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Entrevista

“Tenho acesso direto aos assessores de Mourão”, diz presidente do Clube Militar

Às vésperas da manifestação pró-governo, general Eduardo Barbosa defende a ditadura militar, a economia liberal de Paulo Guedes e até Flávio Bolsonaro, investigado no caso Queiroz: “Causa estranheza ao se ver tanta relevância no caso”

Entrevista
25 de maio de 2019
16:05
Este artigo tem mais de 4 ano

Para apoiar as manifestações ao governo federal programadas para este domingo, o Clube Militar no Rio de Janeiro enviou e-mail para cada um de seus milhares de associados com o bordão “Brasil acima de tudo!”. Usou também WhatsApp para fazer o chamamento em favor das “reformas necessárias à governabilidade”.

A agremiação nasceu há mais de um século em meio à agitação política. Fundado em 1887 e hoje com quase 40 mil sócios entre oficiais do Exército, Aeronáutica e Marinha, o Clube Militar teve como seu primeiro presidente o marechal Deodoro da Fonseca. Há quem garanta que a República – instituída por uma revolta liderada por militares – foi gestada na antiga sede da instituição, no Centro do Rio. Deodoro deixou o cargo maior da associação para ser o primeiro presidente do Brasil.

Hoje, membros do clube exalam outro motivo de orgulho. General da reserva do Exército,  Antônio Hamilton Mourão havia acabado de ser eleito seu presidente quando, no ano passado, começaram as primeiras sondagens para ser vice-presidente da República, na chapa com Jair Bolsonaro (PSL). Confirmado o convite, Mourão, é claro, se afastou das suas obrigações clubísticas. O general Eduardo Barbosa, seu vice-presidente, o substituiu no cargo, com gosto. Os dois são amigos desde os anos 1970, quando fizeram a mesma opção pela arma de artilharia.

O general Barbosa não tem qualquer constrangimento em dizer que tem contato direto com assessores de Mourão. “É meu amigo de muitos anos”. E mostra um apoio ao governo Bolsonaro que passa franqueza. Mas – e sempre tem um mas – há algumas nuances em seus discurso sobre a relação de Mourão com o atual

General Eduardo Barbosa em seu gabinete no Clube Militar: um militar afeito ao liberalismo econômico. (Marcos Tristão/Agência Pública)

chefe do executivo federal. Sim, Bolsonaro é sócio do Clube Militar e foi, inclusive, da turma de formação de Barbosa. Ocorre que, para ele, o presidente é o que é: um ex-capitão. “Bolsonaro é um político que já foi militar um dia”, disse em entrevista à reportagem da Pública.

Da beira da piscina para as ruas

O clube militar tem três sedes: uma no centro do Rio, outra na zona sul, na Lagoa Rodrigo de Freitas, e a terceira em Cabo Frio, na Região dos Lagos. A mais equipada é a da Lagoa, onde também há um hotel à disposição dos militares e familiares. Ali, à beira da piscina e ao lado das quadras de tênis, se descobre um pouco do pensamento das Forças Armadas, de quem está na reserva ou na ativa.

Qualquer visitante do clube não demora a ouvir um dos argumentos mais frequentes da instituição: ainda é cedo para julgar o atual governo. Para o general Barbosa, as divergências públicas entre Mourão e Bolsonaro não são nada demais. O general distancia-se dos insultos dos filhos de Bolsonaro e do guru da família, Olavo de Carvalho, ao vice-presidente: “O clube não vai mais entrar nessas discussões”, diz.

À semelhança de Mourão, Barbosa é só elogios à memória do coronel Carlos Brilhante Ustra, que, após sua morte, em 2015, recebeu uma homenagem da instituição, a despeito de ser condenado como torturador em primeira instância pela Justiça brasileira.

O gesto de convocar seus sócios, mesmo os de avançada idade, às ruas, repete a conclamação feita nas Jornadas de Junho, em 2013. Naquela época, a organização chamou oficiais às passeatas, não para protestar contra o aumento de passagens ou a péssima qualidade do transporte público, mas para expressar uma veemente oposição ao governo de Dilma Rousseff – que havia criado a Comissão da Verdade dois anos antes. “Em 2013, nosso protesto foi exclusivamente contra o governo federal”, confirma o coronel Pedro Figueira, que trabalha na sede do Centro do clube.

É claro que há opiniões diferentes entre os associados. Responsável pela comunicação social do clube, o coronel Ivan Cosme deixa isso claro: “No clube, entre os sócios efetivos, que são os oficiais, não é normal que haja pessoas de esquerda. O militar, por sinal, é mais legalista do que de direita, o que o leva a ficar mais ao centro do espectro político. Dizer que o militar é de direita é uma visão simplista da esquerda”.

O coronel diz ainda que, no ambiente do clube, não são comuns manifestações contrárias ao atual governo, até porque, diz ele, “o atual governo não conseguiu governar, face às oposições que vêm sofrendo sistematicamente. Nossa preocupação é com a governabilidade”.  O coronel  ressalta, inclusive, que os oficiais não veem  necessidade de uma intervenção militar. “Pelo menos no momento”, ressalva.

