Cento e dezoito candidatos a prefeito e vice-prefeito em municípios da Amazônia Legal que vão disputar as eleições no dia 15 de novembro estão na “lista suja do Ibama” por infrações cometidas na região na última década. É o que mostra levantamento feito pela Agência Pública.
Eles foram autuados por desmatamento, queimadas, exploração de floresta nativa localizada em reservas ou por prestar informações falsas para os órgãos ambientais a fim de acobertar atividades ilegais. Cinquenta e um que estão atualmente em exercício já receberam multas ambientais por infrações cometidas na região, e 28 deles vão disputar a reeleição.
Entre os políticos multados pelo Ibama, estão quatro prefeitos dos seis municípios que ganharam destaque recente por terem sido palco do “dia do fogo” — uma série de incêndios provocados intencionalmente por fazendeiros, empresários, advogados e pessoas ligadas ao setor agropecuário em 10 de agosto de 2019. São eles: o prefeito de Itaituba, Valmir Climaco (MDB); de Jacareacanga, Raimundo Batista Santiago (PSC); de Trairão, Valdinei José Ferreira (PL) e seu vice, Maurício de Lima Santos (PL); e o prefeito de Novo Progresso, Ubiraci Soares Silva (PL), e o vice, Gelson Luiz Dill (MDB) – que irá disputar a prefeitura este ano em campo político oposto ao de Ubiraci. Juntos, eles somam R$ 7,8 milhões em multas ambientais. Contudo, nenhum dos gestores foi acusado de ter participado dos atos.
Somente essas cidades, além de Altamira e São Félix do Xingu, foram responsáveis por 79% dos focos de incêndio detectados no Pará nos dias 10 e 11 de agosto de 2019, de acordo com levantamento da ONG Greenpeace.
À frente do município de Itaituba, Valmir Climaco foi condenado no ano passado pela Justiça Federal em Santarém à pena de quatro anos e nove meses de detenção por crime ambiental. Ele teria destruído 746 hectares de floresta nativa em Altamira, entre 2002 e 2004, com exploração de madeira pela Madeireira Climaco. A empresa consta na declaração de bens do candidato apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O prefeito tem ainda três embargos em seu nome, em Itaituba e Maués (AM), por danos à flora e por realizar obras sem a licença dos órgãos competentes. Dois desses embargos, datados de 2012 e 2015, ainda estão pendentes de julgamento.
O procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira ressaltou o histórico de desmatador do político em outra denúncia do Ministério Público Federal (MPF), de 2017. Nela, Climaco é acusado de destruir 15 hectares de floresta em uma unidade de conservação em sua cidade. “De acordo com as informações fornecidas pelo Ibama acompanhadas dos devidos documentos comprobatórios, verificou-se que Valmir Climaco de Aguiar, conhecido como madeireiro da região, vem ao longo de muitos anos cometendo infrações ambientais, conforme autos de infração anexados lavrados pelo Ibama”, observou Oliveira.
Em 2019, o MPF chegou a solicitar o afastamento de Climaco da prefeitura de Itaituba por ele ter dito, em junho daquele ano, que receberia “à bala” servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) escalados para fiscalizar sua fazenda. A propriedade, reivindicada por indígenas da etnia Munduruku, foi a mesma onde a Polícia Federal (PF) encontrou 583 quilos de cocaína em julho do ano passado.
Ao todo, Climaco responde a 45 processos na Justiça Federal, conforme certidão apresentada à Justiça Eleitoral.
A reportagem entrou em contato diversas vezes com o prefeito e com sua assessoria de imprensa, mas não obteve retorno até a publicação.
Na corrida pela reeleição, dupla acusada de desmatamento comanda municípios
A cerca de duas horas de Itaituba, o município de Trairão também é comandado por um prefeito acusado de desmatamento. Valdinei José Ferreira — mais conhecido como Django — também é madeireiro e foi condenado em abril deste ano, em primeira instância, por destruir 1.300 hectares da floresta amazônica. De acordo com o Ibama, o desmatamento flagrado pelo órgão em 2012 foi feito sem a autorização dos órgãos competentes em uma fazenda de propriedade do prefeito, chamada Futurão.
No processo que tramita na Justiça Federal, o atual prefeito negou a autoria, disse que o desmatamento era antigo e que apenas havia comprado a fazenda que já ficava no local antes da criação da Unidade de Conservação.
Essa, no entanto, não foi a única vez que o candidato à reeleição teria se envolvido em crimes ambientais. Ele foi condenado recentemente pela Justiça Estadual a pagar mais de R$ 43 mil de indenização após autuações do Ibama em 2011 e 2012 – pelo mesmo motivo, ele tem um embargo em seu nome aplicado em 2012 e ainda sem julgamento. À época, o órgão constatou que Ferreira possuía uma serraria clandestina no município.
Django ainda foi acusado pelo MPF por extração ilegal de madeira em uma Unidade de Conservação em Itaituba, em dezembro de 2007. Segundo um agente do Ibama ouvido como testemunha de acusação, ele se apresentou à equipe do órgão ambiental como dono do caminhão que retiraria a madeira do local. O processo encontra-se em fase de alegações finais, ainda não houve sentença.
