Encravada numa área densamente habitada nas cercanias do pico do Jaraguá, na zona norte da capital paulista, e a quase 5 mil quilômetros de distância da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, a disputa em torno da TI Jaraguá, onde vive a etnia Guarani M’bya, é emblemática na ofensiva desencadeada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) para assumir as rédeas da política indigenista do país.
A principal arma dos ruralistas, e também sua mais antiga reivindicação, leva o nome de “Parecer Normativo 001/2017/GAB/CCU/AGU”, publicado em junho do ano passado utilizando-se de condicionantes que definiram a homologação, em 2009, da TI Raposa Serra do Sol, gerando impasse jurídico e fomentando o agravamento dos conflitos entre índios e agropecuaristas. Todas elas pretendem limitar os direitos dos indígenas sobre suas terras ancestrais, conforme determina a Constituição.
Numa nota técnica de 54 páginas emitida no último dia 20 de março, em que aponta a inconstitucionalidade da medida governista, um grupo de oito procuradores do Ministério Público Federal (MPF) pede a revogação do parecer editado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e alerta o governo para as incertezas geradas: a total paralisação das demarcações de terras indígenas, o aumento das tensões no país inteiro e o evidente risco de mais derramamento de sangue.
“O parecer não só não cumpre seu objetivo de garantir segurança jurídica e estabilidade como agrava os conflitos no campo entre indígenas e não-indígenas”, escrevem os procuradores. “Além de não ter havido nenhuma homologação de demarcação de terras indígenas após a publicação do parecer, o Ministro da Justiça, fundamentando-se no parecer (…), revogou a Portaria Declaratória da Terra Indígena Jaraguá, o que pode indicar que outras demarcações estão em risco, caso o parecer não seja imediatamente anulado”, diz o MPF.
A portaria que ampliou a TI Jaraguá, de três para 532 hectares, é da lavra do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, editada em 2015, e foi revogada em agosto do ano passado pelo atual ministro, Torquato Jardim, já como resultado do parecer da AGU, que pretende proibir a ampliação de áreas anteriormente demarcadas.
Outro efeito da medida levou a AGU a não recorrer contra a decisão da Segunda Turma do STF, de 2015, anulando ato de criação de parte da TI Limão Verde, dos índios Terena, em Mato Grosso do Sul. O caso estava aberto à contestação, mas, ao contrário do que faria no andamento normal de uma disputa, a AGU simplesmente se silenciou, perdendo o prazo e favorecendo a parte contrária aos interesses indígenas. Como os territórios indígenas pertencem de fato e de direito à União, cabe à AGU também defendê-los nos conflitos judiciais.
O alerta sobre os riscos apontados na nota técnica foi feito também pessoalmente, em audiência no dia 19 de março, pelo vice-procurador-geral da República Luciano Mariz Maia à então chefe da AGU, Grace Mendonça, responsável pelo texto, que se limitou a tomar ciência do documento.
Impressões digitais ruralistas
O parecer 001, como se tornou conhecido, é emblemático também pelas circunstâncias em que foi gerado. Em abril, quase três meses antes da publicação do parecer, um dos expoentes da bancada ruralista, o deputado Luiz Carlos Heinze, que prega a reação armada de agropecuaristas contra ocupações indígenas, anunciou nas redes sociais, em tom de comemoração, que o presidente Michel Temer e seu ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, atenderiam ao pleito ruralista. “Acertamos um parecer vinculante para unificar todas as decisões a 19 condicionantes do Supremo Tribunal Federal e com isso revisar todos os processos em andamento”, disse Heinze em abril do ano passado. A medida viria exatamente como ele previra. Com a tranquilidade de quem ganhou uma guerra, o deputado deu os números do butim: a medida interromperia mais de 700 processos de demarcação em andamento no país e, de imediato, mandaria para os arquivos 90%.
Foi graças ao anúncio antecipado das medidas que veio à tona uma até então discreta reunião no Palácio do Planalto, revelando que o centro das decisões que afetam as disputas entre ruralistas e comunidades tradicionais havia mudado de eixo e de interlocutores.