Com ou sem Mourão, o clube sempre foi um tanto ensimesmado. As opiniões dos membros, no mínimo polêmicas, pareciam, até o começo deste ano, não ecoar na cidade. Mas têm sido ouvidas cada vez mais, como se alguém tivesse aumentado o volume de alto-falantes. A Comissão da Verdade, por exemplo,  é um assunto incômodo e nada bem-vindo. E o que a historiografia chama de golpe civil-militar de 1964 é taxado por exemplo de “contrarrevolução”.

Seja como for, o Clube Militar traz uma cena impensável em países vizinhos. No Chile ou na Argentina, seria difícil imaginar oficiais à beira da piscina enaltecendo a ditadura fardada ou mesmo relativizando a tortura, como ocorre na sede social da Lagoa, na Zona Sul do Rio.

Nesta entrevista concedida com exclusividade à Pública, o presidente do Clube Militar, general Eduardo Barbosa, fala de sua amizade com Mourão e sobre a relação de Bolsonaro com seu vice. Também expõe sua visão crítica à Comissão Nacional da Verdade e relativiza a tortura no período militar, que, insiste, visava a “salvar vidas e evitar ações violentas.”

“Podem ter sido usadas técnicas um pouco mais agressivas. Como aquele conflito não era considerado uma guerra, não foram utilizados os protocolos da Convenção de Genebra”, justifica. Para ele, as mortes de oposicionistas do regime não foram significativas. “Foram 300 e poucas baixas  em 21 anos do governo militar. É pouco se comparado à população dos anos 1970”.

Leia a entrevista:

General Eduardo Barbosa em seu gabinete no Clube Militar: um militar afeito ao liberalismo econômico. (Marcos Tristão/Agência Pública)

Como o clube vê o presidente da República?

Bolsonaro é um político que já foi militar um dia, mas o que importa é que foi formado pelos valores éticos das Forças Armadas.

Como está, na sua visão, o relacionamento entre Mourão e o presidente da República?

Tenho acesso direto a assessores de Mourão, e está tudo bem entre ele e Bolsonaro. Pode até haver divergências entre eles, mas, como um bom militar, Mourão vai saber acolher as determinações, quando a discussão sobre este ou aquele ponto tiver de acabar para se ir em frente.

Mas os filhos de Bolsonaro têm atacado o general Mourão, assim como o guru intelectual da família, Olavo de Carvalho…

Os filhos de Bolsonaro nunca foram militares. E já houve uma deliberação do governo federal para não dar mais ouvidos a eles e a Olavo de Carvalho. O Clube Militar não vai mais entrar nessas discussões dos filhos e Olavo.

O clube Militar vai participar do ato do dia 26. Embora seja uma instituição não governamental, o clube sempre se posiciona politicamente. E sempre diz que o que ocorreu em 1964 não foi um golpe militar…

O governo militar [de 1964] foi estabelecido de forma legal. O cargo da presidência da República foi considerado vago pelo Congresso Nacional, que elegeu indiretamente o Marechal Castelo Branco. O governo militar se insurgia então contra a ameaça da doutrina marxista na América Latina. Em 21 anos do período militar, essa corrente à esquerda nunca deixou de existir. Foram exatamente 21 anos de conflito. A outra corrente nunca se conformou por não ter implantado um governo comunista, como ocorreu na Cuba de Fidel Castro. Sequestraram, assaltaram bancos e fizeram outros atos subversivos como a explosões de bombas.

Quais foram, em sua opinião, os erros dos militares no que o senhor chama de conflito?

Os militares cometeram poucos erros nesse conflito. Foram 300 e poucas baixas  em 21 anos do governo militar. É pouco se comparado à população, por exemplo, dos anos 1970. Sempre me lembro da música para a seleção brasileira de 1970: noventa milhões em ação… Era a população brasileira naquele tempo. Imagina 300 e poucas mortes para 90 milhões de pessoas. O percentual dá 0,00% e alguma coisa. É pouco também se for levado em conta o número de baixas de países como a Argentina. o Chile e o Uruguai, que também lutaram contra os aliados do comunismo internacional.

Mas no Brasil não houve mortes de forma indiscriminada? E quanto aos casos do militante Stuart Angel, morto em 1971, e de Vladimir Herzog, jornalista morto em 1975?

Sobre esse dois, os fatos não estão totalmente esclarecidos, mas foram casos isolados. Eventualmente, algo pode ter dado errado. Mas não tenho como opinar. Mas, no Brasil, a grande maioria morreu em combate; não eram assassinados, como nos famosos paredões em Cuba e na União Soviética de Stálin.

Como o senhor vê o trabalho feito pela Comissão Nacional da Verdade?

Essa comissão foi montada dando mais peso para a esquerda. Quem a criou era presidente da República e autoridade suprema das Forças Armadas. Assim, o governo federal criou uma comissão para atacar instituições do Estado, visando a macular os militares – o que não conseguiram – e a polpudas indenizações, o que obtiveram sucesso. Mas, deveriam, em vez disso, passar uma borracha nessa história em nome da paz social. Quando as Forças Armadas enviaram à comissão explicações sobre este ou aquele fato, não adiantava: a conclusão era sempre contra os militares. Ou seja, havia um forte viés ideológico. Tanto que a morte do soldado Mário Kozel Filho, em São Paulo, e as mortes sob a responsabilidade de Carlos Lamarca e Carlos Marighella não fizeram parte das preocupações da Comissão.