Seu vice na prefeitura e na disputa pela reeleição, Maurício de Lima Santos, também já foi denunciado pela Procuradoria do Pará por desmatamento, no município de Novo Progresso, de onde teriam sido retiradas toras de madeira do interior da Flona Itaituba II. A ação, de 2017, ainda aguarda sentença.
Em outra ação proposta pelo MPF, em 2014, ele foi denunciado por entrar ilegalmente na Flona Trairão com maquinário próprio para a exploração florestal sem autorização dos órgãos competentes. Ele foi condenado em primeira instância, mas recorreu da decisão e aguarda julgamento.
Contatados, Valdinei José Ferreira e Maurício de Lima Santos não responderam aos questionamentos da Pública. Uma lista de perguntas foi enviada por e-mail à prefeitura do município paraense, mas também não houve resposta até a publicação.
Em Novo Progresso, onde teriam ocorrido as articulações do “dia do fogo”, o prefeito e o vice-prefeito também foram autuados por infrações ambientais pelo Ibama.
Mais conhecido como Macarrão, o candidato à reeleição no município, Ubiraci Soares Silva, é réu em uma ação de execução fiscal movida pelo Ibama na Justiça Federal em Santarém desde 2015 e chegou a acumular até 2017 multas que ultrapassaram R$ 1,7 milhão, segundo o jornal O Globo, por ocupar ilegalmente áreas no interior do Parque Nacional do Jamanxim. Ele ainda tem um embargo daquele ano, ainda não julgado, por desmatamento. Procurado, Macarrão não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Já seu vice, Gelson Luiz Dill, que este ano vai disputar a prefeitura contra Ubiraci, recebeu multas nos valores de R$ 288 mil em 2017 e R$ 4 milhões em agosto de 2020, por ter sido acusado de destruir 23,93 hectares e 174,5 hectares, respectivamente, do Jamanxim, conforme revelou a Repórter Brasil. “Todas fora da minha propriedade”, justificou Dill.
Ele acredita que as multas seriam uma forma de retaliação à sua atuação em defesa dos produtores rurais da região. “Porque eu aqui denuncio as irregularidades desses órgãos ambientais que estão queimando maquinários de produtores, que estão queimando propriedades de produtores”, ressaltou.
O vice-prefeito é produtor agropecuário e declarou à Justiça Eleitoral possuir 2.473 cabeças de gado, avaliadas em R$ 1,9 milhão.
Ligados ao agronegócio, infratores ambientais disputam a reeleição
Doze dos 28 prefeitos e vice-prefeitos de municípios da Amazônia Legal candidatos à reeleição são agricultores, pecuaristas ou madeireiros.
Dono de um patrimônio de R$ 17,2 milhões, o prefeito de Querência, no Mato Grosso, Fernando Gorgen (DEM), declarou à Justiça Eleitoral este ano ser sócio de duas empresas de criação de bovinos para corte, no município de Pium, no Tocantins – a Chapada Azul Empreendimentos Agropecuários e a Javaes Agropecuária –, e da Fazenda Nova Zelândia, em Querência. Seu patrimônio cresceu 260% nos quatro anos que esteve à frente do município.
Gorgen e os irmãos foram multados por fraudar autorizações de desmatamento junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, em 2018. As fraudes nos sistemas ambientais foram constatadas durante a segunda fase da Operação Siriema, deflagrada pelo Ibama e pelo Ministério Público Estadual do Mato Grosso.
O prefeito e a família teriam sido responsáveis por desmatar mais de 5 mil hectares de áreas consideradas como parte da floresta amazônica, conforme acusou o Ibama à época. O prefeito alegou, por meio de nota, que não era o proprietário da fazenda onde teria ocorrido o desmatamento ilegal. Ele argumenta que foi “equivocadamente apontado como um dos protagonistas da ‘Operação Siriema’”.
O prefeito de Nova Canaã do Norte, município da região amazônica do Mato Grosso, Rubens Roberto Rosa (PDT), também foi multado por infração cometida contra a flora quando já estava exercendo o mandato, em 2017. Assim como Gorgen, Rubão, como é conhecido, é pecuarista e milionário. Ele declarou à Justiça Eleitoral este ano um patrimônio de R$ 25,9 milhões, que incluem 7.334 cabeças de gado e cinco fazendas.
Em 2013, ele teve o nome incluído na lista suja do trabalho escravo após autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho em duas de suas propriedades. Ele responde na Justiça Federal no estado a um processo movido pelo MPF por trabalho escravo.
Segundo a denúncia do MPF, os trabalhadores viviam “em condições análogas à de escravo, vez que eram sujeitos a dormirem em barracos sob a proteção de lonas plásticas, alimentação precária, sem disponibilidade de água potável, dividindo o ambiente com animais peçonhentos, vivendo sem quaisquer condições de higiene, além de ficarem distantes, por vários quilômetros, dos locais de origem”. Ainda não houve decisão definitiva nesse processo.
