa história.

Foi um ano de trabalho, desde o primeiro conceito de exploração urbana proposto pelo Babak Fakhamzadeh, até os primeiros mapas rabiscados pelo traço delicado da artista Juliana Russo. No caminho, fomos misturando a visão dos três: a minha, focada na comunicação e nas descobertas jornalísticas, que estão ali espalhadas pela área portuária pedindo para que os usuários descubram onde estão; a visão lírica da Ju Russo, que se encantou tanto ao perceber as modificações (ou mutilações) feitas pela reforma do cais de Francisco Bicalho no litoral carioca, tornando tudo reto, engolindo as reentrâncias de mar e enfeando o contorno do mapa (ressaltadas nos lindos desenhos abaixo) que ela nos convenceu a incluir um botãozinho para o usuário conseguir ver exatamente como era em 1832 o traçado da área onde ele está; e a visão matemática do Babak, para quem mapas, coordenadas e bússolas são instrumentos imprescindíveis para explorar um ambiente urbano.

Não foi fácil, mas lançamos, na última sexta-feira, o resultado deste encontro, uma mistura de gamificação, sensibilidade e informação. O aplicativo Museu do Ontem é algo que ninguém tinha feito antes, e o resultado é muito bonito e instigante.

[tabs slidertype=”top tabs”] [tabcontainer] [tabtext]Como era o litoral do Porto do Rio em 1832… [/tabtext] [tabtext] E como ele é hoje, depois de muitas reformas [/tabtext] [/tabcontainer] [tabcontent] [tab]

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Ora, por que a Pública foi se meter a lançar um aplicativo sobre o Porto do Rio? Porque ao longo do ano passado, quando nos instalamos em terras cariocas para abrir a Casa Pública, fomos descobrindo coisas sobre a antiga capital que pouca gente sabe, mas que pertencem a um passado que não é só dos cariocas – perdoem-me, cariocas – mas de todos nós, brasileiros. Quando, no afã dos preparativos para a Copa do Mundo e a Olimpíada, o Brasil foi enganado com as histórias mentirosas sobre quão maravilhoso era o Porto Maravilha, ninguém tinha muita clareza do que esse porto significa.

O porto do Rio de Janeiro guarda a história do começo da nossa nação. Foi ali que a esquadra de Dom João VI chegou com 10 mil nobres e toda a grana de Portugal, quando fugiram de Napoleão; foi ali que Tiradentes foi enforcado em praça pública, esquartejado e salgado; lá que a Lei Áurea foi assinada, depois de se manter ali mesmo durante mais de meio século o maior porto de escravos das Américas, redescoberto por acaso quando uma senhora reformava o piso de sua casa em 1996.

Pelas mesmas ruas onde durante séculos os portugueses vendiam e compravam africanos escravizados nus e famintos em lojas que eram verdadeiros depósitos, como cavalos, também passeou uma multidão de estudantes carregando o corpo de um jovem de 17 anos, Edson Luís, assassinado pelo governo militar em 1968. Da janela do antigo prédio do Ministério da Justiça caiu (ou foi atirado) o ex-praça Dilermano Melo do Nascimento, um dos primeiros “suicidados” da ditadura. Ali ficava o Dops do Rio; ali existiam três morros que foram implodidos e pedras majestosas que foram cortadas; ali existe a primeira favela do Brasil. O passado do porto do Rio é tão rico que é chocante o quão pouco se fez até agora para lembrar esses episódios. As placas são poucas. Os circuitos históricos, subexplorados. Por isso, o que o Museu do Ontem faz é adicionar pontos virtuais, mas geolocalizados, que permitem que todo mundo possa reviver essas histórias.

Loja de escravos no Valongo (Ilustração: Juliana Russo/Agência Pública)

Com generosidade, o jornalista Laurentino Gomes permitiu que usássemos alguns trechos do seu livro 1808, que reconta tão bem a chegada da corte portuguesa; dá pra fechar os olhos e sentir que você está lá naquela época. Depois de ler o livro do Laurentino, ficou sem sentido reescrever esses episódios: bastava ler. Convidamos a cantora Anelis Assumpção para ser a voz que daria vida ao livro, o que ela aceitou de bom grado. No processo, encontramos anúncios de comércio de escravos, e pedimos para que os gravasse. Anelis enviou um e-mail de madrugada, emocionada, sobre “esse passado tão meu”. “Chorei um pouco e li em voz alta pra que as pessoas em casa pudessem entender. Sonhei pela noite. Um sonho confuso. Mas não era de todo ruim”, escreveu ela. Sua voz no Museu do Ontem ressoa este impacto que sentiu. É de arrepiar.

No meio dessa longa caminhada entre transformar o conceito em produto, fomos recebendo a adesão e o apoio de pessoas que deram seu sangue e sua energia ao projeto. A Gabriele Roza, que escreveu mais da metade dos textos, foi se emocionando ao redescobrir a sua cidade de outra maneira, e nós fomos nos empolgando com ela. A Mariana Simões, que emprestou também a sua voz, a Marina Dias e o caro Thiago Tanji, que testaram o produto e se apaixonaram como nós, o Bruno Fonseca, que fez os ícones e artes que deixaram o app mais atraente.

Se você quer ver o resultado desse trabalho coletivo e maluco, pegue o celular, vá à loja da Apple ou do Google Play, baixe agora o Museu do Ontem. E corra pro porto do Rio pra capturar esse passado que é tão nosso. Prepare-se pra andar muito. O jogo é desafiador, é intenso, e é uma delícia.

E pra quem está fora do Rio, fique ligado, porque nas próximas semanas vamos lançar um jogo remoto, em que é possível fazer alguns “tours” virtuais, para permitir que mais gente tenha acesso a esse conteúdo e ao nosso jogo.

Em tempo: financiado pelo homem do Cunha na Caixa Econômica Federal, o Porto Maravilha rendeu pelo menos R$ 52 milhões em propinas para o PMDB e faliu. Hoje, os terrenos estão emperrados. O maior monumento a esse assalto sob o sol do meio dia é o Museu do Amanhã, que exalta o futuro possível antes de olhar para o passado que o porto esconde. Antes me doía, como jornalista e como brasileira, que estivesse ali, como troféu desse grande fiasco que foram os megaeventos no Brasil. Agora, pelo menos, estão espalhados ali em volta pequenas verdades sobre nosso passado antigo e sobre nosso passado recente. Porque o porto do Rio é nosso, é de todos nós.

Precisamos te contar uma coisa: Investigar uma reportagem como essa dá muito trabalho e custa caro. Temos que contratar repórteres, editores, fotógrafos, ilustradores, profissionais de redes sociais, advogados… e muitas vezes nossa equipe passa meses mergulhada em uma mesma história para documentar crimes ou abusos de poder e te informar sobre eles. 

Agora, pense bem: quanto vale saber as coisas que a Pública revela? Alguma reportagem nossa já te revoltou? É fundamental que a gente continue denunciando o que está errado em nosso país? 

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