As negociações, que antes envolviam os órgãos técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai) e representantes das comunidades, se deslocaram do Ministério da Justiça para a Casa Civil, comandada por Eliseu Padilha, alvo de inquérito por crime ambiental da Procuradoria-Geral da República. Uma das propriedades do ministro em Mato Grosso foi denunciada pelo Ministério Público Estadual por grilagem e depredação do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, na fronteira com a Bolívia. Os ministros que se sucederam no comando do Ministério da Justiça, o deputado Osmar Serraglio, da bancada ruralista, que caiu na Operação Carne Fraca, e o atual, Torquato Jardim, participaram das reuniões, mas quem deu as cartas foram os ruralistas.
A decisão final, tomada pelo presidente Michel Temer e pelo ministro Padilha, veio conforme foi encomendada pela bancada ruralista. Antes mesmo dos estudos técnicos sobre a medida, Temer, segundo Heinze, já havia se comprometido com a edição do “parecer vinculante”. A promessa seria o cumprimento dos acordos políticos que levaram o presidente ao poder. “Fui ao presidente para saber qual era a posição do atual governo. Dos anteriores já se sabia”, conta o deputado no vídeo distribuído em abril em suas redes sociais, anunciando conteúdo que só ganharia forma jurídica em junho.
O parecer 001
O governo decidiu abraçar, para dar força de lei e estender às demais terras indígenas em fase de reconhecimento, as 19 condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal para pacificar juridicamente a reserva de área contínua de 1,7 milhão de hectares ocupada pelos índios Macuxi, Uapixana, Ingaricó e Taurepang, na Raposa Serra do Sol, cuja realidade é bem diferente das dezenas de comunidades indígenas que vivem em outras regiões ou em perímetros urbanos de grandes centros como São Paulo e no Sul do país.
Além de proibir a ampliação de áreas demarcadas, condicionar a exploração de riquezas naturais ao crivo do Congresso e retirar do processo a consulta às comunidades indígenas ou à Funai, o governo incluiu um marco temporal genérico para ser levado em conta nos estudos antropológicos. Era tudo o que queria a bancada ruralista: pelo parecer só têm direito a reivindicar comunidades que ocupam as terras até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O problema é que o STF, ao contrário do que diz o parecer, não deu efeito vinculante às condicionantes da Raposa nem ao marco temporal. Os casos são decididos um a um, de acordo com as circunstâncias de cada área considerada terra tradicional ou original, critério também aplicado em situações que envolvam quilombolas. Um bom exemplo da posição do STF veio em fevereiro, com o julgamento da ADI 3.239, que reconhece o direito dos remanescentes de quilombos sobre suas terras contra questionamento feito pelo DEM. Na decisão, os ministros rechaçaram, por ampla maioria, a tese do marco temporal, defendida no parecer.
Por pressão ruralista e do Palácio do Planalto, a AGU acabou usurpando uma atribuição exclusiva da Funai, atitude que o MPF interpretou como criminosa. “A tentativa de impor procedimento e requisitos não previstos na Constituição e na Lei para demarcação de terras indígenas se traduz em invasão de atividade técnica privativa da Fundação Nacional do Índio. Considerando que o procedimento de identificação e delimitação de terras indígenas se dá por meio de estudo técnico, em que não há espaço para discricionariedade, a invasão de tal seara pela Advocacia-Geral da União e da própria Presidência da República constitui-se ato ilícito, dada a ausência de hierarquia e subordinação da FUNAI”, esclarecem os procuradores.
Eles ressaltam que, mesmo que não tivesse os vícios da inconstitucionalidade, o marco temporal gera tensão porque questiona a presença dos indígenas em suas terras originais, jogando lenha na fogueira acesa pelos fazendeiros. Numa referência ao histórico de massacres acumulados que já dizimou etnias, alfinetam a cúpula do governo: “[…] é difícil crer que o próprio Estado sugira a permanência de confrontos violentos, ao invés de assumir o seu papel de principal responsável em demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas”.
Há quase duas décadas trabalhando com questões indígenas, o secretário-geral do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), Cleber Buzatto, diz que são inéditas iniciativas tão draconianas e danosas como o parecer 001. Segundo ele, quando o tema da agenda é demarcação, a direção da Funai tem respondido com um “começar tudo de novo”, inclusive em processos em fase de conclusão. “Trata-se de um dos maiores retrocessos, com perdas incalculáveis às comunidades indígenas e grande potencial de conflitos caso não seja derrubado”, diz ele, convicto de que a medida não pode ser dissociada da crise política que deixou o país numa encalacrada.
