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Nota

Castração química: o caminho do projeto de lei aprovado sem debate na CCJ do Senado

23 de maio de 2024
19:01

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na quarta-feira (22) um projeto de lei (PL) que permite a castração química voluntária de reincidentes por crimes sexuais, em mais um avanço da pauta conservadora no Congresso. O PL 3.127/19, do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), não chegou a ser debatido em audiência pública e teve uma votação rápida, com 17 votos a favor e apenas 3 contrários. O projeto agora segue direto para análise da Câmara dos Deputados.

Pelo texto aprovado, relatado por Angelo Coronel (PSD-BA), reincidentes nos crimes de estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável podem optar por um tratamento hormonal para contenção da libido como uma alternativa à prisão. Neste caso, a pessoa teria direito à liberdade condicional. Na proposta original, Valentim tinha colocado a possibilidade de o preso optar por uma intervenção cirúrgica definitiva, mas o trecho foi retirado pelo relator, que argumentou ser uma medida inconstitucional. 

Segundo o autor, o PL foi inspirado em uma norma do Código Penal da Califórnia. Em 1997, o estado norte-americano foi o primeiro a tornar a medida obrigatória para que reincidentes por crimes sexuais consigam a liberdade condicional. Além dos Estados Unidos, outros países como Argentina, Coreia do Sul e Polônia adotam a medida.

Após a aprovação na CCJ, por tramitar em caráter terminativo, o projeto não precisará passar por votação no plenário do Senado, a menos que haja recurso de algum dos senadores. Até o momento, o PL deve seguir direto para análise da Câmara, onde a proposta não deve seguir com a mesma velocidade.

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) realiza reunião com 16 itens. Entre eles, o PL 3.127/2019, que prevê castração química para estupradores
Votação do PL 3.127/2019, que prevê liberdade condicional a detento que opte por tratamento para conter libido

O líder do PL na Casa, Altineu Côrtes, disse que trabalhará para que a pauta avance, mas reconheceu que o tempo é curto para uma aprovação ainda neste primeiro semestre. Com a proximidade do recesso parlamentar, que começa em 17 de julho, os deputados devem priorizar temas econômicos, como a regulamentação da reforma tributária e a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Após o recesso, o Congresso tende a ficar esvaziado em razão das eleições municipais.

É o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quem define as comissões em que o projeto tramitará na Casa. O único colegiado obrigatório é a CCJ, por onde passam todas as propostas legislativas, mas há possibilidade de que Lira envie também para análise da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO). Ambos os colegiados são comandados por bolsonaristas: Caroline de Toni (PL-SC) preside a CCJ, enquanto Alberto Fraga (PL-DF), a CSPCCO. Na Câmara, o PL deve seguir a tramitação do Senado, em caráter terminativo, por isso o projeto pode ser aprovado na CCJ em caso de presença de 34 dos 66 deputados membros da comissão. Em seguida, o texto seguiria para sanção presidencial.

16 minutos e zero espaço para debates

A votação na CCJ foi marcada por um clima de descontração e pela pressa do presidente do colegiado, Davi Alcolumbre (União-AP), em concluir o processo, que levou 16 minutos. Sem a presença de todos os 27 senadores da comissão, Alcolumbre encerrou a votação pouco após o PL alcançar o quórum mínimo de votos, de 14 parlamentares. “Se chegar em 27, pode ser que perca”, justificou, rindo, ao autor da proposta. 

No total, foram 17 votos favoráveis. Os senadores Paulo Paim (PT-RS), Humberto Costa (PT-PE) e o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), votaram contra a medida. Antes de a votação ser encerrada, o parlamentar baiano expôs sua contrariedade. 

“Vamos supor que ele [o criminoso] aceite fazer e, por conta disso, reduz-se a pena e [ele] seja liberado. Ele, que não terá mais a possibilidade de fazer o que fazia, se tiver optado, vai fazer o quê? Vai bater? Vai matar? Vai cortar um seio da mulher?”, questionou.

Ao manifestar apoio ao projeto, em contraponto a Wagner, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) defendeu a castração física, “com ferro e faca”, de criminosos sexuais. “E, se ele retornasse, seria pena de morte para excluir… Esse tipo de gente tem que ser excluída, tem que ser banida da sociedade”, declarou. A pena de morte, no entanto, é vedada pela Constituição e uma cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada de forma alguma.

Questão além do punitivismo

Segundo a coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins, os crimes sexuais no Brasil estão ligados mais à cultura que à biologia. “As violências tanto contra as mulheres quanto contra crianças e adolescentes, nesse contexto sexual, são resultados de um processo histórico de naturalização dessas violências, que têm uma construção cultural e social na base de tudo isso”, disse em entrevista à Agência Pública.

Para Danilo Baltieri, coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex), a iniciativa é “interessante”, mas faltaria definir critérios para a indicação do tratamento. “Funciona para aqueles indivíduos que, de fato, padecem do transtorno pedofílico, no caso do agressor sexual de crianças, ou daqueles que padecem do transtorno sádico sexual, no caso dos agressores sexuais de mulheres. Não vai funcionar para aqueles indivíduos que não têm nenhum transtorno mental”, destacou.

Edição:
Saulo Cruz/Agência Senado

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