Mas houve torturas  agentes de Estado.

Temos de nos transportar para a época para analisar melhor essa questão. Agentes de Estado tinham como objetivo que esses aliados do comunismo internacional não cometessem ações terroristas. Em interrogatórios, pode ser que tivessem cometidos excessos, mas em nome de salvar vidas e evitar ações violentas. O objetivo era obter a verdade para evitar um mal maior. Não vou citar nomes, mas existem pessoas que disseram na Comissão da Verdade que foram torturadas, porque, segundo elas, eram orientadas a dizer isso. Mas algumas delas já se pronunciaram, afirmando que não foi bem assim.

O general Mourão já saiu em defesa do coronel Brilhante Ustra, que chefiou o Doi-Codi, órgão de repressão política da ditadura militar, entre 1970 e 1974. O senhor também o defenderia?

O coronel Ustra pode ter pago o preço de excessos deste ou daquele subordinado. Como ele sempre chamou para si a responsabilidade do que ocorria no Doi-Codi, pode ter sido acusado de algo que realmente não fez. Sob seu comando, pode ter havido excessos, mas sempre com o sentido de prevenir o pior.  Ele era um chefe militar e era responsável  por tudo o que acontecia. Ele jamais iria transferir suas responsabilidades. Naquela época, para se combater o terrorismo de esquerda, pode ter sido usada técnicas um pouco mais agressivas, mas não se pode condenar um militar por ter cumprido sua missão. O esquerda armada também fez jogo sujo. Alguns representantes disso integram a política atual. Como aquele conflito não era considerado uma guerra, não foram utilizados os protocolos da Convenção de Genebra.

Como o Clube Militar vê os 13 anos de PT à frente do Governo Federal?

Com o PT à frente, o país quebrou. Já havia indícios de corrupção no primeiro governo Lula. O processo do mensalão deixou isso claro, mas houve à época houve aquela abafada, e Lula acabou reeleito. Inocente o Lula não é, já que já foi condenado em terceira instância. Ao longo desse período petista, a Operação Lava Jato foi mostrando o rastro de corrupção. O Governo do PT é também marcado pela criação da Comissão Nacional da Verdade, que, como já disse, ouviu só um lado, o da esquerda.

Mas já há indícios envolvendo corrupção com a família do presidente da República, inclusive envolvendo a mulher dele e, sobretudo, o filho Flavio Bolsonaro.

O clube lida com fatos julgados. Mas nos causa estranheza ao se ver tanta relevância no caso do período em que Flávio Bolsonaro foi deputado estadual, em detrimentos de outros parlamentares do Rio que são investigados por corrupção supostamente envolvendo ganhos financeiros bem maiores do que os atribuídos ao hoje senador do PSL. Seja como for, o Clube Militar vai aplaudir qualquer condenação.

Os problemas econômicos do país também podem ser explicado pela crise após o impeachment? E no governo militar, em que a imprensa foi alvo de censura e assim não havia transparência, também houve corrupção?

É um somatório de fatores. E o impeachment e o governo Temer são alguns desses fatores, sim. Quanto a se houve corrupção no período militar, vamos primeiro colocar a questão da imprensa. Alguns setores da imprensa alimentavam essas facções associadas ao comunismo internacional. E o regime atuava contra isso. Não houve censura em relação a questões econômicas ou ligadas à corrupção.

O fato é que todos os presidentes militares terminaram seus mandatos com o mesmo patrimônio com o qual eles haviam iniciado no maior cargo do executivo federal. Não sei dizer em relação os cargos de segundo ou terceiro escalões, boa parte deles ocupada por civis. Mas não houve corrupção comprovada nesse período. Para comprovar algo, teríamos de fazer investigações de um período de mais de 40 anos atrás. Não sei se existem registros da Receita Federal e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) desse tempo.

Há quem reivindique um viés mais nacionalistas dos militares diante das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, de promover a venda de ativos nacionais. Os militares continuam nacionalistas?

Acho interessante a proposta liberal. No período do presidente Ernesto Gisel, entre março 1974 e março 1979, havia uma incerteza política grande; empresas privadas nacionais ou estrangeiras não queriam investir no país. O governo federal então investiu em infraestrutura, e as estatais tiveram um papel. Foi algo bom para o país. Mas agora os tempos são outros. A Petrobras não deve ser a única empresa a investir no país. Outras do setor são bem-vindas no setor de petróleo. Empresas estrangeiras também geram emprego. O Estado não tem de tomar conta de tudo. No caso da Venezuela, esse modelo se mostrou um grande fracasso, com as empresas estatais definhando. Podemos fazer parcerias com empresas estrangeiras, envolvendo trocas de tecnologia. Empresas estatais precisam competir com privadas estrangeiras ou nacionais. Qualquer empresa tem de estar preparada para isso.

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