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, não quis falar sobre o assunto. Indicou o então presidente da Funai, general Franklimberg de Freitas, para responder. “Em razão da complexidade jurídica de que trata o parecer, já solicitamos, por intermédio da nossa Procuradoria, consulta à AGU em relação ao tema. Porém, até o presente momento, não tivemos nenhum posicionamento. A Funai, portanto, continuará cumprindo o que determina a legislação”, disse, em nota à Pública.
A chefe da AGU, Grace Mendonça, também não quis dar entrevista. Limitou-se, por meio de sua assessoria, a enviar uma nota publicada no ano passado, na data em que o parecer foi editado. Ela defende a medida afirmando que “as diretrizes fixadas pelo STF, recepcionadas no parecer”, estabelecem que “o usufruto das terras pelos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional”.
Aumento de violência em terras indígenas
Na avaliação de Buzatto, a portaria da AGU foi articulada na esteira do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e possível graças à coesão da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), em que se enfileiram, juntos e misturados, 257 deputados da chamada bancada “BBB” (boi, do agronegócio, bíblia, dos neopentecostais, e bala, dos representantes da segurança). Dois anos depois, a manutenção do bloco deu aos ruralistas poder jamais alcançado na política nacional, fortalecendo uma ofensiva contra indígenas e ambientalistas, cujas causas são consideradas por eles como entraves ao desenvolvimento e ao avanço do agronegócio.
A bancada tem ditado as regras, fechando os canais de interlocução das entidades com órgãos estatais e desmantelando os controles existentes para enfrentar invasões de áreas com potencial para agricultura, garimpos e exploração ilegal de madeira em território indígena. A redução das ações da Polícia Federal e do Ibama em regiões como Mato Grosso e Pará, segundo Buzatto, está levando ao aumento do número de denúncias sobre violência.
As estatísticas disponíveis mostram que, se entre 2015 e 2016 houve um aumento de 14% de TIs (de 1.113 para 1.296) registradas pelo governo como terras tradicionais, desde dezembro de 2017 nenhuma providência foi tomada em relação às 836 TIs à espera de solução, 530 delas com pendências apenas administrativas. Segundo dados do Cimi, num sentido inverso, agravando os locais de possíveis conflitos, foram registradas 59 novas invasões possessórias para retirada ilegal de madeira e, consequentemente, com danos ao meio ambiente.
Maranhão e Rondônia lideram o ranking, com 12 invasões cada um no período. As áreas visadas estão distantes dos centros urbanos, abrigam mais de cem etnias voluntariamente isoladas e têm as características que atiçam a cobiça: terras férteis, madeira de lei, água boa abundante e reservas de minério.
Buzatto afirma que as terras dos Karipuna, a 150 quilômetros do centro de Porto Velho, onde vivem 58 remanescentes da etnia numa área que faz parte também do município de Nova Mamoré, depois de demarcadas, foram novamente invadidas. “Ali há um claro risco de genocídio envolvendo não só os Karipuna, mas também outros grupos isolados”, afirma. Há cerca de dois meses, o único posto de vigilância da Funai na região foi incendiado e os poucos servidores, sem meios, se retiraram da região. O caso foi denunciado na ONU por uma das lideranças da etnia, Adriano Karipuna, na semana passada, em Nova York.
Buzatto diz que a Polícia Federal reduziu as operações e não tem recursos para atuar preventivamente. A sensação de abandono oficial gerou um clima de apreensão também no Pará, no entorno da hidrelétrica de Belo Monte, entre os Awá, e no alto Tapajós, onde os Munduruku, estimados em cerca de 11 mil, estão dispostos a reagir contra eventuais invasões. “Em vez de desistir, eles dizem que vão lutar”, afirma o secretário-geral do Cimi. A desestruturação do que havia de operações para defender as comunidades deve-se, segundo o Cimi, ao aparelhamento político da Diretoria de Proteção Territorial, hoje sob o controle de deputados da bancada ruralista.
“Estão invadindo para legalizar. A omissão do governo deixou o índio sozinho no enfrentamento com invasores”, lamenta Buzatto. Os únicos números disponíveis sobre assassinatos liberados no ano passado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), arrancados “a fórceps” pelo Cimi depois de sucessivas tentativas, refletem ocorrências registradas em 2016. Foram 118 casos. “Não temos novos números, mas sabemos que está aumentando.”