Contatado pela Pública, Rosa afirmou que não tem contra si nenhuma condenação na Justiça. A respeito da denúncia de trabalho escravo, ele afirma que era um processo que chegou a ser arquivado em primeira instância, mas voltou a tramitar na Justiça após o MPF recorrer da decisão de arquivamento. Disse que a denúncia foi uma armação de um antigo funcionário. “O cara que me denunciou, eu tinha mandado ele embora e ele estava até com seguro-desemprego. Ele foi lá e ele armou [essa denúncia]”, disse Rosa por telefone. “Os mesmos funcionários daquela época são meus [empregados] agora. Não tinha trabalho escravo”, reiterou.
Com relação às autuações e multas do Ibama, ele negou que tenha alguma recente. Disse que a última que tinha contra si era de 1994, mas que já quitou as pendências com o órgão ambiental. “Eu não fui autuado em 2017, foi em 1994. Faz 20 e tantos anos que o processo está lá. Fui penalizado, mas paguei todas as multas à época”, disse o prefeito. Ele afirma que arcou com todas as compensações exigidas pelo desmatamento e que ele ocorreu antes da entrada em vigor do Código Florestal, quando era permitido por lei desmatar uma área maior do que os parâmetros atuais na região.
A Pública enviou a Rosa uma certidão do Ibama em que constam dois embargos pendentes vinculados ao CPF do político, inseridos na base do Ibama em 2007 e 2017. A reportagem procurou-o novamente. Sobre a certidão, afirmou que as autuações seriam “coisa antiga”, ponderou que poderia ser “quando pegou fogo lá, que veio uma multa violentíssima”, mas se recusou a dar mais esclarecimentos por telefone. “Eu não fiz nada que fosse proposital. Isso deve ser reflexo de uma outra coisa”, afirmou via áudio.
Mato Grosso tem prefeito com mais multas e cidade com mais candidatos multados
Entre todos os políticos multados por infrações ambientais na Amazônia, o recordista é o atual vice-prefeito de Alto Araguaia, no Mato Grosso, Freud Fraga dos Santos (DEM). Com 13 multas entre 2012 e 2019, o pecuarista vai disputar a reeleição ao lado do prefeito da cidade, Gustavo Melo (PSB).
Freud foi denunciado em 2014 pelo MPF no Pará na Operação Castanheira, em Novo Progresso, que teve como alvo uma quadrilha de desmatadores e grileiros. À época, PF, Ibama, Receita Federal e Procuradoria da República consideraram a quadrilha como uma das que causaram mais danos na Amazônia.
De acordo com a denúncia do MPF, o grupo invadia terras públicas, desmatava e incendiava as áreas para formação de pastos, e depois vendia as terras como fazendas. Segundo a investigação, pelo menos 15,5 mil hectares foram desmatados, resultando em um prejuízo ambiental equivalente a pelo menos R$ 500 milhões.
“Nós não reconhecemos envolvimento dele em nada”, destacou o advogado do vice-prefeito no processo, Marlon Arthur Paniago de Oliveira. “Cabe esclarecer que o processo judicial ainda está em tramitação na justiça, sendo certo que jamais teve qualquer condenação em processo crime de quaisquer espécie, em qualquer grau ou jurisdição”, acrescentou.
O Mato Grosso, além de ter o político com recorde de multas, é o estado onde está o município com mais candidatos multados. Em Colniza, na divisa com o Amazonas, das dez duplas que concorrem a prefeito e vice, cinco têm candidatos com multas ambientais, a maioria de infrações contra a flora e controle ambiental.
Não são apenas candidatos de municípios da Amazônia Legal que cometem infrações ambientais na região. Conforme apurou a reportagem, seis candidatos a prefeito e vice em municípios de outras partes do país foram multados pelo Ibama por infrações cometidas nos estados da Amazônia. Ao todo, 11 prefeitos e vices em exercício atualmente fora da Amazônia já tiveram alguma multa na região no seu histórico.
Metodologia
1. Download da relação de multas aplicadas pelo Ibama nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e de bases do repositório de dados eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (com o resultado das eleições de 2016 e dados dos candidatos em 2020).
2. Limpeza das planilhas
– Unimos as planilhas dos nove estados que fazem parte da Amazônia Legal.
– Filtramos as entradas de multas aplicadas no período de janeiro de 2011 a agosto de 2020 e removemos os registros de 1985 a 2010.
– Os registros duplicados foram removidos, totalizando 62.489 multas para análise, que podem ser vistas nesta planilha.
3. Cruzamento de dados
– Gestores municipais multados: Cruzamos a planilha de candidatos eleitos em 2016 com as multas aplicadas pelo Ibama. Levantamos 62 nomes de prefeitos e vice-prefeitos que receberam multas na última década. Desses 62, 34 tentam se reeleger em 2020, sendo 28 na região da Amazônia Legal
– Candidatos em 2020 multados: com a relação de candidatos em 2020, verificamos os CPFs na base de dados de multas. Foram multados 124 candidatos a prefeito/vice que cometeram alguma infração na Amazônia.