“Se o procurador-geral da República tem uma denúncia contra o presidente da República, ele primeiro precisa provar. Tem que ter provas materiais.” – Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista à rádio difusora do Acre “A voz das selvas” dia 29 de junho sobre a denúncia contra o presidente Michel Temer
Lula comentou a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer no mesmo dia em que a decisão foi apresentada à Câmara dos Deputados. Em entrevista a uma pequena rede de rádios acreana, citada por veículos como Valor e Jovem Pan, o petista falou que Janot deve apresentar provas materiais para sustentar sua acusação. O Truco – projeto de checagem de fatos e dados da Agência Pública – procurou advogados e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) para verificar a veracidade da afirmação de Lula. De acordo com eles, não é necessário que as provas apresentadas pela procuradoria sejam materiais. Por isso, a frase do ex-presidente é classificada com o selo “Falso”, já que a legislação não demanda que o procurador apresente provas materiais, mas indícios de que o crime ocorreu e de que o acusado tem envolvimento no caso.
O artigo 41 do Código de Processo Penal prevê que qualquer acusação feita pelo Ministério Público deve conter “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.
O advogado João Daniel Rassi, doutor em direito penal pela USP e sócio do Siqueira Castro, explica que a legislação não prevê a necessidade de provas contundentes para oferecimento de denúncia. “Para oferecê-la, um promotor deve reunir indícios da autoria e da materialidade”, afirma. “A denúncia é uma petição inicial que precisa cumprir certos requisitos. Uma denúncia feita sem o mínimo lastro probatório pode ser considerada inepta, mas provas materiais não são um requisito. Para a denúncia, bastam indícios. Na sentença, o juiz precisa das provas contundentes”.
José Robalinho, presidente da ANPR e procurador-regional há mais de 18 anos, em entrevista à Pública, repetiu a conceituação feita por Rassi. “A denúncia de um procurador, seja ele o procurador-geral da República ou qualquer outro procurador de Justiça, precisa incluir o binômio materialidade e autoria”, explica. “Materialidade seriam provas que demonstrem que o crime de fato ocorreu. Quanto à autoria, você não precisa ter a prova, mas indícios suficientes de que a pessoa acusada está envolvida”.
O procurador destaca ainda que o processo penal só deve ser arquivado se não houver o mínimo lastro probatório. “No momento da denúncia, se existe uma dúvida, ela deve ser denunciada. Nesse caso, a dúvida funciona a favor da sociedade enquanto no momento da sentença, a dúvida deve ficar a favor do acusado”, exemplifica. Ele avalia que o erro da frase de Lula está na conceituação do que é prova. “Em direito penal, não existe mais, há muitos anos, a chamada hierarquia das provas, que estabelecia quais tipos de provas seriam mais relevantes. Hoje, todo conjunto indiciário pode ser considerado prova”, explica.
Robalinho compara a situação a um homicídio encomendado. “Nesse caso, você geralmente não tem provas físicas contra o mandante. Não há pólvora na mão do sujeito, DNA dele na cena do crime ou digital na arma. Nada disso vai existir. No entanto, o conjunto indiciário pode mostrar o envolvimento do mandante no crime. A prova física nunca é indispensável”, afirma.
Os dois especialistas entrevistados pela reportagem avaliam que a denúncia contra Temer é apta. “Eu achei muito sólida e técnica. Traz uma narrativa extremamente forte”, considera Robalinho, da ANPR. “Pelo que eu vi, ela foi feita com requisitos. O que ela traria seria uma dúvida sobre a autoria. No entanto, não há dúvida de que o crime ocorreu. Tanto que há dados de corroboração, como os vídeos gravados, há delações”, explica Rassi, do Siqueira Castro. A íntegra do texto apresentado por Janot está disponível online, no site da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Em 27 de junho a PGR publicou uma nota pública rebatendo as críticas à Janot. No texto, a instituição alega que a denúncia “é pública e baseada em fartos elementos de prova, tais como laudos da Polícia Federal, relatórios circunstanciados, registro de voos, contratos, depoimentos, gravações ambientais, imagens, vídeos, certidões, entre outros documentos”. Tais provas, segundo o órgão, “não deixam dúvida quanto à materialidade e a autoria do crime de corrupção passiva”.
A nota da PGR rebate muitos dos argumentos do presidente Temer que, assim como Lula, também questionou a validade da acusação feita pela procuradoria. Em discurso, o peemedebista disse que “as regras mais básicas da Constituição foram tripudiadas pela embriaguez da denúncia que busca a revanche, a destruição e a vingança”.