Além de não fornecer informações, o governo tornou letra morta em sua estrutura o Conselho Nacional de Política Indigenista, criado no governo anterior. Com o empoderamento dos ruralistas e a centralização das decisões em Padilha, entidades como o Cimi e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmam que o Ministério da Justiça se tornou quase uma figura decorativa, com pífia interferência no setor.
“Não há mais diferença entre Executivo e Legislativo. Virou uma coisa só. Se antes era difícil, agora piorou”, afirma Paulino Montejo, dirigente da Apib que há três décadas atua nos movimentos sociais indigenistas. Corroborando o que dizem os movimentos, no vídeo em que antecipou o anúncio das medidas, o deputado Heinze diz que, assim que Temer assumiu, foi a ele para ouvir que posição o governo adotaria em relação as demandas ruralistas. O resultado, como se vê, foi a edição do parecer vinculante, cujo destino será decidido no STF.
Perseguição a servidores e pesquisadores
A anulação das demarcações em curso era, no entanto, apenas uma parte da estratégia ruralista. Os partidos da FPA passaram a dominar a Funai e a controlar praticamente tudo o que diz respeito à política indigenista, inclusive a atuação de servidores e técnicos que trabalham diretamente com os índios.
É o caso da advogada e pesquisadora Erika Yamada, cedida pela Funai para atuar no Mecanismo de Peritos, setor da ONU que trata de direitos dos povos indígenas. Erika criticou, em artigos publicados, a rendição do governo brasileiro aos interesses dos ruralistas. Acabou virando alvo da FPA, que pressiona o governo por sua demissão.
Um minucioso requerimento do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), com o argumento de que Erika atua com “nítida postura ideológica” e tem “verve intensamente crítica” ao governo Temer, pede ao ministro Torquato Jardim todas as informações sobre a ficha funcional e os atos que resultaram em designação à ONU. É prerrogativa parlamentar pedir informações, mas a justificativa tem pitadas de patrulhamento ideológico e disposição de afastar do caminho quem possa representar obstáculo. O requerimento foi respondido no dia 8 de março, apenas duas semanas depois que saiu da Câmara – normalmente o governo demora no mínimo um mês para atender a esse tipo de pedido, levantando suspeitas de tratativas de bastidor para colocar Erika na alça de mira.
“Causa estranheza e perplexidade a notícia de sua eventual cessão para outro órgão, sendo mesmo pertinente a obtenção das razões de fato e de direito que serviram para emissão de eventual ato administrativo […] inclusive os argumentos de necessidade da cedência e correlação com as funções a serem desempenhadas”, escreveu o deputado ao ministro da Justiça.
O deputado Nilton Tatto (PT-SP), membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, afirma que a maioria parlamentar construída pelos ruralistas tem agido para esvaziar as ações de controle do Ibama e Funai e para paralisar as agendas de defesa do índio e do meio ambiente. “Não contente, a bancada ruralista comanda a perseguição a pesquisadores. Eles estão sendo intimidados e demitidos”, afirma. Tatto disse que a perseguição e a tentativa de criminalizar os movimentos pelos ruralistas, através do indiciamento de líderes do movimento indigenista, levou a oposição a fazer um voto em separado ao relatório final da CPI da Funai, encerrada no ano passado na Câmara.
Pesquisador e ex-presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agrário (Sinpaf), o engenheiro agrônomo Vicente Eduardo Soares Almeida diz que só na Embrapa cerca de 20 servidores, entre eles pesquisadores alvos da bancada ruralista, perderam o emprego nos últimos dois anos. O próprio Soares Almeida, mesmo estável na Embrapa, foi demitido.
“Não tenho dúvida de que minha exoneração é resultado da pesquisa e da audiência pública que promovemos na Câmara”, acusa. Demitido no início de março do comando da unidade de impactos ambientais da estatal, ele atribui a demissão à publicação de pesquisa que coordenou (“Uso de sementes geneticamente modificadas e agrotóxicos no Brasil: cultivando perigos”), desmistificando a eficácia dos agrotóxicos na principal commodity do agronegócio, a soja transgênica.
O trabalho, fundamentado em dados de comercialização de agrotóxicos entre 2000 e 2012, fornecidos pela própria indústria, mostra resultados opostos ao que vinha sendo divulgado pelo governo e ruralistas para justificar a opção por sementes geneticamente modificadas: a explosão do uso de veneno no cultivo da soja transgênica, introduzida oficialmente em 2003, não resultou em aumento da produtividade nem melhorou os níveis de produção. Em áreas onde a produtividade cresceu 1%, o uso de agrotóxicos saltou para 13%.
Segundo a pesquisa, a soja transgênica só pode ser associada ao consumo de agrotóxicos e à resistência aos herbicidas, e não ao aumento de produtividade ou adaptação da cultura a diferentes climas no país. Ao contrário, o despejo de veneno nas lavouras de soja deu mais resistência às ervas daninhas, diminuiu a fertilidade do solo e tornou as culturas transgênicas mais vulneráveis (além da soja, há o milho e o algodão) e, um fenômeno do mundo vegetal, tornou a planta “dependente química”.
Segundo Soares Almeida, estudos recentes revelam correlação entre os agrotóxicos na expansão do cultivo da soja e a mortalidade por câncer de próstata, associados a distúrbios endócrinos no Brasil. “Os dados à disposição confirmam danos à saúde humana e indicam que, em vez do segredo decretado sobre os efeitos dos agrotóxicos, deveriam orientar políticas públicas de prevenção e mitigação dos problemas”, diz o pesquisador. O governo, os ruralistas e, é claro, a indústria multinacional de veneno não gostaram. Inconformado com a demissão, Soares Almeida levará seu caso para o Judiciário.
A Embrapa explicou em nota que a demissão “envolveu informações de cunho pessoal que devem ser resguardadas com vistas à preservação do indivíduo”, apurada em processo disciplinar, observando o direito a ampla defesa e ao contraditório recomendados pela Controladoria-Geral da União (CGU). A assessoria de imprensa afirma também que a informação segundo a qual cerca de 20 servidores foram demitidos não procede.
Barreiras humanitárias
“O ataque aos controles coloca em jogo um conjunto de conquistas históricas nas áreas ambiental e indígena”, diz o deputado Nilton Tatto. Entidades e parlamentares advertem que com a paralisação das ações de governo, depois que postos do Ibama e da Funai foram incendiados na Amazônia, as milícias rurais voltaram a agir livremente, elevando as tensões, especialmente em localidades distantes, no Norte do país.
“A tendência é de aumento da violência. O braço armado ruralista tem agido com ódio. Querem tomar dos índios a terra que restou”, afirma o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Paulo Fernando dos Santos (PT-AL). Ele reclama do bloqueio ruralista, no campo e na política, e afirma que um dos poucos canais de diálogo hoje disponíveis são as entidades internacionais, para as quais estão sendo canalizadas as denúncias.
O impasse deu corpo a um movimento encabeçado por parlamentares de oposição e entidades civis em busca de apoio em países que integram o Parlamento Europeu para implantar “barreiras humanitárias”, boicotando o comércio dos principais produtos do agronegócio (soja e carne no topo) originários de terras invadidas ou que se tornaram palco de assassinatos de índios.
A deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), que tem se dedicado à questão, diz que, embora o Parlamento Europeu já tenha editado uma resolução recomendando a medida ao bloco do Mercosul, a resistência está sendo comandada pelo governo brasileiro, tendo à frente o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. “A ideia é que commodities geradas em terras invadidas, onde correu sangue indígena por ação de fazendeiros e de suas milícias armadas, sejam bloqueadas, da mesma forma como foram impostas barreiras depois da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, neste caso por suspeitas de problemas sanitários”, explica Janete Capiberibe.
Em outra frente, as entidades pressionam o governo pelo cumprimento de 200 medidas de proteção aos índios recomendadas pela ONU, em documento de maio do ano passado, mas até hoje no papel. Da lista fazem parte ações que retomem a demarcação e proteção das terras indígenas; promovam o fim do racismo e do preconceito; implementem políticas públicas nas áreas alimentar, saúde, educação e renda; protejam o meio ambiente e a biodiversidade através do fortalecimento de entidades que atualmente foram sucateadas, como Fundação Palmares, FCMBIO, Incra e Funai; e obriguem consulta às comunidades sobre ações que envolvam terras indígenas, conforme sacramentado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
A prioridade das entidades indigenistas agora é derrubar o parecer 001, da AGU, pressionando o governo através dos organismos internacionais ou, numa segunda batalha, judicializar o caso, forçando o STF a reafirmar que as decisões relacionadas à TI Raposa Serra do Sol não são vinculantes nem podem ser aplicadas em situações como a da TI Jaraguá, cercada pela maior metrópole do país.